sexta-feira, 29 de julho de 2022

WAP BILLING: o que é? Como reagir a uma tal prática-surpresa, em si mesma criminosa, agressiva e enganosa?

 


“Só despertamos, em geral, para determinados fenómenos quando somos tocados pelos seus termos.

O artigo de Fernanda Câncio, no Diário de Notícias de 07 de Junho próximo passado, fruto de uma desagradável experiência pessoal, teve, porém, o condão de despertar consciências porque nem sempre os alertas das instituições autênticas, autónomas e genuínas de consumidores fazem com que soem as campainhas da reacção e  desespero gerais.

Este palavrão [WAP Billing], com que se douram os operadores dos serviços de comunicações electrónicas, para nos irem à bolsa de forma, a um tempo, requintada e requentada, tem exactamente por fito esse propósito: de grão em grão encher a mula ao vilão…

E o que é o tal WAP Billing para que nem os poderes se achavam despertos e tanto disparate se disse, ao tempo, no Parlamento, na mais crassa ignorância do que se acha vigente, em Portugal, em matéria de protecção do consumidor?”.

Cumpre responder:

1.    Trata-se, por definição, de um mecanismo que faculta aos consumidores a “aquisição de conteúdos digitais” a partir de páginas WAP (Wireless Application Protocol), directamente debitados na factura de serviço de acesso à Internet ou descontados no respectivo saldo (no caso dos meios pré-pagos).

 

2.    No vertente caso, porém, é de um “serviço-surpresa” que se trata, susceptível de ser debitado aos consumidores na factura dos serviços de comunicações electrónicas, sem fundamento legal, por lhes ser ‘apontado’ sem o haverem requisitado. E envolver ominosos artifícios para a tal se aceder.

 

3.    Desde logo estamos, em bom rigor, perante um CRIME DE BURLA.

O Código Penal português reza no seu artigo 217:

“Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

4.    E, depois, pelo ordenamento jurídico pátrio, perante um ilícito de consumo, já que a LDC – Lei de Defesa do Consumidor – prescreve no n.º 4 do seu artigo 9.º:

«O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa».

5.    Mas tal hipótese também se acha prevista na LEI DAS PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS (DL 57/2008, de 26 de Março), como segue:

“É agressiva, em qualquer circunstância e, como tal proibida, a prática que consista em

«exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado...» (alínea f) artigo 12.º).

6.    E, no n.º 1 do artigo 28 do DL 24/2014, de 14 de Fevereiro, se estatui que

«É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens, água, gás, electricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor (…)».

7.    A LDC, ademais, no seu artigo 9.º - A reforça tais proibições, a saber:

«1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor de bens ou prestador de serviços tem de obter o acordo expresso do consumidor para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do fornecedor de bens ou prestador de serviços.

2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.

3 - Quando, em lugar do acordo explícito do consumidor, a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional, o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.

4 - Incumbe ao fornecedor de bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.

5 - O disposto no presente artigo aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, electricidade, comunicações electrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais

8.    Se acaso o operador de comunicações electrónicas facturar tais montantes a acrescer aos do serviço essencial e exigir o pagamento na íntegra, pode o consumidor reclamar a quitação parcial (o pagamento só e tão só dos montantes de serviço público que se acham contratados), de harmonia com o que estabelece o artigo 6.º da LEI DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS (Lei 23/96, de 26 de Julho), que dispõe como segue:

“Não pode ser recusado o pagamento de um serviço público, ainda que facturado juntamente com outros, tendo o utente direito a que lhe seja dada quitação daquele…”

9.    Tais práticas configuram ainda um crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo – artigo 35, que comina com pena de prisão e multa uma tal conduta: prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias.

 

10.  Para além dos enunciados crimes de burla e especulação, constituem ainda ilícitos de consumo e ilícitos de mera ordenação social passíveis de coima (sanção pecuniária) e em sanções acessórias.

 

Mário Frota

Presidente emérito da apDCDIREITO DO CONSUMO - Portugal

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