DIÁRIO
‘AS BEIRAS’
COIMBRA
Edição
de 07 de Junho de 24
PROIBIÇÃO
SEM SANÇÃO…
LEI
VIOLADA, CONDUTA LEGALIZADA?
“Se bem ouvi, alguém terá
afirmado, em audiência parlamentar, que pelo simples facto de não haver na lei
sanções para a recusa de notas e moedas
com curso legal em pagamento de bens de consumo, quem assim proceda não comete
qualquer ilegalidade, antes se tem por
legal uma tal conduta.
Não há aqui uma
contradição nos termos?”
Cumpre opinar:
1. “A
partir de 1 de Janeiro de 2002, o BCE e os bancos centrais dos Estados-membros
participantes porão em circulação notas expressas em euros: essas notas… serão
as únicas notas com curso legal em todos esses Estados-membros” (Regulamento n.º
974/98: art.º 10.º)
2. “Quando
exista uma obrigação de pagamento, o curso legal das notas e moedas em euros
deve implicar:
a)
Aceitação obrigatória: O credor de uma
obrigação de pagamento não pode recusar notas e moedas em euros a menos que as
partes tenham acordado entre si outros meios de pagamento (Recomendação
2010/191/UE, de 22 de Março, da Comissão Europeia: n.º 2).
3. A
aceitação de notas e moedas em euros como meio de pagamento deve ser a regra
nas transacções no comércio retalhista: só deve ser possível uma recusa quando
fundamentada em razões ligadas ao «princípio da boa-fé» (Idem: n.º 3).
4. Há,
porém, no plano interno, restrições legais ao pagamento em numerário
“
… transacções de montante igual ou superior a 3.000 €; o limite ascende a 10 000 € no caso de
estrangeiros, que não sejam nem empresários nem comerciantes.” Lei n.º 92/2017:
art.º 2.º)
4.1.
“Tais restrições não se aplicam às entidades
financeiras que recebem depósitos, prestem serviços de pagamento, emitam moeda
electrónica ou realizem operações de câmbio manual: e não se aplicam ainda aos
pagamentos correntes." (Lei n.º 92/2017: art.º 2.º)
5. Eis
as directrizes emanadas do Banco Central Europeu:
5.1.
Os comerciantes não podem recusar
pagamentos em numerário, a menos que as partes [os próprios e os consumidores]
tenham acordado entre si a adopção de outros meios de pagamento.
5.2.
A afixação de etiquetas ou cartazes a
indicar que o comerciante recusa pagamentos em numerário, ou pagamentos em
certas denominações de notas, não é por si só suficiente nem vinculante para os
consumidores.
5.3.
Para que colha, terá o comerciante de
invocar fundadamente uma razão legítima para o efeito às entidades que
superintendam nos sistemas de pagamento.
5.4.
Entidades públicas que prestem serviços
essenciais aos cidadãos não poderão aplicar restrições ou recusar em absoluto
pagamentos em numerário sem razão válida, devidamente fundada e sancionada por
quem de direito…
6. A
violação destas regras não tem, porém, entre nós uma qualquer sanção directa:
trata-se de normas imperfeitas, não assistidas de coercibilidade. O que não
quer significar que por tal facto a ilegalidade se converta em legalidade.
7.
«De uma tal recusa decorrem, porém, consequências
no quadro da relação contratual entre
partes; nos termos do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando
realiza a prestação a que está adstrito, podendo inclusive o credor incorrer em
mora, quando, sem motivo justificado, recusar a prestação oferecida»…
8. Para
que o sistema se aperfeiçoe, curial será que à recusa na aceitação de notas e
moedas, como meio de pagamento, corresponda uma sanção, proporcional, adequada
e dissuasiva.
9. A
omissão legislativa terá de ser suprida pelo legislador, já que dura entre nós
desde que o euro entrou em circulação como moeda com curso legal em 2002.
EM
CONCLUSÃO
a.
A circunstância de um qualquer
estabelecimento mercantil se recusar a receber notas e moedas com curso legal
em pagamento de um qualquer bem constitui ilegalidade não assistida de sanção.
b.
Exceptuam-se obviamente as hipóteses previstas
na lei: o limite admissível dos montantes, o acordo entre partes, as recusas
legitimamente fundadas.
c.
O facto de não haver uma sanção prevista
no caso não convalida uma ilegalidade em acto legal.
d.
Para que o sistema se aperfeiçoe (para que
a lei se torne perfeita) curial será que à recusa na aceitação de notas e
moedas, como meio de pagamento, corresponda uma sanção, proporcional, adequada
e dissuasiva.
Este é, salvo melhor juízo, o nosso
parecer.
Mário
Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO,
Portugal