Ou “A Litigância Estratégica contra a Participação Pública”
De certa feita, um humilde cidadão da Invicta, com o carro escrupulosamente estacionado, colado à parede de casa, foi despertado por um enorme estrondo. O panorama que se lhe deparou era simplesmente desolador: um autocarro dos SMTCP, com uma manobra mal calculada, abalroou-lhe o veículo de transporte pessoal, deixando-o num “oito”!
O motorista logo dera a saber que se accionaria o seguro contra terceiros da Fidelidade (Grupo Caixa Geral de Depósitos).
O cidadão lesado aguardou pacientemente. As diligências tardavam.
Dos Serviços remeteram-no, sem mais, para a Fidelidade.
As exigências da Seguradora subiam de tom. Responsabilidades sistematicamente denegadas. O lesado simplesmente ignorado.
O renegado munícipe do Porto dirigira-se-nos, dada a notoriedade de uma rubrica que mantínhamos num dos programas da manhã da RTP.
Recordámos ao presidente da Fidelidade os termos da lei e os acumulados prejuízos que o munícipe lesado vinha computando. Ele que nem sequer interviera no acidente. Em vão!
Recordámos-lhe ainda que incorria em prática desleal grave, amiúde ignorada, enquanto ilícito de mera ordenação social:
“Obrigar o consumidor, que pretenda solicitar indemnização ao abrigo de uma apólice de seguro, a apresentar documentos que, de acordo com os critérios de razoabilidade, não possam ser considerados relevantes para estabelecer a validade do pedido, ou deixar sistematicamente sem resposta a correspondência pertinente, com o objectivo de dissuadir o consumidor do exercício dos seus direitos contratuais.”
Em vão!
Perante o protelar da situação e a postura jactante, sobranceira (porque de empresa do sector empresarial do Estado se tratava com um estatuto aureolado de privilégios), entendemos escrever um artigo n’ O Comércio do Porto”, com um título gritante:
“A Fidelidade não é fiel a nada nem a ninguém: a quem é fiel, afinal, a Fidelidade?”
E contámos a história.
“Caiu o Carmo e a Trindade”!
Pois sua excelência o presidente da Fidelidade amofinou-se e para mostrar a força que decorria da posição de senhorio económico que a empresa detinha, entendeu mover-nos um processo-crime por “ofensa a pessoa colectiva com difamação ou injúria” com o óbvio intuito de nos atemorizar e de limitar o exercício da liberdade de expressão.
As empresas, na órbita do Estado ou na esfera privada, não podem dar-se ao luxo de “fazer o mal e a caramunha”, obrigando a que todos se verguem ao seu poderio e silenciando razões e protesto.
Pois esta acção andou alguns anos pelos sítios escaninhos da justiça, obrigando-nos a despesas, suportadas individualmente, com sucessivas deslocações ao DCIAP, a Lisboa, e a constituição de advogado, a abertura de instrução contraditória e o que tal representara…
O Ministério Público, por evidente miopia do procurador adjunto, em contraste com uma abertura de vistas, que noutros processos – movidos sempre por análogas razões – se registara, entendeu acompanhar a acusação particular deduzida pela Fidelidade.
O temor que situações do jaez destas geram, o desacompanhamento de quem se consagra a uma causa pública e se move desinteressadamente em favor dos seus concidadãos, deixa sempre uma amarga sensação de perda, de isolamento, de solidão…
Ora a recente Directiva, correntemente denominada anti-SLAPP, visa proteger, entre outros, os defensores de direitos humanos contra quem, pelo recurso aos tribunais, tende a amendrontá-los e, o que é mais, a silenciá-los, obrigando-os a encargos que em geral não estão ao seu alcance.
A Directiva Anti-SLAPP é um acto legislativo da União Europeia que visa, pois, proteger as pessoas que se pronunciam sobre questões de interesse público contra acções judiciais abusivas destinadas a fazê-las calar. SLAPP é a sigla para “Strategic Lawsuits Against Public Participation” (Acções Judiciais Estratégicas Contra a Participação Pública).
Esperamos, na esteira do que reclama a Frente Cívica, que o Parlamento (ou o Governo), consoante o caso, não tarde em legislar em reforço do direito à liberdade de expressão para que os detentores do poder económico ou político não possam agir a seu bel talante e contra o que na ”salus publica” entronca e no mais legítimo direito à liberdade de expressão.
Que não tarde a transposição da directiva!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
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