sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

VIGILANTES, SEMPRE VIGILANTES COM OS ‘ATAÚDES ROLANTES’...


 “Comprei um carro usado num ‘stand’ em Lisboa.

Compra com garantia e tudo: revisão feita, histórico limpo, “estado irrepreensível”.

No test drive tudo parecia perfeito.

Três dias depois, luz do motor. Quatro dias depois, começou a cuspir fumo.

Reclamei. Reacção: “Isso é desgaste normal, não está incluído na garantia.”

O carro estava praticamente a morrer, mas para eles era absolutamente normal.

Levei a uma oficina independente e disseram-me: “este problema já estava aqui antes da compra.”

Ou seja, venderam-me um carro com defeito oculto. E agora vão empurrando com desculpas, a ver se eu desisto.”

 Apreciada a questão, eis o que se nos oferece dizer:

1. A conformidade dos bens com o contrato é requisito essencial  da compra e venda; os bens terão de ser entregues em condições de ‘bom estado e funcionamento’, tanto numa perspectiva geral e objectiva, como em particular,  de acordo com as expectativas do consumidor: são conformes os bens que

 1.1. Corresponderem à descrição, ao tipo, à qualidade ... e  às demais características do contrato (DL 84/2021: art.º 7.º);

 1.2. Forem adequados ao uso a que se destinem (DL 84/2021: art.º 8.º).

 2. Pelo facto de se tratar de bens usados, tal não significa que, uma vez entregues, deixem de funcionar em razão de anomalias decorrentes de ‘males do uso’ ou do ‘desgaste normal’... que alegadamente a garantia não recobre!

 3. Se negociada, a garantia legal dos usados não pode ser inferior a 18 meses:  o fornecedor responderá por qualquer não conformidade (vício, avaria...) que ocorra nesse lapso de tempo (n.º 3 do art.º 12).

 4.  Nos 12 primeiros meses presume-se que a não conformidade existia já à data da entrega; nos seis meses restantes cabe ao consumidor a prova da sua existência, o que em tais circunstâncias é praticamente impossível (DL 84/2021: n.º 3 do art.º 13)

 5. O consumidor, ante a existência de um vício, avaria ou defeito. tem prioritariamente o direito à reposição da conformidade pela reparação ou substituição, à sua  escolha (DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 15)

 6. Se, como no caso, a não conformidade se tiver revelado logo nos primeiros dias (nos 30 dias subsequentes à entrega), o consumidor goza de um excepcional direito de rejeição: pode solicitar, de imediato, a resolução do contrato, o que significa que lhe pode pôr termo, devolvendo-se o veículo e restituindo-se-lhe o preço (DL 84/202: art.º 16).

 7.  O consumidor exercerá o direito de resolução (o de pôr termo ao contrato) por carta, correio eletrónico ou outro meio susceptível de prova (DL 84/2021: n.ºs 1 e 2 do art.º 20).

 8. O exercício de um tal  direito obriga: a que:

8.1. consumidor devolva os bens, a expensas do fornecedor;

8.2. O fornecedor o reembolse do preço após a recepção dos bens ou de prova da sua remessa (DL 84/2021: n.º  4 do art.º 20).

 9. O fornecedor efectuará o reembolso, em 14 dias, pelo mesmo meio de pagamento da transacção inicial, salvo se houver acordo expresso em contrário sem custos adicionais para o consumidor (DL 84/2021: n.ºs 5 e 6 do art.º 20).

 

EM CONCLUSÃO

a. Os bens terão de ser entregues em condições de ‘bom estado e bom funcionamento’, ainda que de usados se trate: não pode ser denegada a sua operacionalidade a pretexto de que o desgaste pelo uso exorbita da garantia (DL 84/2021: art.ºs 7 e 8.º).

b. A garantia de usados é negociável, sendo que não pode ser inferior a 18 meses (DL 84/2021: n.º 3 do art.º 12).

c. Nos 12 meses iniciais, presume-se que a não conformidade (vício, avaria, defeito) existia já no momento da entrega; nos 6 meses remanescentes cabe ao consumidor a prova do facto (prova diabóilica) (DL 84/2021: n.º 3 do art.º 13).

d. Em caso de não conformidade, o primeiro dos remédios é ou a reparação ou a substituição do bem, â escolha do consumidor (DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 15)

e. Se, porém, tal ocorrer nos 30 dias iniciais, o consumidor tem o direito de rejeição: pode desde logo pôr termo ao contrato por meio de comunicação ao fornecedor por carta, msg. electrónica ou outro meio (DL 84/2021: art.º 16 e n.ºs 1 e 2 do art.º 20)

f. Efectuada a  devolução do bem, a restituição do preço tem de se processar em 14 dias (DL 84/2021: n.º 6 do art.º 20).

Tal é, salvo  melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO -, Portugal

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