sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Consultório do Consumidor


"por razões que nos escapam não veio hoje a lume o consultório que "as Beiras" publicam usualmente às sextas-feiras."

 

‘AFASTA,   AFASTA   O   MEU DEDAL… COMO O DINHEIRO COM CURSO LEGAL?

 Apetecia cantarolar, ao jeito da Beatriz Costa na ‘Canção de Lisboa’: ai chega, chega, chega , chega a minha agulha…

Cenário

§  Local: Leroy Merlin em Oeiras (Oeiras Parque).

§  Dia/Hora: Domingo, à tarde, cerca  das 16.00h

§  Havia habitualmente nesta loja 3 ou 4 caixas com atendimento presencial onde se podia pagar com dinheiro e com cartão. Adicionalmente, havia 3 ou 4 pontos de pagamento em regime self service e só com base no cartão.

§  No dia indicado, havia apenas 2 caixas com atendimento pessoal sem que estivessem a funcionar.

§  Havia também 7 ou 8 caixas self service, e apenas numa delas se permitia o pagamento em dinheiro.

§  Nesse momento,  3 ou 4 trabalhadores que em vez de se acharem  nas caixas com atendimento presencial, andavam a pressionar os clientes para fazer pagamentos com cartão de uma forma bastante insistente, diria até demasiado e inaceitavelmente insistente.”

  Ante a factualidade revelada, cumpre oferecer a solução que decorre da lei:

 1.    Uma tal prática, pelo assédio que lhe subjaz, é qualificada pela lei como agressiva:

“É agressiva a prática comercial que, devido a assédio, coacção ou influência indevida, limite ou seja susceptível de limitar significativamente a liberdade de escolha ou o comportamento do consumidor em relação a um bem ou serviço e, por conseguinte, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.” [DL 57/2008: n.º 1 do art.º 8.º]

2.    Na aferição da prática…”atende-se ao caso concreto e a todas as suas características e circunstâncias, devendo ser considerados os seguintes aspectos:

a)    Momento, local, natureza e persistência da prática comercial;

c) Aproveitamento consciente pelo profissional de qualquer … circunstância específica que pela sua gravidade prejudique a capacidade de decisão do consumidor, com o objectivo de influenciar a decisão deste em relação ao bem ou serviço…” [DL 57/2008: n.º 2 do art.º 8.º]

 3.    A moldura sancionatória é a da contra-ordenação económica grave: grande empresa (250 ou mais trabalhadores) - coima de 12 000 a 24 000 € [DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 9/2021: sub. v da alínea b) do art.º 18].

 4.    A moeda com curso legal (notas e moedas de euro) não pode ser postergada em favor do dinheiro digital (dos cartões de pagamento electrónicos):  a Comissão Europeia define de  modo imperativo  que

 i. Os comerciantes não podem recusar pagamentos em numerário, a menos que as partes [os próprios e os consumidores] acordem entre si a adopção de outros meios de pagamento.

ii. A afixação de letreiros ou cartazes a indicar que o comerciante recusa pagamentos em numerário… não é por si só suficiente nem vinculante para os consumidores.

 iii. Para que produza efeitos, terá o comerciante de invocar fundadamente razão legítima às entidades que superintendam nos sistemas de pagamento.

 iv. Entidades públicas que prestem serviços essenciais não poderão aplicar restrições ou recusar em absoluto pagamentos em numerário… [Recomendação 2010/191/EU, de 22 de Março de 2010, JOUE de 30.03.2010]-

 1.    Sempre que em presença de situações como as descritas supra, o Banco de Portugal notificará, sob pena de crime de desobediência, as empresas que subscrevam tais atitudes em ordem a afeiçoarem-se ao regime vigente no País e na Zona Euro [Código Penal: art.º 348].

 2.    A moldura para a desobediência simples é de prisão até um ano ou multa até 120 dias; a desobediência qualificada sobra a medida abstracta da pena.

 

 EM CONCLUSÃO

a.    As práticas adoptadas pelos trabalhadores para que os consumidores sejam desviados (como que compelidos) para as caixas  em que o pagamento o é por meios digitais constitui um ilícito de mera ordenação social cominado com uma contra-ordenação económica grave: coima de 12 000 a 24 000 €, tratando-se de grande empresa [DL 57/2008: n.º 1 do art.º 8.º, nº 1 do art.º 21; DL 9/2021: sub. V, al. b) do art.º 18].

 b.    A recusa da aceitação de notas e moedas com curso legal constitui um ilícito susceptível, após notificação não acatada do Banco Central, de incorrer no tipo legal de desobediência simples cuja moldura é a  prisão até um ano e multa até 120 dias [Cód. Penal: al. b) do n.º 1 do art.º 348].

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

 

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