PREVENIR PARA NÃO REMEDIAR
PROGRAMA
20.Outubro.2025
VL
O dono da Meta, Mark Zuckerberg, vem atacando a Comissão Europeia por querer fazer aplicar sem dó nem piedade o Regulamento dos Serviços Digitais de 2022, em vigor desde 2024, às Gigantes Tecnológicas dos Estados Unidos.
E fala desbocadamente de censura. Quando se lhe aplica uma qualquer multa milionária por desrespeito às regras do Regulamento e, em particular, às normas de protecção das crianças
O que vem a ser, Professor, o Regulamento dos Serviços Digitais e como tende a proteger as crianças de conteúdos ilegais que nas plataformas circulam sem qualquer pudor?
MF
“E AS CRIANÇAS, SENHOR, PORQUE LHES DAIS TANTA DOR, PORQUE PADECEM ASSIM?”
A Europa dotou-se de um Regulamento dos Serviços Digitais em finais de 2022 para proteger todos e cada um dos avanços desenfreados das “Grandes Tecnológicas (Big Tech´s) que por aí andam “como cão por vinha vindimada”…
Algo que Zuckerberg, na sua insaciável aspiração de tudo subjugar (sem rei nem roque…), apelida despudoradamente de censura…!
O Regulamento, que é uma lei que se aplica directa e imediatamente em todos os Estados-membros, sem excepção, na sua singeleza e no que toca a crianças, diz simplesmente:
§ Os fornecedores de plataformas em linha acessíveis a menores adoptam medidas adequadas e proporcionadas para assegurar um nível elevado de privacidade, protecção e segurança dos menores.
§ Não podem exibir anúncios publicitários na sua interface com base na definição de perfis … utilizando dados pessoais do destinatário do serviço se tiverem conhecimento, com uma certeza razoável, de que o destinatário do serviço é um menor.
§ O cumprimento, porém, de tais obrigações não impõe que tratem dados pessoais adicionais para avaliarem se o destinatário do serviço é ou não um menor.
§ A Comissão Europeia, precedendo consulta, pode emitir directrizes para ajudar os fornecedores… na aplicação das regras de privacidade, protecção e segurança dos menores.
VL
Mas essas formulações são genéricas, não?
MF
As formulações são genéricas, mas sabe-se que surgem amiúde aberrantes desvios de conteúdo que deixam o mais pintado de “cabelos em pé”!
O que vem acontecendo ultimamente, com expressões as mais horrendas, obriga a todas as cautelas.
Há dias os media noticiaram que “a Comissão Europeia notificara quatro plataformas online - Snapchat, YouTube, App Store e Google Play – em ordem a apurar se vêm adoptando consequentes medidas de protecção dos menores".
Mas nos últimos tempos as multas aplicadas têm tido expressão multimilionária.
A comissária titular da pasta do Digital, Henna Virkkunen, asseverou, à chegada a uma reunião ministerial informal em Horsens, há escassos dias, na Dinamarca, que
"É necessário garantir que o conteúdo a que as nossas crianças acedem na internet seja adequado à sua idade".
O Regulamento Europeu, disse, "estabelece claramente que, quando os menores utilizam serviços 'online', devem ser assegurados níveis muito elevados de privacidade, segurança e protecção".
"Infelizmente, isso nem sempre acontece, e é por essa razão que a Comissão Europeia está a reforçar a aplicação das suas regras a tal propósito", adiantou Henna Virkkunen.
Estas acções ainda não constituem investigações formais, antes se trata de pedidos de esclarecimento às plataformas em causa ao abrigo da nova legislação.
VL
Mas as plataformas têm de ter uma certa dimensão, não?
MF
A União Europeia definiu que as plataformas em linha de muito grande dimensão, com 45 milhões de utilizadores activos /mês, passem a ter de cumprir escrupulosamente as novas regras “a fim de não porem o pé em ramo verde”!
A presidente da Comissão, Ursula von Leyen disse, de forma simples, há dias, que “tal como no nosso tempo - nós, como sociedade - ensinávamos aos nossos filhos que não podiam fumar, beber e ver conteúdos para adultos até uma certa idade. Acredito que é hora de fazer o mesmo com as redes sociais".
Países como a Dinamarca, a Grécia, a França e Espanha, entre outros, avaliam como limitar esta utilização a menores das redes sociais em que não há restrições de conteúdos.
Há 15 dias, a Comissão Europeia deu a saber que ia ajudar as plataformas online a implementar um método de verificação de idade robusto, fácil de usar e que preserve a privacidade. A Comissão desenvolveu uma abordagem comum em estreita colaboração com os Estados-Membros.
Como resultado, em Julho de 2025, foi lançado um projecto para uma aplicação de verificação de idade na UE, servindo de base para uma abordagem harmonizada entre os Estados-Membros. A Comissão lançou uma segunda versão do projecto de verificação de idade, aprimorando ainda mais a solução.
A ver se este expediente chega a bom termo e os menores são poupados à sanha dissolutora das Gigantes Tecnológicas. Que põem em risco a formação das crianças e jovens.
Que se o “melhor do mundo são as crianças”, não as inquinem: imperioso será mantê-las no seu mundo e não projectá-las para o mundo da depravação, da depreciação e da degradação de valores.
II
CONSULTÓRIO
i.
DIREITO DE REJEIÇÃO NA COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO
VL
De um taxista de Coimbra:
“Comprei um frigorífico no Retail Park, em Taveiro. Menos de um mês e uma grossa avaria deixou-o inoperativo. Devolvi-o. Exigi um novo. Que não, primeiro a reparação: é de lei. Os meses passam e… nada! Sem frigorífico e sem dinheiro.
De justificação em justificação vão encanando a perna à rã. A desculpa esfarrapada é a de que está para decisão dos serviços técnicos. E já lá vão 3 meses. Vezes sem conta a caminho de Taveiro e sempre de mãos a abanar.”
MF
1. Em caso de avaria, vício, desconformidade entre as especificações do contrato e a coisa, o consumidor lançará mão de qualquer dos remédios que a Lei da Compra e Venda de Consumo (LCVC) lhe confere [reparação, substituição, redução proporcional do preço e o termo do contrato].
2. Com a Lei em vigor, há, porém, uma hierarquia nos remédios, em nome da sustentabilidade das coisas: primeiro, reparação ou substituição e, só por último, o termo ao contrato (LCVC: art.º 15):
“1 - …O consumidor tem direito:
a) À reposição da conformidade (reparação ou da substituição da coisa);
b) À redução proporcional do preço; ou
c) À resolução (à extinção) do contrato.
2 — O consumidor pode escolher entre a reparação ou a substituição, salvo se o meio escolhido para a reposição da conformidade for impossível ou, em comparação com outro meio, impuser ao fornecedor custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo:
a) O valor que os bens teriam se não se verificasse a [não] conformidade;
b) A relevância da [não] conformidade; e
c) A possibilidade de recurso ao meio de reposição da conformidade alternativo sem inconvenientes significativos para o consumidor.
…”
3. De harmonia com a LCVC (art.º 18):
“2 — A reparação ou a substituição do bem é… :
a) A título gratuito;
b) Num prazo razoável a contar do momento em que o fornecedor tenha sido informado pelo consumidor da [não] conformidade;
c) Sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza dos bens e a finalidade a que … os destina.
3 — O prazo para a reparação ou substituição não deve exceder os 30 dias, salvo nas situações em que a natureza e complexidade dos bens, a gravidade da [não] conformidade e o esforço necessário para a conclusão da reparação ou substituição justifiquem prazo superior.”
4. No entanto, desde que a não conformidade (vício, avaria, divergência entre especificações…) ocorra nos 30 dias subsequentes à entrega da coisa, ao consumidor se reconhece o denominado direito de rejeição, que é fulminante:
“Nos casos em que a [não] conformidade se manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode [impor] a imediata substituição do bem ou a resolução [o termo] do contrato.” (LCVC: art.º 16)
5. A escolha compete ao consumidor: não há cá lugar a uma eventual reparação; ou exige a substituição ou põe terminantemente fim ao contrato.
6. A substituição dever-se-ia ter processado, em princípio, no lapso de 30 dias (LCVC: n.º 3 do art.º 18).
7. A violação do disposto no artigo 16 da LCVC (a substituição oportuna da coisa) constitui contra-ordenação económica grave passível de coima e sanções acessórias (LCVC: al. c) do n.º 1 do art.º 48):
7.1. A coima varia segundo o talhe da empresa: se micro (menos de 10 trabalhadores), pequena (de 10 a 49), média (de 50 a 249) ou grande (250 ou mais trabalhadores):
7.2. Tratando-se de média empresa a sanção oscila entre os 8 000 € e os 16 000 €; se de grande empresa entre os 12 000 € e os 24 000 €.
8. Reclamação no Livro em papel ou electrónico para que a ASAE, de posse dos dados, instaure os correspondentes autos e inflija as sanções que no caso couberem.
CONCLUSÃO
a. Se o ‘vício’ ocorrer nos dias 30 a seguir à entrega, o consumidor tem o direito de exigir a imediata substituição ou a pôr desde logo termo ao contrato (LCVC: art.º 16).
b. Se optar pela substituição, há, em princípio, 30 dias para que tal efeito se produza (LCVC: n.º 3 do art.º 18).
c. A violação de tais normas constitui contra-ordenação económica grave (LCVC: als. c) e d) do n.º 1 do artigo 48).
d. Tratando-se de grande empresa, como parece, a coima atingirá, no limite, 24 000 € (mais que o preço do frigorífico em causa…).
ii.
O NUMERÁRIO ESTÁ FORA DO PRONTUÁRIO?
CHAMEM A POLÍCIA!
ANTE A NOTÍCIA DE QUE O NUMERÁRIO JÁ NÃO ESTÁ NO PRONTUÁRIO
VL
“O consumidor quis pagar um “hambúrguer” com dinheiro em espécie, com “dinheiro vivo”.
Alertaram-no, no estabelecimento, para um cartaz com os dizeres: “Não aceitamos nem notas nem moedas. Pagamento só com cartão”.
Não é a primeira vez que o caso aqui vem, mas o certo é que com o cruzar de braços do Banco de Portugal, não há alteração de comportamentos por parte de certas empresas.
O consumidor poderá ficar privado do acesso aos bens por não ter cartão de débito e/ou crédito?
Há lei que obrigue a ter cartão de débito e/ou de crédito?
MF
§ O dinheiro com curso legal (o euro) é de aceitação obrigatória (Regulamento do Euro de 3 de Maio de 1998; Rec.ão n.º 191/2010/UE, de 22 de Março de 2010, da Comissão Europeia)
§ Perante uma obrigação de pagamento, o curso legal das notas e moedas em euros implica:
o Aceitação obrigatória - O credor de uma obrigação de pagamento não pode recusar notas e moedas em euros, a menos que as partes acordem entre si noutros meios de pagamento.
o Poder para cumprir obrigações de pagamento - O devedor cumpre a obrigação de pagamento mediante a entrega ao credor de notas e moedas em euros.
o Aceitação de pagamento em notas e moedas em euros nas transacções no comércio retalhista é obrigatória até 3 000 €.
§ Ninguém é obrigado a ter cartões de débito e ou de crédito.
§ Há violação do direito fundamental à protecção dos interesses económicos do consumidor e da sua liberdade de escolha: tal exigência constitui censurável discriminação e segregação que a Constituição e as leis proscrevem (CRP: art.º 13 e n.º 1 do art.º 60; Lei 24/96: art.º 9.º)
§ Ante a recusa do estabelecimento em aceitar a moeda com curso legal, o consumidor
o Exigirá o Livro de Reclamações para nele lavrar o seu protesto;
o Reclamará a presença da autoridade policial ou da força de segurança a fim de remover a recusa.
§ A autoridade policial ou de segurança procurará remover a recusa e, se o não conseguir, lavrará o competente auto que apresentará ao Banco de Portugal e ao Ministério Público.
o O Banco de Portugal, por seu turno, notificará a empresa para que retire o cartaz, sob pena de crime de desobediência simples.
o Se o agente persistir na recusa, instaurar-se-á o processo-crime: pena de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias (Código Penal: n.º 1 do art.º 348).
§ No plano contratual, é de uma condição geral absolutamente proibida que se trata e constitui, de resto, contra-ordenação económica muito grave (DL 446/85: art.º 21, n.º 1 do artigo 34-A; DL 9/2021: al. c) do art.º 18).
§ Cabe ao Banco de Portugal instaurar os autos e aplicar a coima.
iii.
COM PAPEL OU SEM PAPEL?
É À VONTADE DO FREGUÊS?
Papel azul de 25 linhas? Lavrado em Cartório?
Coisas assim tão picuinhas? E de modo tão notório?
“Num dos canais públicos de televisão RTP/Canal 1, alguém (uma solicitadora de profissão) prestava, em directo, informação aos telespectadores em matéria de arrendamento urbano.
E dizia de modo “convincente” que o arrendamento para habitação não teria de ser celebrado por escrito, ficava ao “livre arbítrio” dos contraentes.
Que já fora tempo em que se celebrava em Cartório em folhas de papel azul de 25 linhas.
Entre outras afirmações algo temerárias (rescindir o contrato para cá, rescindir para lá…) a revelar ou deficiente domínio da matéria ou ligeireza extrema nos esclarecimentos. Que nada esclarecem e tudo confundem.
Dizendo inclusivamente que a lei só fala em deve, deve, deve, deveres que não são obrigações… porque o contrato está sujeito ao “livre arbítrio” das partes.
A pergunta inevitável é: arrendamento urbano para habitação não tem de ser celebrado por escrito ou fica tudo à discrição dos “fregueses”?”
MF
1. O Serviço Público tem de ter na sua base rigor… Para esclarecer e não para confundir ou perturbar. Ou para fazer que anda mas não anda.
2. Daí que cumpra desfazer equívocos:
Celebração do contrato: na vigência do Código Civil de 1966, o contrato de arrendamento urbano para habitação era meramente consensual, i. é, não carecia de ser celebrado por escrito. Excepção: arrendamentos sujeitos a registo (celebrados, ao menos, por mais de seis anos) que exigiam escritura pública [Cód. Civil: al. a) do n.º 1 do art.º 1029].
3. Em 1974 se estabeleceu que “de futuro [após 17 de Setembro de 1974] os contratos de arrendamento para habitação constarão obrigatoriamente de documento assinado por ambos os contraentes” [DL 445/74: art.º 14]
4. Em 1976 se reconheceu ao arrendatário a faculdade, em caso de inexistência de título, de optar entre nulidade ou validade do contrato: prevalecendo-se da validade, poderia, para o efeito, lançar mão de qualquer meio de prova; a inobservância do escrito presumia-se imputável ao locador e a respectiva nulidade só seria invocável pelo locatário [DL 188/76: art.º 1.º].
5. Em 1986 se consagra disciplina em tudo análoga à de 1976 [DL 13/86: n.º 1 do art.º 1.º]
6. Em 1990, a exigência de escrito particular para os arrendamentos para habitação mantém-se por razões de segurança jurídica: a inobservância da forma escrita só é suprível pela exibição do recibo de renda [DL 321-B/90: n.º 1 do art.º 7.º]
7. Em 2006, revoga-se a legislação até então vigente e torna-se ao Código Civil (a reposição, com alterações dos artigos 1083 a 1120): “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior a seis meses “ [Código Civil: art.º 1069].
8. Em 2012, a redacção sofreu nova alteração: “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito” [Cód. Civil: art.º 1069, modificado pela DL 31/2012, de 14 de Agosto].
9. Em 2019, o corpo do artigo passou a n.º 1 e aditou-se um n.º 2: “Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses [Dl 13/2019, de 12 de Fevereiro].
10. Sem entrar em especiosidades, que o espaço o não consente, a figura da rescisão (rescindir o contrato) não quadra ao arrendamento urbano: como formas de extinção de uma tal relação obrigacional complexa, destacam-se, entre outras, a revogação (por mútuo consenso), a denúncia (para que os contraentes não fiquem indefinidamente vinculados), a resolução (com fundamento em justa causa) e a caducidade (em razão do decurso do tempo ou da superveniência de um qualquer evento que ponha termo ao contrato). A cada figura a sua causa e as suas consequências. Precisão e rigor exigíveis.
11. Quando a lei estabelece deveres, os contraentes estão sujeitos à sua observância. Sob pena de consequências algo gravosas como a declaração de nulidade ou a sujeição a sanções outras que só castigam quem as não respeite.



















