(Um escrito oportuno ante o que vem ocorrendo)
Há
quem entenda que não operam as restrições no que tange às bebidas alcoólicas e
sua publicidade por se não tratar, em rigor, de “bebidas alcoólicas”, já que o
álcool delas se acha de todo apartado, ausente por inteiro.
E o facto é que não será bem assim.
Aliás, o Júri de Ética da Auto-Regulação Comercial, em
relação à Super Bock rival, fez verter criteriosa decisão que vai ao âmago da
questão, que penetra fundo no tema, ao proceder à apreciação de factualidade
que de certa feita se lhe suscitara.
O ICAP – Instituto de Auto-Regulação da Comunicação
Comercial – decidiu categoricamente - e com o nosso inteiro aplauso -, em 2005,
em caso análogo, nestes termos:
RESUMO DA DELIBERAÇÃO
“Defendeu o Júri de Ética na sua deliberação 12/2005:
« (…) é precisamente no domínio das marcas comuns (ou
parcialmente comuns), que a encontra um especial campo de actuação para a
denominada publicidade indirecta, sendo os objectos com restrições legais à
publicidade (v.g., tabaco, medicamentos e bebidas alcoólicas) aqueles que
exercem a maior força atractiva neste tipo de publicidade.
Pelo que, a integração a 100% na marca da cerveja sem
álcool a lançar da marca da cerveja com álcool comercializada pelo mesmo
anunciante, alerta o Júri, precisamente, para a possibilidade de estarmos
perante publicidade indirecta.
Para aferir da existência de publicidade indirecta (ou
publicidade álibi/pretexto, como alguns mencionarão) deve atender-se à mensagem
veiculada, apreciada no seu todo podendo, especialmente, considerar-se outros
critérios, como sejam: a eventual existência duma simultaneidade de campanhas
publicitárias de dois produtos com relação entre si, sendo um deles objecto de
restrições, quando a publicidade a um deles remete e recorda inequivocamente o
outro; o nível de presença que, na publicidade, tem o novo produto
comparativamente com o produto a que apela ou recorda, e cuja venda
indirectamente promove.»
O JE reitera o inalienável direito das empresas a
“estenderam” as suas marcas e produzir novos bens e serviços com as marcas que
já comercializam – criar marcas “Umbrella” mas, então como agora, a questão
essencial permanece, não nesse direito mas, outrossim, nos seus limites.
Os anunciantes ao optarem, legitimamente, por difundir
como marcas, também de cerveja, mas não alcoólicas, marcas que integram no
nome, e recordam ou fazem associar, nas cores (ainda que por contraste,
enquanto imagem de “negativo”) as marcas notoriamente reconhecidas como
alcoólicas exercem, é certo, um direito seu que é o de explorar para as novas
marcas – cerveja sem álcool – a especial força de vendas da SUPER BOCK mas, tal
benefício, pode importar restrições.
A cerveja sem álcool, SUPER BOCK, explora e beneficia da
reputação da cerveja com álcool, produto que persiste presente nas mensagens
pelo que, entende o Júri, é indirectamente publicitada na divulgação da cerveja
sem álcool, a SUPER BOCK, cerveja com álcool.
O JE conhece a realidade das marcas Umbrella, marcas
transversais a vários produtos reconhecidas pelos consumidores enquanto tal,
autónomas, mas configura difícil que tal situação exista quando a marca apenas
integre, como é o caso, um único produto: a cerveja, embora com e sem álcool,
com variantes de sub-produtos e sabores.
E nem se diga que os ambientes de base utilizados na
publicidade da cerveja com álcool e sem álcool são muito diferentes pois, na
realidade, os ambientes de celebração desportiva não são tão distintos dos ambientes
festivos como a denunciada pretende fazer parecer.
Entende, assim, o JEP que, embora o objecto directo da
mensagem publicitária seja a SUPER BOCK, cerveja sem álcool, considerando a
marca escolhida pela denunciante (SUPER BOCK), o conteúdo da mensagem
publicitária, existe uma íntima ligação entre aquele objecto directo da
mensagem e uma outra marca do anunciante e objecto publicitário que,
indirectamente, beneficia da publicidade: a SUPER BOCK, cerveja com álcool.
Como referia esta mesma Secção do JE no Processo 12/2005:
«Na verdade, a cerveja SUPER BOCK (…) (sem álcool), sendo embora o objecto
directo da mensagem publicitário funciona, por causa da grande identidade das
marcas, como um produto pretexto para a promoção indirecta (ou mesmo prioritária
dada a diferença de quotas de mercado) da cerveja SUPER BOCK (com álcool).»
chegando, no caso "sub judice" à mesmíssima conclusão de que, no seu
entendimento, o anunciante, ao usar aquela marca – SUPER BOCK – na cerveja sem
álcool, promove indirectamente a cerveja com álcool, que comercializa com a
mesma marca (e recentes variantes, também com álcool) e que, aliás, tornou a
marca SUPER BOCK conhecida e dominante no mercado nacional.
Refira-se, ainda, que apreciação do Júri em sede de
publicidade indirecta supra referida não contende com o registo de marca
nacional registada sob o n.º 444186 (cf. art.º 1.º da Contestação), com a
designação “SUPER BOCK SEM ALCOOL”, enquanto figura com autonomia própria, que
pode ser objecto de publicidade enquanto tal, possuindo a referida marca todos
os direitos legais decorrentes do seu registo em sede de propriedade
industrial.
O JE rejeita, contudo, que da mera existência desse
registo se possa extrair uma conclusão de autonomia para efeitos de apreciação
em sede de publicidade e em especial de publicidade indirecta a outro produto
que partilhe parcialmente a mesma designação.
Em síntese, o Júri avalia estar perante um caso de
publicidade indirecta à cerveja com álcool da mesma marca SUPER BOCK e como tal
é plenamente aplicável a proibição constante do n.º 2 do art.º 17 do Código da
Publicidade sendo, para esse efeito e no contexto da publicidade indirecta,
indiferente que o consumidor médio percepcione que o produto directamente
anunciado seja o produto sem álcool: sempre associará o produto àquele que é
indirectamente anunciado e que tem as restrições horárias já referidas.”
Daí que se corrobore inteiramente este juízo, que tende a
fazer escola e convém recordar aos mais distraídos ou aos conceitualistas que
tomam muito a coisa ao pé da letra…
Fique o registo!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra