sexta-feira, 15 de julho de 2022

O ‘SANTANDER’ FAZ O QUE LHE APROUVER E NINGUÉM ‘METE A COLHER’?


De um consumidor domiciliado na Área Metropolitana do Porto, a denúncia:

“Aluguei um cofre numa dependência do Banco Santander pelo qual pago uma importância anual.

Sou surpreendido por um email de há dias, em que me comunicam que terei de pagar € 5, 00 + IVA por cada uma das vezes que acedo ao cofre.

Mais surpreendente é o facto de só agora me ser debitada a comissão relativa "às visitas do dia 15/09/2021" (nem me dizem quantas vezes fui ao cofre, nem que importâncias me debitaram e, para cúmulo, este débito refere-se ao ano de 2021): debitaram-me, pois, abusiva e despudoradamente, tais comissões retroactivamente pois, como se pode ver, as tabelas que me enviaram só entraram em vigor a 18 de Maio de 2022 (mais de meio ano após as, alegadas, visitas).”

Urge enquadrar juridicamente a questão:

1.    No decurso do contrato – tratando-se de relações jurídicas que se protraiam no tempo – impõe-se a observância dos preceitos alusivos à informação em geral e, em particular, à protecção dos interesses económicos dos consumidores.

 

1.1.        “O … prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na da celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre… demais encargos…[LDC: n.º 1 do art.º 8.º]

  1.2.           “O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.” [LDC: n.º 1 do art.º 9.º]

 2.     No mais, no particular dos serviços financeiros, avulta um especial dever de informação que emana do n.º 1 do artigo 77 do Regime Geral das Instituições Financeiras e de Crédito [RGIFC] sob a epígrafe “dever de informação e de assistência”:

 “As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.”

 2.1.           A violação dos deveres previstos neste artigo constitui contra-ordenação punível nos termos da alínea h) do artigo 210.º do presente Regime Geral: “coima de 3.000 a 1 500 000 €, tratando-se de ente colectivo”, como é o caso.

 

3.     No mais, segundo a Lei das Condições Gerais dos Contratos [LCGC],

“1 - São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais que: …

c) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato, excepto se existir razão atendível que as partes tenham convencionado.”

2 - O disposto na alínea c) do número anterior não determina a proibição de cláusulas contratuais gerais que …:


b) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente o conteúdo de um contrato de duração indeterminada, contanto que se preveja o dever de informar a contraparte com pré-aviso razoável e se lhe dê a faculdade de resolver o contrato. [LCGC: art.º 22].

 4.    Tratando-se, porém, de uma alteração substancial de conteúdo, ao Santander cumpria notificar os consumidores das alterações, de forma tempestiva, a fim de cada um dos seus clientes ajuizar da conveniência de continuar ou não vinculado ao contrato celebrado, o que de todo não sucedeu.

 5.    Menos ainda se admite a retroactividade das cobranças, o que constitui, para além do mais e segundo o nosso juízo, conduta enquadrável no crime de especulação, previsto e punível pela Lei Penal do Consumo [LPC - DL 28/84: art.º 35] cuja moldura penal é de seis meses a três anos de prisão e multa não inferior a 500 dias.

 6.    É lícito se requeira, no caso,  a desconsideração da personalidade colectiva, a fim de fazer responder pessoalmente os gestores e mais responsáveis pela condução da actividade das entidades em causa.

 

CONCLUSÃO

a.      A cobrança de comissões-surpresa viola a LDC, o RGIFC, a LCGC e a LPC: viola a obrigação geral de informação.

 b.    Não é  lícito ao predisponente alterar unilateralmente as cláusulas do contrato singular em detrimento do consumidor.

 c.    Não é lícita a cobrança seja de que montantes for, a título de eventual  comissão, sem se conferir ao consumidor a faculdade de pôr termo ao contrato mediante a concessão de prazo razoável para o efeito.

 d.    A cobrança retroactiva de quaisquer montantes e do mais, sem observância dos mais elementares deveres de informação e de abertura à extinção do contrato de banda do consumidor, constitui crime de especulação, nos termos da LPC: art.º 35.

 Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer

 

Mário Frota

presidente emérito da apDCDIREITO DO CONSUMO - Portugal

Sem comentários:

Enviar um comentário

Jogos de azar: a aposta na regulação das promessas sem futuro e o paradoxo da transparência

  As reflexões aqui presentes visam desmistificar a pseudoidentidade e a consequente propriedade de igual prevenção e tratamento entre o f...