Quem beneficia de tamanhas delongas?
E cerca de um ano depois… nem novas nem mandados!
A Comissão das Cláusulas Abusivas deveria ter sido regulamentada até 26 de Julho de 2021.
Para que a lei, devidamente aparelhada, entrasse em vigor a 25 de Agosto do ano passado.
Cerca de um ano (um ano) volvido, da Comissão… nem rasto! Hibernou de todo. E a lei não entra de todo em vigor…
Há que alertar o Parlamento para esta ofensa à legalidade cometida por um Governo que manda às urtigas a Lei de Defesa do Consumidor e as leis emanadas do órgão legiferante por excelência que é a Assembleia da República.
Um escândalo autêntico, que a ninguém parece importar.
Aos Governos só interessam os contribuintes no dia-a-dia: e os eleitores, em princípio, de quatro em quatro anos…
Que objectivos se assinaram à Comissão das Cláusulas Abusivas criada em Portugal pela Lei n.º 32/2021, de 27 de Maio, e cuja regulamentação tarda, tarda e tarda?
A lei refere, num dos seus dispositivos, de forma algo ambígua, é certo, que “a regulamentação … inclui a criação de um sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas, garantindo que as cláusulas consideradas proibidas por decisão judicial não são aplicadas por outras entidades.”
Mas daqui o que se tira, segundo o nosso entendimento, é que o objectivo é o de:
a. Dar forma à Comissão das Cláusulas Abusivas (com um amplo leque de atribuições na análise dos contratos pré-elaborados seja qual for o suporte adoptado em vista da sua exclusão);
b. Conferir ao caso julgado das decisões proferidas nas acções inibitórias sentido e alcance diverso do que ora se lhe reconhece – de “ultra partes” a “erga omnes” (ou seja, uma dada decisão em concreto proferida sobre uma determinada cláusula passaria a ter eficácia geral: aplicar-se-ia a todas e quaisquer cláusulas iguais constantes de formulários com condições gerais predispostas por outros contraentes e, de análogo modo, em relação a contratos singulares já celebrados e cujas cláusulas emerjam de tais condições gerais havidas por proibidas (incidentalmente nulas nos contratos singulares de que se trata).
O Governo, porém, talvez por não haver discernido convenientemente a situação, entendeu regulamentar a Comissão, a que chama das Cláusulas Contratuais Gerais, nestes termos [algo de um anteprojecto que, por portas travessas, nos chegou às mãos…]:
“O sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas visa prevenir a utilização de cláusulas contratuais consideradas proibidas por decisão judicial transitada em julgado ou decisão administrativa que constitua caso decidido por outros proponentes em contratos com uso de cláusulas contratuais gerais.”
A Comissão “visa prevenir a utilização das cláusulas proibidas por decisão judicial” (e outras administrativamente decididas pelos reguladores?) “por outros proponentes” que as usem em formulários oferecidos no mercado?
A Comissão pôr-se-á de “atalaia” a ver se as condições gerais proibidas são recomendadas por esse ou por outros predisponentes?
Com franqueza, não se nos afigura que essa seja a filosofia.
A Comissão terá esse papel sem se “mexer” na eficácia do caso julgado?
É algo que nos escapa…
Com franqueza, são equívocos a mais para tão curta ambição!
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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