CONSULTÓRIO
DO
CONSUMIDOR
(09 de Agosto de 2024)
O ‘MODUS’ PERVERSO DO ‘UNIVERSO’:
JUROS NO REVERSO OCULTOS NO ANVERSO?
“Por influência da Worten,
à qual comprámos, em Leiria, dois computadores pessoais, ligámo-nos ao Universo
(banco?), já que nos convenceram das vantagens de pagar, “sem juros” e a
prestações suaves, a aquisição.
Tudo “certo” até aqui.
Depois é que foi o “cabo
dos trabalhos”: o Universo começou a facturar “à fartazana” determinados
valores, no documento apresentado a pagamento, sistematicamente, com a
estranha indicação de “fim do mês”…
Ao darmo-nos conta deste
desvio, reclamámos, reclamámos. Como reacção: “se não pagar, notificamos o
Banco de Portugal para a inclusão na Lista dos Maus Pagadores”, vulgo, Lista
dos “Caloteiros”. Com todas as consequências, nomeadamente, o ficar-se, bem
entendido, com o “nome SUJO” na praça!
O Universo nem emenda a
mão nem nos responde: como proceder?”
Ante os factos relatados, a solução que se nos afigura
a correcta:
1.
Quem cobra o que não deve comete o crime
de especulação: Lei Penal do Consumo – LPC de 20 de Janeiro de 1984.
2. Com
efeito, no seu artigo 35, a LPC dispõe como segue:
“1
- Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias
quem:
a)
Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos
regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
b) Alterar, sob qualquer pretexto ou
por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do
regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou,
independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal
em vigor;
c)
Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas,
rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou
prestadora do serviço;
d)
Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos
sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou
recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.
…”
3. Para
além de uma tal conduta tipificar uma infracção criminal, há também na
circunstância uma prática desleal, que importa revelar. A Lei das Práticas
Comerciais Desleais – LPCD, na alínea c) do seu art.º 12 estatui:
“São
consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas
comerciais:
…
Fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, fax, e-mail ou
qualquer outro meio de comunicação à distância, excepto em circunstâncias e na
medida em que tal se justifique para o cumprimento de obrigação contratual…”
4. O
ilícito de mera ordenação social, no passo precedente recortado, é passível de
coima, ao qualificá-lo a lei como contra-ordenação económica grave: LPCD - n.º
1 do art.º 21.
5. A
dar de barato que se trata de uma média empresa (com não mais de 249
trabalhadores), a coima, de harmonia com o Regime Jurídico das Contra-Ordenações
Económicas de 29 de Janeiro de 2021, oscilará entre 8 000,00 a 16 000,00 € (DL
9/2021: subal. IV da al. b) do art.º 18).
6. Importa
reforçar a reclamação na Livro respectivo (papel ou suporte electrónico),
remetendo, se for o caso, o duplicado ao Banco de Portugal, em reforço da
diligência, para actuação subsequente.
EM
CONCLUSÃO
a. A
cobrança de valor superior ao pactuado constitui crime de especulação, previsto
e punido pela LPC e cominado com prisão de seis meses a três anos e multa não
inferior a 100 dias (DL 28/84: al. b) do n.º 1 do art.º 35).
b. A
insistência para pagamento de montante não devido constitui, em rigor, prática
comercial agressiva passível de coima em conformidade com o que estatui a LPCD
(DL 57/2008: al. c) do art.º 12; n.º 1 do art.º 21).
c. A
coima oscila entre os 8 000 e os
16 000 €, tratando de média empresa
(até 249 trabalhadores) (DL 09/21: subal. IV da al. b) do art.º 18).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal