De um consumidor domiciliado na Área Metropolitana do Porto, a denúncia:
“Aluguei um cofre numa dependência do Banco Santander pelo qual pago uma importância anual.
Sou surpreendido por um email de há dias, em que me comunicam que terei de pagar € 5, 00 + IVA por cada uma das vezes que acedo ao cofre.
Mais surpreendente é o facto de só agora me ser debitada a comissão relativa "às visitas do dia 15/09/2021" (nem me dizem quantas vezes fui ao cofre, nem que importâncias me debitaram e, para cúmulo, este débito refere-se ao ano de 2021): debitaram-me, pois, abusiva e despudoradamente, tais comissões retroactivamente pois, como se pode ver, as tabelas que me enviaram só entraram em vigor a 18 de Maio de 2022 (mais de meio ano após as, alegadas, visitas).”
Urge enquadrar juridicamente a questão:
1. No decurso do contrato – tratando-se de relações jurídicas que se protraiam no tempo – impõe-se a observância dos preceitos alusivos à informação em geral e, em particular, à protecção dos interesses económicos dos consumidores.
1.1. “O … prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na da celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre… demais encargos…[LDC: n.º 1 do art.º 8.º]
1.2. “O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.” [LDC: n.º 1 do art.º 9.º]
2. No mais, no particular dos serviços financeiros, avulta um especial dever de informação que emana do n.º 1 do artigo 77 do Regime Geral das Instituições Financeiras e de Crédito [RGIFC] sob a epígrafe “dever de informação e de assistência”:
“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.”
2.1. A violação dos deveres previstos neste artigo constitui contra-ordenação punível nos termos da alínea h) do artigo 210.º do presente Regime Geral: “coima de 3.000 a 1 500 000 €, tratando-se de ente colectivo”, como é o caso.
3. No mais, segundo a Lei das Condições Gerais dos Contratos [LCGC],
“1 - São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais que: …
c) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato, excepto se existir razão atendível que as partes tenham convencionado.”
2 - O disposto na alínea c) do número anterior não determina a proibição de cláusulas contratuais gerais que …:
b) Atribuam a quem as predisponha o direito de
alterar unilateralmente o conteúdo de um contrato de duração indeterminada,
contanto que se preveja o dever de informar a contraparte com pré-aviso
razoável e se lhe dê a faculdade de resolver o contrato. [LCGC: art.º 22].
4. Tratando-se, porém, de uma alteração substancial de conteúdo, ao Santander cumpria notificar os consumidores das alterações, de forma tempestiva, a fim de cada um dos seus clientes ajuizar da conveniência de continuar ou não vinculado ao contrato celebrado, o que de todo não sucedeu.
5. Menos ainda se admite a retroactividade das cobranças, o que constitui, para além do mais e segundo o nosso juízo, conduta enquadrável no crime de especulação, previsto e punível pela Lei Penal do Consumo [LPC - DL 28/84: art.º 35] cuja moldura penal é de seis meses a três anos de prisão e multa não inferior a 500 dias.
6. É lícito se requeira, no caso, a desconsideração da personalidade colectiva, a fim de fazer responder pessoalmente os gestores e mais responsáveis pela condução da actividade das entidades em causa.
CONCLUSÃO
a. A cobrança de comissões-surpresa viola a LDC, o RGIFC, a LCGC e a LPC: viola a obrigação geral de informação.
b. Não é lícito ao predisponente alterar unilateralmente as cláusulas do contrato singular em detrimento do consumidor.
c. Não é lícita a cobrança seja de que montantes for, a título de eventual comissão, sem se conferir ao consumidor a faculdade de pôr termo ao contrato mediante a concessão de prazo razoável para o efeito.
d. A cobrança retroactiva de quaisquer montantes e do mais, sem observância dos mais elementares deveres de informação e de abertura à extinção do contrato de banda do consumidor, constitui crime de especulação, nos termos da LPC: art.º 35.
Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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