“Comprei uns aparelhos auditivos há 5 anos. Custaram-me, na altura, uma fortuna: 5.000 €. Um deles está avariado. Por não estarem a funcionar convenientemente, voltei à casa que mos havia vendido. Dizem-me que o aparelho não tem reparação: que há uns novos, mais caros, mas mais ‘performantes’, por 6.000 €. E que o preço não é problema. Terei sempre a hipótese de recorrer a um crédito por 5 anos, que fica numa ‘ninharia’ por mês…
Descontinuaram o produto, sem mais estas nem aquelas. E, agora, nem assistência lhe dão?”
RESPOSTA:
1. O princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor, que está na Constituição, visa em todos os actos de consumo garantir o consumidor contra os artifícios, as sugestões e embustes do mercado com prejuízo da sua bolsa.
2. E tem expressão na Lei de Defesa do Consumidor - LDC, no seu artigo 9.º, em múltiplos aspectos da vida corrente dos consumidores.
3. Eis três das hipóteses aplicáveis à situação descrita, os n.ºs de 5 a 7 de um tal artigo:
3.1.“O consumidor tem direito à assistência pós-venda, com incidência no fornecimento de peças e acessórios, pelo período de duração média normal dos produtos fornecidos.”
3.2.“É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros [como no caso do financiamento encavalitado na venda dos aparelhos].
3.3.“É vedado ao profissional a adopção de quaisquer técnicas através das quais o mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens.”
4. Este último dispositivo prende-se com a denominada obsolescência programada, que – para além do mais – constitui crime em determinados ordenamentos jurídicos, v.g., em França.
5. A Nova Lei das Garantias, conquanto se aplique só aos actos de consumo posteriores a 1 de Janeiro deste ano, tem um artigo que é interpretativo da LDC no que toca à assistência pós-venda:
5.1. É o artigo 21.º, sob a epígrafe “Serviço pós-venda e disponibilização de peças”
“1 — Sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade do profissional ou do produtor pela falta de conformidade dos bens, o produtor é obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor, durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respectivo bem.
…
4 — No momento da celebração do contrato, o fornecedor deve informar o consumidor da existência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável e, no caso dos bens móveis sujeitos a registo, da existência e duração do dever de garantia de assistência pós-venda.”
6. Aliás, os 10 anos - que traduzem, em geral, o ‘tempo útil de vida’ dos produtos -emergem já quer do regime da Responsabilidade do Produtor por Produtos Defeituosos de 6 de Novembro de 1989, quer da Lei Antiga das Garantias.
Se não, vejamos:
6.1.Responsabilidade do Produtor por Produtos Defeituosos [violação da obrigação geral de segurança]:
“Artigo 12.º
Caducidade
“Decorridos 10 anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano, caduca o direito ao ressarcimento, salvo se estiver pendente acção intentada pelo lesado.”
6.2.Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 2003:
Artigo 6.º
Responsabilidade directa do produtor
…
2 - O produtor pode opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor verificando-se qualquer dos seguintes factos: …
e) Terem decorrido mais de 10 anos sobre a colocação da coisa em circulação.”
7. Ademais, há sempre lugar, por direitas contas, à indemnização pelos danos patrimoniais [materiais] e não patrimoniais [morais] causados ao consumidor, de harmonia com o n.º 1 do artigo 12 da LDC.
EM CONCLUSÃO
1. A denegação de assistência técnica em aparelhos adquiridos há 5 anos constitui violação de norma imperativa da LDC: n.º 5 do artigo 9.º
2. O tempo médio de vida útil de cada um dos produtos, salvo excepção, é de 10 anos, por aplicação paralela de leis em vigor: DL 383/89: art.º 12; DL 67/2003: al. e) do n.º 2 do art.º 6.º; DL 84/2021: al. e) do n.º 2 do art.º 40.
3. Se a denegação persistir, ao consumidor cabe lançar mão do instituto da responsabilidade civil a fim de ser ressarcido dos prejuízos materiais e morais causados: LDC: n.º 1 do art.º 12.
Este é, salvo melhor juízo, o nosso gracioso parecer.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC _ DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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