sexta-feira, 26 de abril de 2024

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR


 

(edição de 26 de Abril de 2024)

ORÇAMENTO, ORÇAMENTO,

MERO APONTAMENTO

PARA DESREGRADO ACRESCENTO?

 

 “Necessitando que me ajustassem as portas de uns armários da cozinha, pedi orçamento. O profissional, de Coimbra, avançou: “isso fica entre 150 e 200 €”…

Estiveram dois homens pouco mais de uma hora a fazer o trabalho que não precisou de quaisquer materiais: foi cortar, ajustar e aparafusar.

No fim, a conta:  300 € mais IVA…

Perguntei-lhe pelos valores do orçamento, aliás, verbal. Resposta pronta: ah! Isso é só uma estimativa!”

Apreciada a situação, cumpre emitir opinião:

1.         A relação jurídica de que se trata é de consumo (de um lado, um prestador de serviços e, do outro, o consumidor final).

2.         O DL 10/2015, de 16 de Janeiro, estabelece, no seu artigo 39 (em complemento do que prescreve o DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20) o que segue:

2.1.     Se o preço não for pré-determinado nem for  possível indicá-lo com precisão, o prestador de serviços - em função da concreta prestação a que se obriga - , fornecerá, a instâncias do cliente, um orçamento detalhado de que conste:

§          Nome, morada do estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico;

§          Identificação fiscal e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do prestador de serviços;

§          Nome, domicílio e identificação fiscal do consumidor;

§          Descrição sumária dos serviços a prestar;

§          Preço dos serviços a prestar, o que deve incluir:

§          Valor da mão-de-obra a utilizar;

§          Valor dos materiais e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;

§          Datas de início e fim da prestação do serviço;

§          Forma e condições de pagamento;

§          Validade do orçamento.

2.2.     O orçamento, pela natureza e conteúdo, deve ser prestado em suporte duradouro (em papel ou em qualquer outra base).

3.         O orçamento ou é gratuito ou oneroso.

4.         Se  oneroso, o preço não excederá os custos efectivos da elaboração.

5.         O preço pela sua elaboração descontar-se-á no do serviço, sempre que tal vier a ser executado.

6.         O orçamento vincula o prestador nos seus precisos termos, tanto antes como após a aceitação expressa pelo consumidor.

7.         A violação de quanto a tal propósito se dispõe é passível de coima: contra-ordenação económica grave que, em se tratando de micro-empresa (de 1 a 9 trabalhadores) se fixa entre 1 700,00 a 3 000,00€ (DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20; al. b) do n.º 1 do art.º 24; DL 09/2021: art.º 112)

8.         A indicação do preço, ainda que de prestação de serviços se trate, tem de obedecer à Lei dos Preços de 26 de Abril de 1990: preço é o preço global em que se incluem todos os impostos, taxas e os encargos que nele se repercutam (DL 138/90, de 26 de Abril: art.º 10.º e n.º 5 do art.º 1.º).

8.1.     Ao preço não pode, pois, acrescer autonomamente o IVA: o preço pressupõe a inclusão do IVA.

8.2.     Se se indicar um dado preço e, no final, se imputar o IVA, fazendo-o acrescer ao valor dado, para além da contra-ordenação enunciada haverá, se bem nos parece,  um crime de especulação.

8.3. O crime de especulação tem, como moldura penal, prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: artigo 35).

09.     Deve o consumidor lavrar a sua denúncia no Livro de Reclamações: ou em suporte físico ou no ‘formato’ electrónico (DL 156/2005:).

10. Desde que disponha de elementos de prova, deve denunciar o facto à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (que é também órgão de polícia criminal que de um tal feito se ocupará).

 

EM CONCLUSÃO

a.    À solicitação de um orçamento deverá corresponder a entrega ao consumidor de um documento, em papel passado ou noutro suporte duradouro (DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20; DL 10/2015: art.º 39).

 

b.    O orçamento verbal (a inobservância de forma) constitui uma contra-ordenação económica grave (DL 92/2010: al. b) do n.º 1 do art.º 24, DL 10/2015: art.º 143; DL 09/2021: art.º 112 ).

 

c.    Preço é o preço total em que se incluem os impostos, taxas e mais encargos (tanto nos produtos como nos serviços) (DL 138/90: n.º 5 do art.º 1.º; artigo 10.º)

 

d.    A mera indicação de um preço a que, no final, se faz acrescer o IVA, para além de contra-ordenação económica grave (DL 138/90: art.º 11.º; DL 09/2021: art.º 22), constitui ainda

 e.    Crime de especulação com pena de 6 meses a 3 anos e multa não  inferior a 100 dias (DL 28/84: art.º 35)

 f.      Participação à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (DL 138/90: art.º 12…)

 Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DOCONSUMO - Portugal



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