quarta-feira, 17 de julho de 2024

OS ÍNVIOS CAMINHOS TRILHADOS POR UM LEGISLADOR RELAPSO

 


Se compulsarmos o regime jurídico da água, em vigor em Portugal, colhemos o que segue:

· A facturação deve ter periodicidade mensal…

· A entidade gestora deve proceder à leitura real dos instrumentos de medida com uma frequência mínima de duas vezes por ano (!!!)

· E com um distanciamento máximo entre duas leituras consecutivas de oito meses (!!!)

· Nos períodos em que não haja leitura, o consumo é estimado em função do consumo médio:

• apurado entre as duas últimas leituras reais efectuadas pela entidade gestora;

• de consumidores com características similares, no território municipal, verificado no ano anterior, na ausência de qualquer leitura após a  instalação do contador.

· Tal entidade deve facultar, de forma acessível, clara e perceptível, outros meios para a comunicação das leituras (Internet, SMS, serviços postais ou  telefone) (numa abominável inversão do ónus).

· E deve emitir facturas detalhadas que incluam a decomposição dos elementos de custo que integram o serviço…

Constituição da República Portuguesa confere, como direitos fundamentais, o da protecção dos interesses económicos dos consumidores. Com tradução na Lei de Defesa do Consumidor (art.º 9.º) e expressão em domínios vários, a saber:

• a proibição de negócios ligados (“só te vendo água se me comprares gás em botija”…);

• a proibição de negócios  forçados;

• a proibição da supressão do período de reflexão (14 dias) em negócios celebrados à distância ou fora de estabelecimento;

• a reposição do equilíbrio das partes nos negócios celebrados com os prestadores de serviços públicos essenciais.

A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, no que tange aos contratos, rege no n.º 8 do art.º 8.º:

“O disposto no n.º 1 aplica-se também aos contratos de fornecimento de água, gás ou electricidade, caso não sejam postos à venda em volume ou quantidade limitados, aos de aquecimento urbano ou aos de conteúdos digitais não fornecidos em suporte material.”

E no n.º 1 se estatui que “o fornecedor… deve, tanto na fase de negociações como na da celebração do contrato, informar o consumidor de modo claro, objectivo e adequado…, nomeadamente sobre:

c) Preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o caso; …

l) As consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço.”

E na Lei dos Serviços Públicos Essenciais:

• a insusceptibilidade da suspensão de fornecimento sem se facultar ao consumidor, com uma dada antecedência, os meios de defesa que lhe permitam impugnar a decisão ou regular as prestações em dívida;

• a exigência de uma facturação completa e discriminada, que garanta o consumidor contra deficiências, erros, omissões;

• A quitação parcial quando haja parcelas impugnáveis na mesma factura, de molde a pagar-se o que se tem por líquido e a pôr em causa o remanescente sem que por tal o consumidor se constitua em mora;

• a faculdade de se rejeitar o pagamento de outros valores sempre que se trate de serviços funcionalmente dissociáveis carregados numa – e numa mesma – factura;

• a proibição de consumos mínimos e dos alugueres de contador;

• o respeito pelo equilíbrio dos orçamentos domésticos mediante curtos prazos de prescrição e de caducidade;

• elevados padrões de qualidade sob pena de reparação dos danos causados.

O princípio-regra não se esgota, porém, no que se enunciou: outras expressões conhece.

Um sem-número de corolários dele se poderá extrair, a saber:

“o consumidor pagará só o que consome, na exacta medida do que e em que consome”.

No entanto, a facturação por estimativa viola flagrantemente tal princípio. E, nessa medida, as normas em que se suporta são inconstitucionais.

A estimativa gera quer sobrefacturação, quer subfacturação:

· Quando a factura o é por excesso, prejudicado fica, de momento, o consumidor, se bem que venha mais tarde a ser, em dados termos, ressarcido;

· Quando o é por defeito, prejudicado fica aquando do encontro de contas porque isso provoca desequilíbrios, quiçá significativos, nos orçamentos domésticos.

De há muito que ‘proclamamos’ a inconstitucionalidade da estimativa.

Há que derrubar a facturação por estimativa.

Onera o consumidor e é inconstitucional!

Por que tardam as medidas?

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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