terça-feira, 7 de março de 2023

ACÇÃO COLECTIVA EUROPEIA

 



QUANDO É QUE PORTUGAL SE PROPÕE TRANSPOR A DIRECTIVA DE 25 DE NOVEMBRO DE 2020

QUE VERSA SOBRE A ACÇÃO COLECTIVA EUROPEIA PARA TUTELA DE INTERESSES E DIREITOS COLECTIVOS DOS CONSUMIDORES?

 Portugal regista um atraso significativo na transposição da Directiva da Acção Colectiva Europeia que deverá entrar em vigor a 25 de Junho de 2023

A directiva, que deveria estar transposta até 25 de Dezembro de 2022, prevê regras cautelares acerca do financiamento de acções colectivas ressarcitórias (em que se requeira uma indemnização pelos danos colectivos causados aos consumidores).

Se os direitos nacionais permitirem que terceiros financiem acções colectivas para tutela de interesses e direitos dos consumidores,  os Estados-membros terão de assegurar  que se evitem, no seu seio, conflitos de interesses.

Curial será que o financiamento por terceiros com interesse económico na instauração ou no resultado de uma acção do jaez destas, a não desvie da efectiva protecção dos direitos e interesses colectivos dos consumidores.

Para o efeito, assegurarão os Estados, em particular, que:

§  As decisões tomadas pelas entidades dotadas de legitimidade processual,  em que se incluem os acordos de indemnização (as transacções), não sejam indevidamente influenciadas por terceiro, de tal forma que prejudiquem os interesses colectivos dos consumidores;

 §  A acção colectiva não seja intentada contra um demandado que seja concorrente do financiador ou de quem o financiador dependa.

 Os tribunais gozarão de poderes para exigir do demandante que apresente uma síntese financeira de que constem as fontes de financiamento e seus termos: exigindo-se-lhe que proceda a alterações, se for o caso, ou não lhe reconhecendo, em consequência, a legitimidade processual para a acção ou ulterior intervenção.

Outro dos relevantes aspectos sobre que há-de debruçar-se o legislador nacional é o que se prende com os Fundos Abutres que por aí vicejam e inquinam a linearidade das acções propostas, já que tais Fundos  tendem a ficar com a parte de leão do bolo indemnizatório decorrente das condenações.

Ao contrário do que sucede com a acção popular, que a Constituição de 1976 prevê no n.º 3 do seu artigo 52, em que se confere legitimidade processual  aos cidadãos individualmente consagrados, a Directiva da Acção Colectiva (e a União Europeia sempre mostrou reservas face aos cidadãos para se distanciar dos Estados Unidos onde a cada um e a todos  se outorgam ‘poderes« para instaurar  as class actions) não contempla a intervenção dos consumidores, antes de entidades qualificadas, como as denomina, que têm de reunir um sem número de requisitos, a saber:

·         Os Estados-membros asseguram que a legitimidade para as acções colectivas … se cometa a entidades qualificadas.

 ·         Asseguraram ainda que as instituições de consumidores, inclusive as transfronteiriças, em que se envolva um ou mais Estados-membros, se dotem de legitimidade para acções colectivas nacionais, transfronteiriças ou em que reúnam ambas as valências

 

·         Para o efeito, força é que obedeçam aos seguintes requisitos:

 §  Se trate de pessoa colectiva constituída nos termos do direito nacional com, pelo menos, 12 meses de actividade pública efectiva na tutela dos  interesses dos consumidores;

 §  Figure no objecto social um interesse legítimo na protecção dos direitos do consumidor;

 §  De escopo não egoístico (não pode dedicar-se a actividades de cariz lucrativo);

 §  Sem eventual processo de insolvência pendente nem formal declaração de insolvência;

 §  Dotada de Independência, sem influência de não consumidores, em especial de empresários com interesse económico em acções colectivas, nomeadamente no caso de financiamento por terceiros, ante a adopção de procedimentos tendentes a  impedir uma tal influência e bem assim de molde a coibir conflitos de interesses no seu seio, com os financiadores e os  interesses dos consumidores;

 §  Torne acessível publicamente, em linguagem clara e inteligível, por qualquer meio adequado, em especial no seu sítio Web, informações acerca dos seus objectivos,

 §  as fontes de financiamento em geral, a sua estrutura organizativa, de gestão e de participação, o seu objecto social e as actividades que nela se desenrolam.

 ·         Asseguram ainda que os critérios que presidem à legitimatio ad causam para acções colectivas nacionais se compaginem com os objectivos  da directiva, a fim de assegurar o funcionamento eficaz e eficiente de tais meios de acção.

 ·         É lícito aos Estados-membros aplicar os enunciados  critérios à outorga de legitimidade para as acções colectivas nacionais.

 ·         Os Estados-membros podem definir ad hoc a legitimatio ad causam, para uma dada acção colectiva nacional, a instâncias de uma dada entidade, desde que cumpra os critérios para o efeito.

 ·         Os Estados-membros podem designar ainda organismos públicos como entidades dotadas de legitimidade para instaurar acções colectivas (o que, aliás, já sucede connosco, quando se comete quer ao Ministério Público, quer à Direcção-Geral do Consumidor, legitimidade processual activa).

Outros e tão relevantes aspectos ali se suscitam.

De momento, ignora-se qual a marcha do processo de transposição quando, na realidade, o menosprezo por estas iniciativas deveria estar banido dos objectivos a que Governo e Parlamento tendem a alcançar.

Urge que a Directiva “Acção Colectiva Europeia” seja transposta sem mais compassos de espera.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal


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