(deveria ter vindo hoje
a lume n’’As Beiras’, mas naturalmente por escassez de espaço não foi
publicado)
Já enoja… desamparem-me
a loja!
De
um consulente de Vila Franca de Xira:
“Há dias tive aqui uns
“tipos” da Iberdrola que até que lhes fechasse a porta na cara, não me
desampararam a loja. Queriam vender electricidade mais barata e diziam que ia
poupar com eles… mas a conversa é toda a mesma. “Chagaram-me” o tempo todo e
vi-me em “palpos de aranha” para me desembaraçar deles.
Não deveria haver regras
para as vendas porta-a-porta?”
E
em venda porta-a-porta
Ordem
de “parta e não volte”
Não
pode ser letra morta
Nem
que o intruso se escolte!
Ante os factos, cumpre
responder:
1. Há,
com efeito, regras muito estritas, de há muito, para as vendas porta-a-porta,
ao domicílio ou, como ora se diz, ‘fora de estabelecimento’: é o DL 24/2014, de
14 de Fevereiro, que disciplina actualmente um tal domínio.
2. E
as ‘vendas fora de estabelecimento’ abarcam uma vasta gama em que cabem os contratos:
• (curiosamente…) no estabelecimento
comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à
distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente,
contactado em local que não seja o do estabelecimento (‘contactos de rua’);
• no domicílio do consumidor (‘porta-a-porta’);
• no local de trabalho do consumidor (‘vendas
no trabalho’);
• em reuniões em que a oferta seja
promovida por demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de
uma delas, a pedido do fornecedor (ou seu representante) (reuniões
“tupper-ware”);
• durante uma deslocação organizada pelo
fornecedor (ou seu representante) fora do respectivo estabelecimento comercial
(contratos “tipo” “conheça … a Galiza grátis”);
• no local indicado pelo fornecedor, a
que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma
comunicação comercial feita pelo fornecedor (ou seu representante) (convite a
contratar).
3. E
as regras são tão extensas e precisas que vão desde os preliminares negociais
(a informação pré-contratual), à formação do contrato, ao direito de
retractação (o de ‘dar o dito por não dito’) em razão do período de reflexão ou
ponderação oferecido ao consumidor para ajuizar do bem fundado da compra e
venda, e às excepções a um tal direito, e bem assim as consequências quer para
o fornecedor como para o consumidor em caso de retractação, como ainda à
execução do contrato.
4. Mas
os aspectos inerentes ao ‘assédio’ com que os vendedores, em regra, abordam os
consumidores, relevam de um outro diploma legal: o DL 57/2008, de 26 de Março
(a denominada Lei das Práticas Comerciais Desleais).
5. Com
efeito, a Lei das Práticas Desleais, no seu artigo 12, entre outras práticas
expressamente vedadas, dispõe taxativamente:
“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas
comerciais:
a) Criar a
impressão de que o consumidor não pode deixar o estabelecimento sem que antes
[celebre] um contrato;
b) Contactar
o consumidor através de visitas ao seu domicílio, ignorando o pedido daquele
para que o profissional parta ou não volte …;
c) Fazer
solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, fax, e-mail ou
qualquer outro meio de comunicação à distância…;
d) …”
6. A
violação do que no artigo supracitado se contém constitui contra-ordenação
económica grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contra-ordenações
Económicas: tratando-se de uma empresa com a magnitude da Iberdrola (mais de 250 trabalhadores) o leque de sanções gradua-se
entre € 12 000 e 24 000 € (DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 9/2021: v, al. b) do art.º 18).
EM
CONCLUSÃO
1.
O regime da venda, outrora denominada
porta-a-porta, hoje havido como “fora de
estabelecimento”, insere-se no DL 24/2014: art.ºs
4.º,
9.º a 17 e 20.
2.
Perante o assédio em ‘venda porta-a-porta’,
é lícito ao consumidor ordenar que o vendedor se retire, não se admitindo
eventual insistência ou resistência, já que, a verificar-se, tal constitui
ilícito de mera ordenação social grave (DL 57/2008: al. b) do art.º 12; n.º 1 do art.º 21)
3.
A coima para um tal ilícito, tratando-se
de uma grande empresa, oscilará entre os € 12 000 a 24 000 €, para
além de sanções acessórias (DL n.º 9/2021: v, al. b) do art.º 18).
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo -
Portugal