segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

"Máquinas são para respostas; seres humanos, para perguntas"[1] Kevin Kelly


Aos poucos, um texto bem escrito surge na tela. É uma análise detalhada de um processo jurídico, contendo a descrição dos fatos, os pontos controvertidos, a questão central, as normas aplicáveis, os argumentos das partes e os respectivos pedidos. A profundidade da resposta daria a entender que o material foi elaborado após horas de pesquisa meticulosa e redação cuidadosa por um jurista experiente. No entanto, o texto foi produzido pelo ChatGPT em poucos segundos. Sim, poucos segundos.

Parece um futuro distante, mas não é. Esse já é o dia a dia de muitos juristas, inclusive juízes e juízas, que estão sendo treinados para usar o ChatGPT de forma cuidadosa, ética e eficiente. Desde o início do ano, estamos ministrando um curso de escrita jurídica com o ChatGPT, credenciado pela Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados), em que mostramos as potencialidades, os limites e os riscos do uso da inteligência artificial generativa.

No curso, ensinamos não só a teoria por trás do ChatGPT, mas sobretudo a sua correta aplicação prática. E isso vai muito além da melhoria da redação jurídica, correção de erros gramaticais ou produção de minutas. Dominando a ferramenta de modo adequado, sobretudo no modo interpretativo e interativo, é possível usar o ChatGPT para orientar na formulação de quesitos, propor possíveis perguntas em audiência, ajudar na valoração de provas textuais, mapear argumentos, estruturar o pensamento com layouts configurados pela finalidade, fornecer análises jurídicas preliminares, gerar ementas ou relatórios de modo automático, inserir figuras de estilo e de retórica para melhorar a elegância do texto, aprimorar o poder de persuasão, construir hipóteses contrafactuais e mostrar diversas perspectivas de um problema.

Tudo isso nos leva a algumas inquietações: esse uso abrangente do ChatGPT na atividade jurídica tende a atrofiar as nossas capacidades cognitivas ou, em vez disso, estamos abrindo um novo mundo de possibilidades para expandir o pensamento? Estamos colocando em risco a profundidade de nossa própria análise ao permitir que uma máquina contribua com sugestões? Será que isso não irá gerar uma preguiça mental e uma dependência tecnológica que nos deixará incapacitados de pensar criticamente sem o auxílio da inteligência artificial?

A reposta é sim e não.


(Continua)

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