quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Direito do Consumo 'versus' Direito do Consumidor


Ouvimos um dia destes investigadores do Nova Consumer Lab dissertar sobre as diferenças entre o direito do consumidor e o direito do consumo.

De forma algo simples, ao que se nos afigura.

E sem se aterem, com a profundidade que tende a reclamar-se, quer às razões históricas quer às de ordem metodológica de que arrancam os conceitos ou o "nomen" sob que se identifica a disciplina de que se cura.

Além disso, de forma algo pretensiosa e ligeira, procurou-se estabelecer uma divisória ao jeito de Tordesilhas entre a Escola de Coimbra e a de Lisboa (como se hodiernamente fronteiras do estilo se admitissem de forma redutora quando há escolas de direito um pouco por toda a parte e Escola nenhuma, afinal, que corporize um fio condutor de doutrinas que se compendiem uniformemente...).

E além disso, talvez o Direito do Consumo se cultive mais fora das Universidades que no seu seio, pese embora a Nova se tecer de uma estrutura nascente de louvar, sem paralelo, porém, no tocante às demais Universidades.

Não se olvide que a apDC dispõe, nas unidades que a conformam, de um Centro de Estudos de Direito do Consumo, que remonta à sua fundação em 1989.

Algo que parece ignorar-se, como se nas Universidades tudo se esgotasse.

Nem o direito do consumidor, no Brasil, se ocupa exclusivamente da tutela dos direitos constitucionalmente consagrados, nem na Europa (em Portugal) o direito do consumo se transcende ao abarcar, em paralelo, actividades próprias do mercado do consumo e, a um tempo, da tutela da posição jurídica do consumidor...

Daí que se recomende, com toda a modéstia, a leitura do texto que segue a quem possa interessar.

(Texto que veio a lume na 'Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo', ano III, n.º 9, Março de 2013)

Com a Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo que ora se dá à estampa principia o terceiro ano de edição.

Não tem sido isenta de escolhos a trajectória até então cumprida.

Editor e Conselho de Direcção, porém, em conjunção de esforços, vêm superando dificuldades antepostas e imprimindo à Revista um cunho que a projecta já como uma das publicações de referência no segmento de que se trata.

Não há, ao invés do que possa supor-se, uma diferença de grau ou de substância no que tange ao Direito do Consumo versus Direito do Consumidor.

Nem sempre se tem dos institutos a concepção que curial seria se retivesse se se adentrasse a história.

No Portal Direito do Consumo, que se insere no plano editorial da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, se contém um excerto que importaria trazer à colação, para uma melhor percepção das eventuais “diferenças”, de resto, inexistentes.

Recorramos, porém, a um texto publicado no NETCONSUMO, jornal virtual da apDC – sociedade científica portuguesa que se vota à promoção dos interesses e à protecção dos direitos do consumidor:

Os espíritos perturbam-se quando ouvem, distinta ou indistintamente, falar tanto de Direito do Consumidor como de Direito do Consumo.

E, com ou sem critério, uns propendem a aceitar, acriticamente, um "nomen" e, outros, outro, segundo as suas tendências ou sensibilidade, sem que lhes presida um qualquer critério histórico-científico, que, em rigor, se terá de ter em conta.

A “ciência” do direito é, quantas vezes, o domínio por excelência de “argumentos de pretensa autoridade” e de "ficções" de uma doutrina inconsequente, assente em meras opiniões a que falece um qualquer suporte ou fundamento técnico-científico.

Atente-se no texto infra que põe, aliás, o “dedo na ferida”:

“Ao contrário do que exprimem determinados autores, não há senão uma diferença que radica, aliás, no ponto de que se arranca e ao nível de conformação das regras:

. no direito do consumidor, um acervo de regras em torno do sujeito da relação – uma perspectiva subjectivista – que não altera o tónus da relação jurídica de consumo que se analisa nem o âmbito de intervenção que abarca;

. no direito do consumo, a rotação para o objecto, que não centrada no sujeito, com o espraiar das normas de protecção e a reproposição de equilíbrios no quadro da relação jurídica de consumo e no seio do mercado que lhe é próprio, que é o do consumo.

Já Mário Frota, in “Contrato de Trabalho I”, Coimbra Editora, 1978, a propósito da pretensa dicotomia “direito do trabalhador" 'versus' "direito do trabalho”, obtemperava com justeza:

“… Aliás, o fenómeno não se descortina singularmente em sede de direito do trabalho, alçado o contrato a figura nuclear deste novel ramo de direito.

Como asseverava impressivamente Pérez Leñero, “o ius civile" só nasce como direito quando perde o seu carácter pontifical e secreto de índole privilegiada, e pelo lendário Gneo Flávio se faz do domínio público o segredo das acções e dos dias 'fasti'.

Já ambas as partes litigantes estavam em igualdade de condições, e o direito passa de uma fase política à técnica (…).

O direito comercial, já em tempos mais recentes, passa também por esta fase subjectiva e personalista; nasce como direito dos comerciantes, protector dos seus interesses, para passar depois à fase objectiva do direito do comércio (…).

Em última instância, não é senão a delimitação da força e do direito, do poder material e do poder jurídico, problema básico da génese do direito em geral, que o do trabalho havia de recolher necessariamente.”

Mas o facto não tira nem põe. Nem significa que na Europa, onde majoritariamente, a denominação é de Direito do Consumo, se haja conseguido superar a perspectiva subjectivista de forma antecipada…

Não há metodologicamente, ao que se nos afigura, conquanto haja quem sufrague entendimento diverso com enfoque no âmago da relação jurídica de que se trata, diferenças nem de vias de tutela da posição jurídica do consumidor nem do campo de intervenção.”

Daí que se afigure de sufragar a denominação Direito do Consumo em vez de Direito do Consumidor, como se vulgarizou no Brasil.

Mas não é esta singular “diferença”, aparentemente formal, que não substancial, que retira a autonomia científica ao Direito do Consumo e um lugar de destaque na galeria dos “ramos” de direito, já que, como asseverava Jean Baudrillard, o direito do consumo é o “direito do quotidiano”, dada a frequência com que é chamado a intervir nas relações jurídicas que se entretecem dia-a-dia e que conformam o seu conteúdo.

Mas este aspecto é de somenos.

O mais relevante neste particular é que se observa uma aproximação entre os ordenamentos jurídicos do Brasil e de Portugal, a que as páginas da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo conferem expressão, pelos estudos que vêm contemplando distintas realidades como as que emergem dos respectivos ordenamentos pátrios.

E a recente iniciativa de se estruturar algo que congregue os jusconsumeristas brasileiros e portugueses – o Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo - representa, afinal, o supremo esforço para se edificar uma instituição alicerçada nos melhores propósitos que conduzam a uma harmonização – pelos mais elevados níveis de protecção – do direito do consumo nos dois dos mais relevantes esteios da Comunidade de Povos de Língua Portuguesa.

Importa, na sequência, integrar no mais breve lapso de tempo Angola e estender gradualmente o Instituto e a publicação que lhe serve de suporte – a Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo – aos demais países que têm como língua veicular a de Camões.

Mário Frota
presidente do Conselho Editorial

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