A garantia da casa
Continua em bolandas
Andam pela bitola rasa
Estas coisas execrandas…
“O Secretário de Estado do Comércio e
Serviços anunciou, em audição no Parlamento, no dia 14 de Setembro que, afinal,
a garantia dos imóveis passa de 5 anos, como se achava no projecto de diploma,
para 10 anos, mas só quanto a defeitos
construtivos estruturais. Ora, isso não parece ser o mesmo que 10 anos,
pura e simplesmente. Porque parece limitar, efectivamente, os termos da
garantia.
Não se sabe o que o diploma aprovado
pelo Governo no dia 2 de Setembro em curso mais possa trazer a este respeito.
Mas esta notícia, apesar de aparentemente boa, não protegerá, segundo nos
parece, convenientemente os consumidores. Qual a vossa opinião?”
Cumpre responder:
1. Com efeito, do projecto de Decreto-Lei n.º
1049/XXII/21, do 1.º de Julho do ano em curso, e do n.º 1 do seu artigo 23,
constava simplesmente: “o profissional responde perante o consumidor por
qualquer falta de conformidade que exista quando o bem lhe é entregue e se
manifeste no prazo de cinco anos.”
2. Nós, até de forma caricatural, perante a nova
configuração do regime das coisas móveis duradouras, fizemos equiparar a
garantia de um “corta-unhas” rombo (com 4 intervenções) à dos imóveis porque,
em ambas as hipóteses, a garantia seria de 5 anos.
3. E lembrámos ao “legislador” que até o Estado
havia fugido da garantia quinquenal para, com uma outra construção, no Código
dos Contratos Públicos, se haver dado a si mesmo uma garantia distinta, nestes
termos:
“O prazo de garantia varia de acordo
com o defeito da obra, nos seguintes termos:
a) 10 anos, no caso de defeitos relativos a
elementos construtivos estruturais;
b) 5 anos, no caso de defeitos relativos
a elementos construtivos não estruturais ou a instalações técnicas;
c) 2 anos, no caso de defeitos
relativos a equipamentos afectos à obra, mas dela autonomizáveis.”
4. Mas dissemos mais: “Por nós, com excepção do
que se encerra na mencionada alínea c), os
10 anos têm de cobrir tudo (vícios estruturais e não estruturais)…”
5. E propusemos simplesmente esta redacção:
“1
- O promotor assegura ao consumidor a conformidade da coisa com o contrato pelo
prazo de dez anos.
2 - Havendo substituição da coisa, o
imóvel goza de um prazo de garantia de dez
anos a contar da data da entrega.
3 - O prazo referido no n.º 1
suspende-se a partir da data da comunicação da desconformidade ao promotor e
durante o período em que o consumidor dela estiver privado.
4 - As desconformidades que se
manifestem num prazo de dez anos a
contar da data de entrega da coisa imóvel, presumem-se existentes já nessa
data, salvo quando tal for incompatível com a natureza ou com as
características da desconformidade da coisa em si.”
6. Soube-se agora pela voz do Secretário de
Estado que a redacção por que optaram é a do Código dos Contratos Públicos, já
que restritiva: se ao oitavo ano os madeiramentos levantarem todos, o facto
estará ou não coberto pela garantia? Se a humidade surgir só ao 6.º ano, o
defeito é construtivo estrutural ou não?
7. Temos para nós que é de um enorme disparate
que se trata. Que revela uma estranha ausência de sensibilidade perante o bem
maior da generalidade das famílias que acedeu ou acede à habitação própria
mediante recurso ao crédito hipotecário ou pelas poupanças de uma vida.
8. Claro que se o diploma vier a ser promulgado, o
Parlamento terá, querendo, a faca e o queijo na mão, aprovando eventual
alteração nesse sentido, eliminando, pois, as restrições que o dispositivo
comporta.
EM CONCLUSÃO
a. A alteração dos 5 para os 10 anos da garantia
dos imóveis com as restrições aos defeitos
construtivos estruturais é um manifesto desfavor aos consumidores.
b. A alteração deveria abarcar todos os defeitos, estruturais e não estruturais, com
excepção obviamente dos decorrentes das coisas móveis autonomizáveis.
c. Se o Presidente promulgar o diploma, o
Parlamento, interpretando as necessidades reais dos consumidores, tomará a
iniciativa legislativa de emendar a mão ao Governo, alterando o ponto.
Eis o que modestamente se nos afigura.
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
Edição de 17de Setembro de 21
D’ “AS BEIRAS”