(bloqueio geográfico/bloqueio do preço)
(artigo publicado hoje, 03 de Agosto de 2021, no Portal do PROCON RS, de Porto Alegre, por especial deferência de Diego Azevedo, director da Escola Superior de Defesa do Consumidor do Estado do Rio Grande do Sul)
“Um cidadão alemão pretende alugar, no sítio web de uma empresa de Rent-a-Car, na Alemanha, um automóvel para um período de vilegiatura em Espanha.
Descobre, porém, que na versão espanhola de sítio, se anuncia o aluguer do mesmo automóvel, nas mesmas datas, sob as mesmas condições, a um preço muito inferior.
Poderá, nesse caso, o consumidor ser impedido de reservar o automóvel na versão espanhola do sítio web da empresa?
Poderá o preço aumentar inopinadamente logo que o consumidor introduza os dados correspondentes ao seu país de residência, sendo redireccionado para um outro site?
Poderá um estabelecimento virtual de TURISMO, por exemplo, usar TI para discriminar de modo activo os consumidores com base em sua origem geográfica e ou nacionalidade, manipulando a seu bel talante as ofertas de hospedagem em hotéis, alterando preços e disponibilidades conforme a origem do consumidor?”
Eis as questões a que há que oferecer uma resposta inequívoca e concludente.
As peculiaridades decorrentes do fenómeno:
“As empresas registam as informações sobre a origem geográfica do consumidor e, utilizando esse dado como elemento representativo (“proxy”) de origem nacional, discriminam-nos, bloqueando ofertas e precificando mais caro o produto (ou serviço) em favor de consumidores de outras nacionalidades.”
Poderá uma empresa bloquear ou restringir o acesso às suas interfaces online a consumidores de distintas origens (vale dizer, de outros espaços geográficos)?
Poderá uma empresa aplicar condições gerais de acesso distintas, consoante as origens, tanto em linha como fora dela?
III
DISCRIMINAÇÃO E SUAS MODELAÇÕES
DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA QUALIDADE DOS PRODUTOS
Na União Europeia, para além das particularidades enunciadas, ter-se-á detectado uma prática discriminatória assente na dualidade da qualidade dos produtos, com realce para o caso específico dos géneros alimentícios.
Produtos alimentares, aparentemente os mesmos, com análoga composição, mas de qualidade manifestamente inferior, dirigidos a consumidores de determinados Estados-membros que pagam, afinal, outro tanto por produtos depreciados em razão quiçá da sua menor exigência por mor das suas deficientes qualificações e efectiva impreparação, exactamente como consumidores (para se ser consumidor é indispensável que haja competências, qualificação, formação, em suma).
De acordo com a Comunicação (2017/C 327/01), 29 de Setembro de 2017, emanada da Comissão Europeia, ter-se-á efectuado um levantamento das situações que ocorrem a tal propósito, definindo-se a gama de produtos em que tal se observa, não circunscrita às passagens aéreas e às albergarias, estalagens ou outros lugares de hospedagem.
IV
OS CONCEITOS: DESCODIFICAÇÃO
Dois são os conceitos com que ora se confronta o Direito do Consumo na Europa (e alhures) neste particular.
Geo-blocking (bloqueio geográfico) – o da oferta com base na origem geográfica do consumidor
Geo-pricing (bloqueio do preço) – precificação diferenciada da oferta com base de análogo modo na origem geográfica do consumidor
A não discriminação do consumidor no seio do mercado de consumo constitui corolário tanto do
Princípio da igualdade material perante a "lex contractus"
como do da protecção dos seus interesses económicos
Não é lícito às empresas arquitectar estratégias mercadológicas do estilo susceptíveis de enredar os consumidores em tramas tais.
V
BLOQUEIO GEOGRÁFICO / BLOQUEIO DO PREÇO
1. A Directiva 2006/123, de 12 de Dezembro
Escopo: A não sujeição a requisitos discriminatórios em razão da nacionalidade ou do lugar de residência.
De harmonia com o artigo 20 do instrumento normativo de que se trata, emanado do Parlamento Europeu – e em sede de não discriminação – se estatui que
“ 1. Os Estados-Membros devem assegurar que o destinatário não seja submetido a requisitos discriminatórios em razão da sua nacionalidade ou do seu lugar de residência.
2. Os Estados-Membros assegurarão que as condições gerais de acesso a um serviço postas à disposição do grande público pelo prestador não incluam condições discriminatórias baseadas na nacionalidade ou no lugar de residência do destinatário, sem que tal afecte a possibilidade de se preverem diferenças no que diz respeito às condições de acesso e que sejam directamente justificadas por critérios objectivos.”
2. O Regulamento (UE) n.º 2018/302 , de 28 de Fevereiro
Escopo: Proíbe o bloqueio geográfico injustificado e outras formas de discriminação baseadas na nacionalidade, no local de residência ou no do estabelecimento dos clientes e para estimular o comércio electrónico transfronteiras no Mercado Interno (o universo constituído no espaço delimitado pelas fronteiras exteriores dos países da União)
3. Propósito do Regulamento em vigor
contribuir para o correcto funcionamento do Mercado Interno,
evitar as discriminações baseadas, directa ou indirectamente,
o na nacionalidade,
o local de residência
o ou no de estabelecimento dos clientes.
4. Planos definidos no corpo do Regulamento
1.º ACESSO ÀS INTERFACES EM LINHA
2.º ACESSO A BENS E SERVIÇOS
3.º ACESSO A MEIOS DE PAGAMENTO (e à não discriminação a este título)
I I
ACESSO ÀS INTERFACES EM LINHA
As empresas não podem, pelo recurso a ferramentas tecnológicas, bloquear ou restringir o acesso dos consumidores à sua interface em linha em razão da nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento.
As empresas não poderão redireccionar os consumidores, em razão da sua nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento, para uma versão da sua interface em linha diferente daquela a que o cliente tentou aceder inicialmente, em virtude da sua configuração, emprego de um idioma ou outros factores que confiram a tal interface características específicas para os consumidores…, a menos que o interessado a tal tenha dado o seu consentimento expresso.
A haver redireccionamento com o consentimento expresso do cliente, a versão original da interface em linha deve ser-lhe de fácil acesso.
III
ACESSO A BENS E SERVIÇOS
A empresa não pode adoptar diferentes condições gerais de acesso aos bens ou serviços em razão da nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento, caso o cliente procure:
Adquirir bens entregues em local situado num Estado-membro em que se propõe um serviço de entrega nas condições gerais de acesso, ou se os bens houverem de ser levantados em local acordado entre empresa e cliente num Estado-Membro em que tal opção seja proposta;
Receber serviços por via electrónica, excepto se se tratar de algo cuja principal característica seja a oferta de acesso e utilização de obras protegidas por direitos de autor, ou de outros materiais protegidos, incluindo a venda, sob forma imaterial, de tais obras protegidas.
Receber serviços, excepto se prestados por via electrónica, em local físico situado em território de um Estado-membro onde exerça a sua actividade.
A proibição não inibe que as empresas proponham condições gerais de acesso, incluindo preços líquidos de venda, que difiram de Estado-membro para Estado-membro, ou dentro de um Estado-Membro, propostas a clientes num determinado território ou a determinados grupos de clientes de forma não discriminatória.
IV
NÃO DISCRIMINAÇÃO
POR RAZÕES RELACIONADAS COM O PAGAMENTO
As empresas não podem aplicar, no âmbito dos instrumentos de pagamento por si aceites, em razão da nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento do cliente, da localização da conta de pagamento, do local de estabelecimento do prestador de serviços de pagamento ou do local de emissão do instrumento de pagamento na União, diferentes condições a operações de pagamento, caso:
Tais operações se efectuem através de uma transacção electrónica mediante transferência bancária, de débito directo ou de um instrumento de pagamento baseado em cartões da mesma marca e da mesma categoria;
Os requisitos de autenticação sejam cumpridos nos termos da Directiva (UE) 2015/2366; e
Tais operações se efectuem em moeda aceite pelo comerciante.
VI
OCORRÊNCIA DE LITÍGIOS
ASSISTÊNCIA A DISPENSAR AOS CONSUMIDORES
De harmonia com o que prescreve o artigo 8.º do Regulamento - e sob a epígrafe
“assistência prestada aos consumidores” –
“Cada Estado-Membro designa um ou vários organismos para prestar assistência prática aos consumidores em caso de litígios entre um consumidor e um comerciante decorrente da aplicação do regulamento”.
Em geral, são os Centros Europeus do Consumidor, existentes nos Estados-membros (onde os haja, bem entendido) que de tal se desobrigam.
VIII
NOVO PLANO QUINQUENAL DE ACÇÃO
2021/2025
A NOVA AGENDA DO CONSUMIDOR EUROPEU
1. Objectivo: “Dar resposta às necessidades específicas dos consumidores”
Dentre os propósitos de que se doura a Nova Agenda Europeia do Consumidor insere-se a que, sob a epígrafe, dela consta especificamente:
1.1. A Directiva 2004/113/CE garante a igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento. Tal garante a protecção contra, por exemplo, a recusa de acesso a serviços de crédito para mulheres grávidas, com base numa potencial perda de rendimento esperada, ou a exclusão de mães solteiras de determinados serviços financeiros com base numa percepção de risco de incumprimento mais elevada.
A Directiva 2000/43/CE também estabelece um quadro jurídico para o combate à discriminação com base na origem racial ou étnica, com vista a pôr em prática nos Estados-Membros o princípio da igualdade de tratamento.
1.2. O risco de discriminação é, por vezes, agravado pelos algoritmos utilizados por certos fornecedores de bens e serviços e que podem ser formulados com base em preconceitos muitas vezes resultantes de expectativas culturais ou sociais preexistentes. Embora esta situação possa conduzir a discriminações entre os consumidores em geral, afecta mais frequentemente determinados grupos, em especial as pessoas oriundas de minorias étnicas ou raciais. A futura proposta de um quadro legislativo horizontal em matéria de inteligência artificial terá como objectivo abordar especificamente a forma de limitar os riscos de parcialidade e discriminação nos sistemas algorítmicos.
1.3. Por último, os dados da economia comportamental mostram que os comportamentos dos consumidores são frequentemente afectados por preconceitos cognitivos, especialmente em linha, que podem ser explorados pelos operadores para fins comerciais.
1.4. Estas novas formas de riscos podem afectar praticamente todos os consumidores. As obrigações de transparência são certamente importantes para combater as assimetrias de informação (tal como referido no contexto da transformação digital), mas é necessária uma avaliação mais aprofundada para determinar a necessidade de medidas adicionais para fazer face a esta forma dinâmica de vulnerabilidade.
2. Acções a empreender neste particular
Até 2023, a Comissão Europeia desenvolverá uma abordagem estratégica para melhorar a sensibilização e a educação dos consumidores, tendo também em conta as necessidades dos diferentes grupos, nomeadamente com base em abordagens baseadas na igualdade e não discriminação.
CONCLUSÕES
1. O princípio da igualdade substancial dos consumidores postula não discriminação em todos os domínios, em particular no dos preços.
2. Não é lícito que ocorram bloqueios geográficos a determinados universos-alvo de molde a prejudicar consumidores em função da nacionalidade, local de residência ou de estabelecimento
3. Nem sequer que em razão de fenómeno análogo se submetam a preços diferenciados, mais onerosos que os correntemente praticados
4. A União Europeia uniformiza, através de regulamento, a disciplina neste passo vertida, vedando quer o denominado Geo-Blocking quer o Geo-Pricing
5. Ponto é que a efectivação de tais direitos se garanta no quotidiano em consequente perseguição aos agentes económicos que continuam a adoptar tais práticas em detrimento da carta de direitos do consumidor se submetam a preços diferenciados, mais onerosos que os correntemente praticados
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra