“Fiz um contrato num estabelecimento comercial.
Mas fi-lo após haver sido pessoalmente contactado por quem, ao serviço
da empresa, promovia os produtos na praça pública e a tal estabelecimento me
conduziu.
Achei estranho o procedimento. Por não estar
habituado.
Pareceu-me uma “americanice” com todo o alarido
à mistura.
O facto é que saí de lá com o produto nas mãos.
Passado o entusiasmo inicial, verifiquei que o
produto (um aspirador de mão) para nada me servia para além de ter muito pouca
potência de aspiração, ao contrário do que constara da demonstração.
Não me deram a hipótese, que tantas vezes
sucede, de um “satisfeito ou reembolsado”.
Voltei lá para o devolver por não ter ficado
satisfeito com o que comprara.
Resposta pronta do gerente, que me atendeu:
“contrato
celebrado no estabelecimento ou é a contento (só fica se gosta) ou é sem arrependimento (não gosta, mas
não reposta)”
Contrato em estabelecimento é contrato para valer:
“não satisfaz mas não se desfaz”!
E
pergunto agora: é assim, não tenho hipótese de
voltar com a palavra atrás?”
Visto o exposto, cabe emitir opinião:
1.
Com efeito, a compra e venda em estabelecimento, salvo se celebrada a contento (no
caso de a coisa agradar ao consumidor) ou sujeita
a prova, ou se padecer de vício (a desconformidade da coisa com o contrato,
em que se actuaria a garantia legal e ou comercial), não permite que o
consumidor se retracte (dê o dito por não dito) sem consequências (isto é, sem
os encargos daí advenientes).
O contrato, segundo uma velha máxima romana, é,
nestas circunstâncias, para ser cumprido” (“pacta sunt servanda”).
2. Só que, no caso,
a Lei dos Contratos à Distância e
Fora de Estabelecimento de 14 de Fevereiro de 2014 considera como contratos
fora de estabelecimento os celebrados em dadas circunstâncias, a saber:
2.1.
no domicílio do
consumidor (contratos porta-a-porta);
2.2.
no local de
trabalho do consumidor (contratos no trabalho);
2.3.
em reuniões em
que a oferta seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas
reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor (ou seu
representante) (contratos no decurso de reuniões “tupper-ware”);
2.4.
durante uma
deslocação organizada pelo fornecedor (ou seu representante) fora do respectivo
estabelecimento comercial (contratos com
base em ofertas “tipo” “conheça
a… Galiza grátis”);
2.5.
no local
indicado pelo fornecedor, a que o consumidor se desloque, por sua conta e
risco, na sequência de uma comunicação comercial feita por aquele (ou
seu representante) (contrato por convite a contratar);
2.6.
no estabelecimento comercial do fornecedor
ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor
ter sido, pessoal e individualmente, contactado em local que não seja o
do estabelecimento (contratos em
decorrência de contactos de rua).
3. Por conseguinte, os contratos celebrados no estabelecimento comercial do fornecedor
imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, contactado
em local que não seja o do estabelecimento (contratos em decorrência de contactos
de rua) são havidos como se fosse fora dele (isto é, fora de
estabelecimento.
4. E gozam dos mesmos direitos que os contraentes que os
hajam celebrado fora de estabelecimento.
5. Tais contratos, de acordo com o artigo 9.º da lei, são
reduzidos a escrito e devem, sob
pena de nulidade, conter, de forma clara e compreensível e na língua
portuguesa, as informações contratuais de
a a z previstas na lei, em que figura exactamente o direito de retractação, o de dar o dito
por não dito em 14 dias após a entrega da coisa.
6. Não
tendo sido reduzido a escrito, tal contrato
é nulo: a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer
interessado e pode ser conhecida de ofício pelo tribunal (a haver litígio que
redunde em acção em tribunal judicial ou em julgado de paz ou em tribunal
arbitral de conflitos de consumo).
7. Por
conseguinte, não dispõe de 14 dias para se desfazer do aspirador (o que em
circunstâncias normais, no quadro da concreta hipótese de facto, ocorreria),
mas de todo o tempo. Convindo agir, de qualquer forma, com a rapidez que os
seus interesses o impuserem, bem entendido.
8. A
subsistir o diferendo, poderá então recorrer a qualquer dos órgãos
jurisdicionais e não jurisdicionais a que se alude em 6.: se não houver
tribunal arbitral no distrito em que reside, recorra ao Centro Nacional de
Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo, sediado em Braga, cujo Tribunal
Arbitral Nacional tem supletivamente competência territorial para o efeito.
EM
CONCLUSÃO:
1.
Um contrato celebrado em estabelecimento mediante convite pessoal e individual
a nele entrar para a oferta de um qualquer produto beneficia do regime dos contratos fora de estabelecimento.
2.
Tais contratos estão sujeitos a
forma: se não forem reduzidos a escrito ou noutro qualquer suporte duradouro
são nulos e de nenhum efeito.
3.
Sendo nulos, a nulidade é invocável
a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser apreciada oficiosamente pelo
tribunal.
4.
A nulidade tem como efeitos a restituição da
coisa e a devolução do preço.
Mário Frota
apDC – DIREITO
DO CONSUMO - Coimbra