BEBIDAS alcoólicas & COMUNICAÇÃO
comercial
bebidas ALCOÓLICAS & comunicação
COMERCIAL
BEBIDAS alcoólicas & COMUNICAÇÃO
comercial
(é de ver tudo a dobrar!)
Sabia que
morrem anualmente, em Portugal, 300 000 jovens entre os 15 e os 29 anos por
causas directamente imputáveis a bebidas alcoólicas?
A explosão
do álcool no seio das camadas mais jovens parece constituir premente
preocupação das autoridades.
Eis um
escrito que déramos à estampa em 2004 e mantém plena actualidade.
Já que não
tem havido suficiente empenhamento dos poderes públicos em combater este
fenómeno corrosivo que é o da expansão do álcool no seio das camadas mais
jovens da população; já que a educação para o consumo (em que aspectos destes
se debatem em extensão e profundidade) é mera utopia de consecução, ao que
parece, inacessível; já que se tem que estas coisas são co-naturais ao homem, à
mulher, às crianças (?) e, por conseguinte, estão incrustadas na massa do
sangue e nada haverá que fazer…
Eis o
artigo, de cabo a rabo:
“A prevenção
no país das “sopas de cavalo cansado” representaria significativo passo de
molde a subtrair os jovens da atracção que o álcool deveras representa e das
suas nefastas consequências.
E, no
entanto, os meios de maior impacte e difusão nem sempre cumprem o que
naturalmente lhes compete.
Se
observarmos o que ocorre sobretudo na pantalha ao longo de programas do mais
diverso jaez, exibidos tanto pelas manhãs como durante as tardes, verificaremos
que não só se exalta o álcool (apresentadores menos bem preparados fazem-no com
um inqualificável desplante… e uma recusável “lascívia”) como se apresenta – de
aguardentes aos vinhos de mesa e a bebidas licorosas – de tudo um pouco, e se
brinda com inaudita desfaçatez… sabe-se lá em intenção de quem ou de quê!
Talvez o seja proverbialmente em honra do deus Baco, seja qual for o
significado que a tal se pretenda atribuir.
A ausência
de uma criteriosa consciência e da percepção dos efeitos nefastos dos modelos
que se apresentam a distintas camadas da população como impressivos – e dignos
de ser seguidos – surgem na contra-mão dos esforços que determinadas entidades
empreendem para frear os ímpetos dos mais novos que sentem naturalmente uma
atracção pelas bebidas alcoólicas como modo de afirmação de uma personalidade,
truncada, afinal, pelo que na sua essência o álcool representa e pelos
malefícios que irreparavelmente acarreta.
Como se se
adoptasse uma “pedagogia” às avessas: não se educa para a abstenção ou para um
consumo moderado e enquadrado em uma dieta equilibrada, antes se ensaiam
autênticas libações, fortes de conteúdo e de consequências, como se essa fosse
a via para a superação das distintas fases da vida…
Para além do
que noutros textos se plasma, convém atentar no que prescreve o Código da
Publicidade no seu artigo 17, a saber,
“1 – A
publicidade a bebidas alcoólicas, independentemente do suporte utilizado para a
sua difusão, só é consentida quando:
a) Não se
dirija especificamente a menores e, em particular, não os apresente a consumir
tais bebidas;
b) Não
encoraje consumos excessivos;
c) Não
menospreze os não consumidores;
d) Não
sugira sucesso, êxito social ou especiais aptidões por efeito do consumo;
e) Não
sugira a existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de
efeitos estimulantes ou sedativos;
f) Não
associe o consumo dessas bebidas ao exercício físico ou à condução de veículos;
g) Não
sublinhe o teor de álcool das bebidas como qualidade positiva.
2 – É
proibida a publicidade a bebidas alcoólicas, na televisão e na rádio, entre as
7 horas e as 22 horas e 30 minutos.
3 – Para
efeitos do disposto no número anterior é considerada a hora oficial do local de
origem da emissão.
4 – Sem
prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º, é proibido associar a
publicidade de bebidas alcoólicas aos símbolos nacionais, consagrados no artigo
11.º da Constituição da República Portuguesa.
5 – As
comunicações comerciais e a publicidade de quaisquer eventos em que participem
menores, designadamente actividades desportivas, culturais, recreativas ou
outras, não devem exibir ou fazer qualquer menção, implícita ou explícita, a
marca ou marcas de bebidas alcoólicas.
6 – Nos
locais onde decorram os eventos referidos no número anterior não podem ser
exibidas ou de alguma forma publicitadas marcas de bebidas alcoólicas.”
E, no
entanto, o que quotidianamente se nos depara situa-se nos antípodas do que
imperativamente se restringe num dispositivo do teor do que precede.
O consumo
excessivo, pela negativa e por estranho que pareça, é naturalmente encorajado.
O sucesso ou
o êxito social que o consumo sugere está indissoluvelmente ligado a
determinados estratos e pressupõe um trem de vida naturalmente elevado. O que
conduz, aliás, à reprodução de modelos sociais vazados no consumo de
determinadas “estirpes”…
As bebidas
de distintas naturezas estão intimamente associadas ao desporto, mormente ao
futebol, constituem objecto de publicidade directa ou indirecta, tanto faz…
Mas, como é o caso da cerveja, indissoluvelmente ligada às festividades
escolares, já que patrocinadas pelas grandes marcas, seja no ensino secundário,
como no universitário (e as “queimas das fitas” são disso flagrante exemplo…).
Como aos festivais de música apresentados com uma estranha regularidade e em
que os consumos atingem níveis impressionantes. Não se olvide que o Campeonato
do Mundo de Futebol 2014 que em Junho pretérito se desenrolou no Brasil tem
duas poderosas marcas de cerveja a patrociná-lo, tendo obrigado o ordenamento
jurídico brasileiro a abrir brechas no seu ordenamento a fim de se satisfazerem
as sórdidas e promíscuas intenções da Federação Internacional do Futebol
“Association”, inclusivamente com a possibilidade do consumo de cervejas in
loco, o que constitui a mais abjecta subversão a que uma ordem jurídica se
expõe na subordinação a interesses mercantilistas e ao arrepio das suas
taxativas regras de conduta…
Para além do
mais, as mensagens passam a desoras (por tal se entendendo o período em que se
proíbe a emissão de quaisquer veículos de comunicação comercial seja em que
suporte for). E não há quem reaja!
As denúncias
que a apDC, sociedade científica de intervenção, vem fazendo caem
sistematicamente em saco roto.
A ACOP,
associação de consumidores sensu proprio, ante a nula resposta das autoridades
e com uma cortante ironia, já propôs aos órgãos de poder revogassem formalmente
a norma que por não-uso já ninguém respeita…
Uma tal
situação deveria merecer a reflexão de uma comunidade alheia a tais valores.
Não se
ignore que na mais aviltante situação “em fraude à lei” as marcas “bandarilham”
os órgãos de poder, passe o plebeísmo, ao criarem uma sugestiva “cerveja zero”,
sem qualquer expressão comercial, que serve exclusivamente para potenciar a
saída da cerveja com teor alcoólico elevado e regularmente distribuída…
E nem sequer
as iniciativas legislativas assumidas para contrariar o fenómeno foram bem
sucedidas.
Quando para
tanto bastaria uma interpretação adequada dos preceitos vigentes.
Aliás, já o
ICAP – Instituto de Auto-Regulação da Comunicação Comercial – decidiu
fundadamente e com o nosso inteiro aplauso, em caso análogo, que:
RESUMO DA DELIBERAÇÃO:
“Defendeu o
Júri de Ética na sua deliberação 12/2005:
« (…) é
precisamente no domínio das marcas comuns (ou parcialmente comuns), que a
encontra um especial campo de actuação para a denominada publicidade indirecta,
sendo os objectos com restrições legais à publicidade (v.g. tabaco,
medicamentos e bebidas alcoólicas) aqueles que exercem a maior força atractiva
neste tipo de publicidade.
Pelo que, a
integração a 100% na marca da cerveja sem álcool a lançar da marca da cerveja
com álcool comercializada pelo mesmo anunciante, alerta o Júri, precisamente,
para a possibilidade de estarmos perante publicidade indirecta.
Para aferir
da existência de publicidade indirecta (ou publicidade álibi/pretexto, como
alguns mencionarão) deve atender-se à mensagem veiculada, apreciada no seu todo
podendo, especialmente, considerar-se outros critérios, como sejam: a eventual
existência duma simultaneidade de campanhas publicitárias de dois produtos com
relação entre si, sendo um deles objecto de restrições, quando a publicidade a
um deles remete e recorda inequivocamente o outro; o nível de presença que, na
publicidade, tem o novo produto comparativamente com o produto a que apela ou
recorda, e cuja venda indirectamente promove.»
O JE reitera
o inalienável direito das empresas a “estenderam” as suas marcas e produzir
novos bens e serviços com as marcas que já comercializam – criar marcas “Umbrella”
mas, então como agora, a questão essencial permanece, não nesse direito mas,
outrossim, nos seus limites.
Os
anunciantes ao optarem, legitimamente, por difundir como marcas, também de
cerveja, mas não alcoólicas, marcas que integram no nome, e recordam ou fazem
associar, nas cores (ainda que por contraste, enquanto imagem de “negativo”) as
marcas notoriamente reconhecidas como alcoólicas exercem, é certo, um direito
seu que é o de explorar para as novas marcas – cerveja sem álcool – a especial
força de vendas da SUPER BOCK mas, tal benefício, pode importar restrições.
A cerveja
sem álcool, SUPER BOCK, explora e beneficia da reputação da cerveja com álcool,
produto que persiste presente nas mensagens pelo que, entende o Júri, é
indirectamente publicitada na divulgação da cerveja sem álcool, a SUPER BOCK,
cerveja com álcool.
O JE conhece
a realidade das marcas Umbrella, marcas transversais a vários produtos
reconhecidas pelos consumidores enquanto tal, autónomas, mas configura difícil
que tal situação exista quando a marca apenas integre, como é o caso, um único
produto: a cerveja, embora com e sem álcool, com variantes de sub-produtos e
sabores.
E nem se
diga que os ambientes de base utilizados na publicidade da cerveja com álcool e
sem álcool são muito diferentes pois, na realidade, os ambientes de celebração
desportiva não são tão distintos dos ambientes festivos como a denunciada
pretende fazer parecer.
Entende,
assim, o JEP que, embora o objecto directo da mensagem publicitária seja a
SUPER BOCK, cerveja sem álcool, considerando a marca escolhida pela denunciante
(SUPER BOCK), o conteúdo da mensagem publicitária, existe uma íntima ligação
entre aquele objecto directo da mensagem e uma outra marca do anunciante e
objecto publicitário que, indirectamente, beneficia da publicidade: a SUPER
BOCK, cerveja com álcool.
Como referia
esta mesma Secção do JE no Processo 12/2005: «Na verdade, a cerveja SUPER BOCK
(…) (sem álcool), sendo embora o objecto directo da mensagem publicitário
funciona, por causa da grande identidade das marcas, como um produto pretexto
para a promoção indirecta (ou mesmo prioritária dada a diferença de quotas de
mercado) da cerveja SUPER BOCK (com álcool).» chegando, no caso "sub
judice" à mesmíssima conclusão de que, no seu entendimento, o anunciante,
ao usar aquela marca – SUPER BOCK – na cerveja sem álcool, promove
indirectamente a cerveja com álcool, que comercializa com a mesma marca (e
recentes variantes, também com álcool) e que, aliás, tornou a marca SUPER BOCK
conhecida e dominante no mercado nacional.
Refira-se,
ainda, que apreciação do Júri em sede de publicidade indirecta supra referida
não contende com o registo de marca nacional registada sob o nº 444186 (cf.
art. 1º da Contestação), com a designação “SUPER BOCK SEM ALCOOL”, enquanto
figura com autonomia própria, que pode ser objecto de publicidade enquanto tal,
possuindo a referida marca todos os direitos legais decorrentes do seu registo
em sede de propriedade industrial.
O JE
rejeita, contudo, que da mera existência desse registo se possa extrair uma
conclusão de autonomia para efeitos de apreciação em sede de publicidade e em
especial de publicidade indirecta a outro produto que partilhe parcialmente a
mesma designação.
Em síntese,
o Júri avalia estar perante um caso de publicidade indirecta à cerveja com
álcool da mesma marca SUPER BOCK e como tal é plenamente aplicável a proibição
constante do nº 2 do art.º 17º do Código da Publicidade sendo, para esse efeito
e no contexto da publicidade indirecta, indiferente que o consumidor médio
percepcione que o produto directamente anunciado seja o produto sem álcool:
sempre associará o produto àquele que é indirectamente anunciado e que tem as
restrições horárias já referidas.”
Daí que haja
de apostar em uma pugna sem tréguas contra os apresentadores de programas que
ingénua ou deliberadamente galguem a onda do estímulo às bebidas alcoólicas,
distraídos do papel que também lhes cabe representar, e os meios que, avessos
às regras mais elementares, subvertem clamorosamente o ordenamento e concorrem
para enfermidades sociais de pendor crónico e quiçá insuperáveis…
De par com
os Alcoólicos Anónimos talvez se enseje a criação de uma instituição do estilo
dos Publicitários Anónimos que curem a sociedade dos males que provocantemente
causam pela forma criminosa como usam os poderosos meios que têm
ao seu
alcance!
Mário Frota
apDC -
DIREITO DO CONSUMO - Coimbra