(29 de Março de 2024)
FORA OU DENTRO DO
ESTABELECIMENTO?
COM OU SEM
HIPÓTESE DE DESISTIMENTO?
“Recebi em casa uma
comunicação da firma onde habitualmente compro os electrodomésticos: oferta de uma
arca congeladora, último modelo, com um preço promocional.
Dirigi-me ao
estabelecimento e acabei por comprar.
Cheguei, no entanto, à
conclusão, 5 dias depois, que nada acrescentaria, de resto, aos equipamentos
que já tinha e quis desistir da compra.
Telefonei para a empresa:
lamentaram, dizendo que como a compra fora ao balcão, nada poderiam fazer
porque em tais casos não há lugar aos 14 dias para desistência: só se a compra fosse
fora de estabelecimento.”
Apreciada a factualidade,
cumpre dizer:
1. Os
contratos de compra e venda ao balcão, salvo se a contento ou sujeitos a prova,
de par com circunstâncias outras, são
firmes, têm de ser rigorosamente cumpridos.
2. Há
contratos à distância (por correio, por meios electrónicos, telefone ou telecópia) como fora de
estabelecimento, em que os consumidores dispõem de um período de reflexão (de 14
ou 30 dias, segundo os casos) no decurso do qual podem dar o dito por não dito.
3. No
regime dos contratos fora de
estabelecimento cabem os celebrados em
3.1.
Local indicado pelo fornecedor …, a que o
consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação
comercial (v.g., em instalações de
bombeiros para venda de produtos de saúde, precedidos, por vezes, de falsos
rastreios, etc.);
3.2.
Domicílio do consumidor;
3.3.
Local de trabalho do consumidor;
3.4.
Em reuniões em que a oferta é promovida
por demonstração perante pessoas reunidas num dado domicílio, a instâncias do
fornecedor (‘reuniões Bimby’);
3.5.
Ou durante uma deslocação organizada pelo
fornecedor fora de estabelecimento (“Conheça a Galiza grátis”).
4. Mas
aí também cabem os contratos celebrados
no estabelecimento comercial ou por
quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter
sido, pessoal e expressamente, contactado em local que não seja o do próprio estabelecimento
(DL 24/2014: subal. i) da al. i) do art.º 3.º).
5. O
artigo 9.º do DL 24/2014 reza o seguinte:
“1
- O contrato celebrado fora do estabelecimento comercial é reduzido a escrito e deve, sob pena de nulidade, conter, de
forma clara e compreensível e na língua portuguesa, as informações determinadas
pelo artigo 4.º [todo o clausulado de a a z].
2
- O fornecedor… deve entregar ao consumidor uma cópia do contrato assinado ou …
noutro suporte duradouro…”
6. Como
se preteriu a forma legal prescrita
(em papel ou noutro suporte duradouro, a bel talante do consumidor), o contrato é nulo.
7. A
nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e pode ser
declarada oficiosamente pelo tribunal: não está, por conseguinte, limitada aos
14 ou 30 dias, consoante os casos, para o exercício do direito de retractação (o
de dar o dito por não dito) (Código Civil: art.º 286; DL 24/2014: n.º 1 do
art.º 10.º)
8. O
contrato, ainda que celebrado no estabelecimento, não é equiparável aos…
celebrados normalmente nos estabelecimentos a que os consumidores se desloquem
espontaneamente em razão dos seus interesses e querer momentâneos e em que,
salvo se ocorrer vício, avaria, etc., não pode
haver marcha-atrás!
EM CONCLUSÃO:
a. O
contrato celebrado nas instalações próprias do estabelecimento comercial após
contacto pessoal e expresso promovido pela empresa subsume-se no regime dos
contratos fora de estabelecimento (DL 24/2014: subal. i) da alínea i) do art.º
3.º).
b. Como
tal, ao contrário dos contratos habituais celebrados em estabelecimento, meramente
consensuais, sem observância de forma legal escrita, o contrato de que se trata
obedece rigorosamente a forma: tem de ser passado ao papel (ou outro suporte
duradouro) (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).
c. Se
tal se não tiver observado, o contrato é nulo: nulidade invocável a todo o
tempo por qualquer interessado e declarada oficiosamente pelo tribunal (Código
Civil: art.º 286).
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente
da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal