ORÇAMENTO, ORÇAMENTO,
MERO APONTAMENTO
PARA DESREGRADO ACRESCENTO?
“Necessitando que me ajustassem as portas de uns armários da cozinha, pedi orçamento. O profissional, de Coimbra, avançou: “isso fica entre 150 e 200 €”…
Estiveram dois homens pouco mais de uma hora a fazer o trabalho que não precisou de quaisquer materiais: foi cortar, ajustar e aparafusar.
No fim, a conta: 300 € mais IVA…
Perguntei-lhe pelos valores do orçamento, aliás, verbal. Resposta pronta: ah! Isso é só uma estimativa!”
Apreciada a situação, cumpre emitir opinião:
1. A relação jurídica de que se trata é de consumo (de um lado, um prestador de serviços e, do outro, o consumidor final).
2. O DL 10/2015, de 16 de Janeiro, estabelece, no seu artigo 39 (em complemento do que prescreve o DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20) o que segue:
2.1. Se o preço não for pré-determinado nem for possível indicá-lo com precisão, o prestador de serviços - em função da concreta prestação a que se obriga - , fornecerá, a instâncias do cliente, um orçamento detalhado de que conste:
§ Nome, morada do estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico;
§ Identificação fiscal e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do prestador de serviços;
§ Nome, domicílio e identificação fiscal do consumidor;
§ Descrição sumária dos serviços a prestar;
§ Preço dos serviços a prestar, o que deve incluir:
§ Valor da mão-de-obra a utilizar;
§ Valor dos materiais e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;
§ Datas de início e fim da prestação do serviço;
§ Forma e condições de pagamento;
§ Validade do orçamento.
2.2. O orçamento, pela natureza e conteúdo, deve ser prestado em suporte duradouro (em papel ou em qualquer outra base).
3. O orçamento ou é gratuito ou oneroso.
4. Se oneroso, o preço não excederá os custos efectivos da elaboração.
5. O preço pela sua elaboração descontar-se-á no do serviço, sempre que tal vier a ser executado.
6. O orçamento vincula o prestador nos seus precisos termos, tanto antes como após a aceitação expressa pelo consumidor.
7. A violação de quanto a tal propósito se dispõe é passível de coima: contra-ordenação económica grave que, em se tratando de micro-empresa (de 1 a 9 trabalhadores) se fixa entre 1 700,00 a 3 000,00€ (DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20; al. b) do n.º 1 do art.º 24; DL 09/2021: art.º 112)
8. A indicação do preço, ainda que de prestação de serviços se trate, tem de obedecer à Lei dos Preços de 26 de Abril de 1990: preço é o preço global em que se incluem todos os impostos, taxas e os encargos que nele se repercutam (DL 138/90, de 26 de Abril: art.º 10.º e n.º 5 do art.º 1.º).
8.1. Ao preço não pode, pois, acrescer autonomamente o IVA: o preço pressupõe a inclusão do IVA.
8.2. Se se indicar um dado preço e, no final, se imputar o IVA, fazendo-o acrescer ao valor dado, para além da contra-ordenação enunciada haverá, se bem nos parece, um crime de especulação.
8.3. O crime de especulação tem, como moldura penal, prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: artigo 35).
09. Deve o consumidor lavrar a sua denúncia no Livro de Reclamações: ou em suporte físico ou no ‘formato’ electrónico (DL 156/2005:).
10. Desde que disponha de elementos de prova, deve denunciar o facto à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (que é também órgão de polícia criminal que de um tal feito se ocupará).
EM CONCLUSÃO
a. À solicitação de um orçamento deverá corresponder a entrega ao consumidor de um documento, em papel passado ou noutro suporte duradouro (DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20; DL 10/2015: art.º 39).
b. O orçamento verbal (a inobservância de forma) constitui uma contra-ordenação económica grave (DL 92/2010: al. b) do n.º 1 do art.º 24, DL 10/2015: art.º 143; DL 09/2021: art.º 112 ).
c. Preço é o preço total em que se incluem os impostos, taxas e mais encargos (tanto nos produtos como nos serviços) (DL 138/90: n.º 5 do art.º 1.º; artigo 10.º)
d. A mera indicação de um preço a que, no final, se faz acrescer o IVA, para além de contra-ordenação económica grave (DL 138/90: art.º 11.º; DL 09/2021: art.º 22), constitui ainda
e. Crime de especulação com pena de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: art.º 35)
f. Participação à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (DL 138/90: art.º 12…)
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DOCONSUMO - Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário