terça-feira, 2 de março de 2021

Temas de Direito do Consumo na União Europeia

 


Práticas Comerciais Desleais? Ou Publicidade Enganosa?

Erro sobre as qualidades da coisa?

(Portal do PROCON RS, Brasil, 02 de Março de 2021)

 A consumidora comprara um veículo híbrido (Honda Civic) que consumiria, ao que da publicidade constava, 3,8 litros/100 Km, a uma velocidade regular.

O facto é que o consumo se cifrava sempre da ordem dos 6 ou mais litros, a velocidade constante de 120 Km.

A consumidora pretende exigir responsabilidades ao concessionário ou à própria marca e não sabe por que meio fazê-lo. Nem sabe se estes embustes cabem na margem de exagero que a publicidade naturalmente comporta. Ou se, ainda assim, poderá anular o contrato.

Apreciando a vertente situação, cumpre emitir opinião.

A situação em análise é, na verdade, susceptível de configurar uma prática negocial desleal (enganosa), publicidade enganosa ou contrato celebrado com base em erro sobre as qualidades da coisa.

Mas, em rigor, enquadra-se no âmbito das hipóteses de não conformidade, de harmonia com o que prescreve a alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei das Garantias dos Bens de Consumo, vigente em Portugal e que corresponde à transposição de uma Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho:

Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:

…Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”

A ser assim, como parece, o consumidor teria 2 meses para denunciar a não conformidade, após detectar as diferenças de consumo (o consumo publicitado e o consumo real), de acordo com o que estabelece o n.º 2 do artigo 5.º - A da aludida lei:

Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel…”

E dentro dos 2 anos contados da entrega da coisa, já que esse é o prazo de garantia dos bens móveis, consoante o n.º 3 do enunciado artigo:

Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia…”

E, de entre os remédios de que o comprador podia lançar mão, o da extinção do contrato (a resolução do contrato, como diz a lei) figura como adequado à circunstância: podia, pois, pôr termo ao contrato, devolvendo o veículo e exigindo a restituição do montante pago ou o cancelamento do crédito concedido. Uma vez que a reparação do automóvel não parece satisfazer os interesses em presença. Tão pouco a sua substituição ou a redução adequada do preço. Que são os mais remédios previstos na lei. Independentemente da indemnização a que houver lugar pelos danos eventualmente causados ao comprador.

Mas o consumidor só pode agir contra o concessionário, que não contra o fabricante.

Com efeito, por se tratar de pôr termo ao contrato, tal não é susceptível, por lei, de ser oposto ao fabricante, à marca.

Poderia eventualmente “voltar-se” contra o fabricante, de harmonia com o n.º 1 do artigo 6.º da lei, mas nas hipóteses que neste particular se enunciam:

 

“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.”

 Só – e tão só - para exigir a reparação ou a substituição da coisa. O que não é patentemente o caso!

 O Direito do Consumo, na Europa, no particular das garantias, é bem mais robusto que no Brasil, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

 Já Flávio Citro Vieira de Mello, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e Marcus da Costa Ferreira, do Tribunal de Justiça de Goiás, o vêm afirmando sistematicamente, apelando ao legislador brasileiro que siga o frutuoso exemplo da Europa, leia-se, da União Europeia, que é mais pródigo e mais conforme com a realidade envolvente e a necessidade de se pôr côbro à obsolescência programada.

 

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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