“Garantiram-me que as participações encaminhadas para o Banco de Portugal contra as empresas que recusam, como meio de pagamento, a moeda com curso legal (notas e moedas metálicas) são de imediato remetidas para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) para autuação.
O que é estranho porque, que se saiba, os assuntos que respeitem à moeda com curso legal, enquanto tal, são obrigação dos bancos emissores.
O Banco de Portugal não é banco emissor?”
Eis o que se nos oferece:
1. A Lei das Práticas Comerciais – DL 57/2008, de 26 de Março – estabelece imperativamente, no seu artigo 19, sob a epígrafe “autoridades administrativas competentes”:
“1 - A autoridade administrativa competente para ordenar as medidas previstas no artigo seguinte é a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a entidade reguladora do sector no qual ocorra a prática comercial desleal ou a entidade fiscalizadora de mercado sectorialmente competente.
2 - O Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões são considerados autoridades administrativas competentes para a aplicação do disposto neste artigo às práticas comerciais desleais que ocorram no âmbito dos respectivos sectores financeiros.
…”
2. Por seu turno, a Lei das Condições Gerais dos Contratos – DL 446/85, de 25 de Outubro – define, outro tanto, no que tange aos ilícitos de mera ordenação social perpetrados pelos predisponentes que insiram nos diferentes suportes de adesão “cláusulas absolutamente proibidas”, no seu artigo 34-C (“fiscalização, instrução e aplicação de coimas”):
“1 - A fiscalização do cumprimento do disposto no presente decreto-lei, assim como a instrução dos respectivos processos de contra-ordenação e a aplicação das coimas competem à entidade reguladora ou de controlo de mercado competente nos termos da legislação sectorialmente aplicável.
2 - Na ausência de entidade reguladora ou de controlo de mercado competente em razão da matéria, compete à Direcção-Geral do Consumidor (DGC) fiscalizar o cumprimento do disposto no presente decreto-lei, instruir os processos de contra-ordenação e aplicar coimas.”
3. Aliás, em consonância com o que se estabelece no n.º 1 do artigo 34 – F, ao eximir da Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais a apreciação das condições gerais constantes de domínios sujeitos à supervisão das Entidades Regulatórias:
Atribuições da Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais
“A Comissão prossegue as atribuições enunciadas no presente artigo relativamente a contratos que integrem já cláusulas contratuais gerais …, desde que não versem sobre sectores sujeitos à função reguladora e fiscalizadora das entidades reguladoras ou de controlo de mercado competentes, nos termos da legislação sectorialmente aplicável.”
CONCLUSÃO
1. É ao Banco de Portugal, no quadro das suas atribuições e competências, que incumbe a missão de supervisionar as práticas negociais adoptadas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras no desenvolvimento das suas estratégias mercadológicas.
2. Os contratos bancários e os mais, na órbita dos serviços financeiros, excluídos os contratos de seguros e os fundos de pensões, estão sob a “alçada” do Banco de Portugal no que tange às condições gerais em que se fundem os seus contratos.
3. Os aspectos inerentes intrinsecamente à “moeda com curso legal” cabem na esfera do Banco de Portugal, ao qual incumbe a fiscalização, a instrução dos autos de contra-ordenação e a aplicação das coimas (DL 446/85: n.º 1 do artigo 34 – A).
4. Os aspectos imbricados eminentemente nos preços cabem, isso sim, à entidade reguladora do mercado – a ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (DL 138/90, repub. pelo DL 162/99: n.º 1 do art. 12).
5. Donde, o Banco de Portugal se não poder eximir às responsabilidades que lhe cabem neste particular sempre que, como condição geral dos contratos, figure a que exclua a moeda com curso legal ou forçado, que não pode ser descartada da contratação.
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário