segunda-feira, 18 de julho de 2022

ERA A ÁGUA, MEU BEM, ERA A ÁGUA”…


 ESCRITOS QUE AINDA NÃO TRESANDAM…

O panorama da água em determinados municípios do País

 

A Lei de 20 de Agosto de 2009 que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos prevê, num dos seus dispositivos, que a gestão de tais serviços é atribuição dos municípios e pode ser por eles prosseguida isoladamente ou através de associações de municípios ou de áreas metropolitanas, mediante sistemas intermunicipais, de harmonia com o que nela se prescreve.

Os municípios desde sempre exerceram, com proficiência, tais atribuições e a forma como, em geral, o fizeram não suscitava reparos de maior.

Na eficiência, afinal, a rotina de um serviço que não sobressaía porque em sintonia com os objectivos que se lhes cometera e com o quotidiano dos munícipes.

Mercê de circunstâncias, que talvez merecessem cuidada análise, a ineficiência sobreveio, os prejuízos avolumaram-se e, menos por apetência do que para se libertarem de encargos e demais exigências funcionais, municípios houve que outorgaram a empresas intermunicipais a gestão corrente dos serviços, como aconteceu com a Lousã e uma mancheia (ou duas) de municípios aderentes. Que entregaram tais desígnios a uma empresa intermunicipal do denominado Pinhal Interior.

O princípio, em si, poderá não ser recomendável, já que aos municípios, a cada um de per si, cumpriria lograr as vias para que, em gestão equilibrada, se servissem os interesses próprios das populações a que se adscrevem. Nem será, desde logo, condenável.

Pior é que, no distanciamento face às populações que serve, uma empresa do jaez destas se torne pesada na sua estrutura, com uma gestão demasiado onerosa, que os consumidores pagarão obviamente na sua factura regular, indiferente às especificidades locais e, no limite, uma porta aberta para a concessão em exploração a privados de um bem do domínio público que a todos e a cada um importa.

Desde logo, os interesses dos consumidores não estão directamente acautelados porque da estrutura de gestão, que se saiba, não há uma representação dos próprios munícipes-consumidores, através de instituição criada ou a criar, que “são os olhos do dono que guardam a vinha”…

Depois, porque a novidade está no “rebentar da escala” porque surge não só o agravamento de preços da água como a criação ou recriação de taxas sem correspondência com serviços prestados.

Confira-se o que, a propósito, nestes últimos dias, consumidores mais despertos e interventivos se fizeram eco nas páginas dos matutinos de Coimbra, designadamente a elevação dos preços da água nos dois primeiros escalões e o débito de taxas de saneamento básico em aldeias que não dispõem de rede de saneamento, o que prefigura uma ilegalidade manifesta porque as populações (cerca de 80%) suportarão o preço de um serviço que não é efectivamente prestado.

Como, numa primeira aproximação, a contratação de serviços aos privados (o serviço de atendimento às populações foi cometido aos CTT, sem que, ao que se saiba, num domínio com particulares exigências, os empregados dessa empresa privada tenham recebido formação específica para poderem estar à altura das solicitações dos consumidores…).

O que é, de si, um mau prenúncio porque de “privatização” em privatização se chega à privatização total.

Recorde-se o caso das águas na Figueira da Foz, cuja concessão por 30 anos Santana Lopes deu a uma empresa – a Águas da Figueira, S.A. –, agravando a vida dos munícipes, directa e reflexamente, mas em que as rendas que a Câmara Municipal hoje recebe (cerca de 300 mil euros) não chegam para pagar os consumos de água do próprio Município que ascendem ao dobro (600 mil euros)…

 

Distorções destas e tantas mais que, com o decurso do tempo, decerto ocorrerão, obrigam a que os munícipes-consumidores se concertem e oponham o bem fundado dos seus argumentos e direitos contra o que, afinal, os não serve de todo e constitui um flagrante desvio da gestão dos bens de domínio público, como a água, que é, além do mais, DIREITO HUMANO que, como tal, deve ser perspectivado, em extensão e profundidade.

Que só é direito o que for útil ao povo, no quadro de princípios e valores em que as comunidades se fundam…

O mais são interesses destituídos de interesse!

 

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

 

 Águas: procedimentos à margem da Constituição e das leis

 Enorme alarido se gerou a propósito de procedimentos que a APIN – empresa intermunicipal do Pinhal Interior - adoptou tão logo iniciou a sua actividade, nos começos do ano.

A APIN agrupa 11 municípios, tendo-se-lhe cometido a gestão e a distribuição predial de águas às populações neles domiciliadas.

A cobrança de taxas de saneamento e de resíduos sólidos urbanos a quem não dispõe de tais serviços constitui, na realidade, algo que gera natural revolta em quantos são atingidos pela medida.

Para além da facturação de consumos mínimos e de alugueres de contador, ainda que com um outro qualquer pseudónimo.

Com efeito, a LSPE – Lei dos Serviços Públicos Essenciais - estabelece no seu artigo 8.º:

 

1.     Proibida a imposição e a cobrança de consumos mínimos.

 2.     Proibida ainda a cobrança de:

 §  Qualquer importância a título de preço, aluguer, amortização ou inspecção periódica de contadores ou outros instrumentos de medição dos serviços prestados;

 §  Qualquer outra taxa de efeito equivalente à adopção das medidas referenciadas no ponto anterior, independentemente da designação empregue;

 §  Qualquer taxa que não tenha uma correspondência directa com um encargo em que a entidade prestadora do serviço efectivamente incorra…

 §   Qualquer outra taxa não subsumível aos pontos anteriores que seja contrapartida de alteração das condições de prestação do serviço ou dos equipamentos utilizados para esse fim, excepto quando expressamente solicitada pelo consumidor.

 A lei, no entanto, é expressa em considerar que “não constituem consumos mínimos… as taxas e tarifas devidas pela construção, conservação e manutenção dos sistemas públicos de água, de saneamento e resíduos sólidos…”

 Ora, com a imaginação delirante que em dados momentos se apossa de certos actores, ante as proibições se entendeu, nos municípios, recriar outras figuras, em substituição das que o legislador neutralizara em 1996 (consumos mínimos) e 2008 (aluguer do contador).

 E vai daí apareceram taxas com distinta nomenclatura:

 

§  taxas de disponibilidade com múltiplas variantes

§  taxas de facturação

§  taxas de fiscalização

§  taxas de volumetria

§  taxas de potência contratada…

§  taxas de emissão das facturas

§  taxas ou quotas de disponibilidade: fixa e variável

§  taxas ou quotas de serviço: fixo e variável

§  taxas de potência

§  taxas de volumetria

§  termos fixos naturais

§  parte fixa, parte variável

§ 

 E assim, de modo ilícito, as entidades gestoras arrecadam consideráveis montantes de que não abrem mão, seja a que título for.

 Ora, como o regime é contratual e tais serviços se inserem no mercado de consumo, estas entidades estão naturalmente abrangidas pela Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984, pelo que tais actos configuram crimes de especulação passíveis de penas de prisão e multa (artigo 35).

 Mas a Constituição da República também consagra, no seu artigo 60, os princípios por que se rege a tutela da posição jurídica do consumidor.

 Ora, o princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor postula o corolário segundo o qual “o consumidor pagará só o que consome na exacta medida do que e em que consome”.

 Por tal princípio se afere o equilíbrio do orçamento doméstico do consumidor.

 Por conseguinte, quando os serviços ou as empresas entendem, por comodidade sua e menor consideração pelo consumidor, lançar na factura consumos estimados, isto é, consumos calculados em função sabe-se lá do quê (muitos dos operadores falam do histórico…), tais procedimentos são anómalos e ferem a Constituição da Republica.

 Ora, os consumos estimados são susceptíveis de gerar quer subfacturação (se o consumo real for superior), quer sobrefacturação (se o consumo real for inferior).

 Qualquer dos procedimentos afecta o equilíbrio dos orçamentos domésticos: na subfacturação, os encontros de contas poderão reservar surpresas para as economias de escassa dimensão, provocando desequilíbrios difíceis de suplantar; na sobrefacturação, há como que um empréstimo, não remunerado, mês após mês, à empresa, com a subtracção das diferenças da bolsa do consumidor e com reflexos no seu dia-a-dia.

 Ora, a estimativa de consumo viola flagrantemente o princípio e, nessa medida, a eventual regra que nisso consinta, plasmada em regulamentos emanados do Regulador ou nos diplomas do governo, é inconstitucional, devendo como tal ser declarada.

 Quase um quarto de século depois da promulgação da LSPE, os atropelos sucedem-se e os serviços de abastecimento de água ou as empresas de distribuição predial passam pelos princípios e pelas regras com “cão por vinha vindimada”!

 

Há que pôr côbro a isto. Terminantemente!

 

Mário Frota

 

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

 

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