A primitiva lei, datada de 22 de Agosto de 1981, perfará dentro de dias 41 anos.
“Menos leis, melhor lei!”
Já o escrevemos noutro ensejo:
“Nada pior que a dispersão. Nada melhor que a condensação, que a fusão da multitude de diplomas esparsos que por aí campeiam, em consequente esforço tendente à simplificação, à eliminação das excrescências que poluem o ordenamento.”
“Um Código é, segundo as enciclopédias: colecção, compilação de leis, regulamentos, preceitos, convenções, fórmulas, regras…
O vocábulo código vem do latim codex ou caudex.
Os comerciantes designavam codices accepti et recepti os seus livros de escrituração e os simples títulos ou documentos públicos eram também codices: daí advém o nome por que se intitulavam os maços de documentos antigos recolhidos nos arquivos e bibliotecas.
Porém, só no século III é que o termo codex foi aplicado a colecções de leis.
Daí que se registem os Códigos Gregoriano, Teodoniano e Justinianeu”.
A palavra código reveste hoje, porém, um sentido eminentemente técnico.
Não lhe quadra tão só o conceito que visa a exprimir simples colecções, compilações ou incorporações de leis: código é um corpo jurídico ordenado sintética e sistematicamente de harmonia com um plano, metodológico e científico, susceptível de abarcar as regras que a determinado ramo de direito ou acervo normativo, segundo os melhores juízos, compitam.
Um Código de Direitos do Consumidor afigurar-se-nos-ia, ao tempo, adequado: nele se compendiariam as regras, de harmonia com um quadro próprio, vertidas em inúmeros domínios susceptíveis de recondução à temática do consumo e à sua interconexão com os consumidores (para abarcar os que Jean Calais-Auloy, emérito Mestre, considera constituírem o núcleo essencial da disciplina).
O direito do consumo é considerado em diferentes latitudes como um ramo de direito, dotado de autonomia, com particulares complexidades, é facto, dada a sua transversalidade.
O direito do consumo tem objecto próprio, método próprio, dispõe de princípios contradistintos dos mais ramos de direito privado. Tal como o direito comercial e o direito do trabalho. E, no entanto, continua a negar-se-lhe, entre nós, autonomia e a pretender-se que o Código é ou utopia ou rematado disparate de uma perspectiva lógico-construtiva.
O Código seria o modelo de organização mais simples em que se enunciariam e desenvolveriam princípios e nele se plasmariam congruentes regras.
Milhares de diplomas esparsos, incoerentes na sua concepção, no seu desenho original, incongruentes nas soluções a que tendem, sobreponíveis, plenos de brechas, de lapsos, de omissões, de lacunas, dominam este peculiar segmento do universo jurídico.
Há quem entenda, num seguidismo germânico de proscrever, que tais matérias (residualmente?) deveriam figurar no Código Civil porque a tanto vocacionadas.
Há quem entenda que a solução da codificação é catastrófica porque de direito em constante mutação se trata. Que as normas não são definitivas. Que se não pode cristalizar em acervo de regras estanque algo que é volúvel e voga ao sabor da evolução, do progresso da ciência, em constante fluir, em mutação contínua, das apetências das políticas legislativas…
Afinar por um tal diapasão significa ignorar a capacidade de previsão do direito, as técnicas de modelação ou de plasticização de que o direito se socorre para captar condutas e lhes definir o sentido. A generalidade e abstracção da norma jurídica. De outro modo, ignora-se não só a realidade e a mutabilidade dos factos como as técnicas de que o legislador se socorre para acudir às situações do quotidiano.
Um Código de Direitos do Consumidor seria um primeiro passo para a dignificação do direito do consumo, como o imaginávamos nos primórdios.
Com a ponderação que decorre de anos de profunda reflexão, inclinamo-nos, de momento, não para um Código de Direitos do Consumidor, antes para um Código de Contratos de Consumo. Tal o acervo resultante de inúmeros diplomas avulsos com a chancela da obra regulamentar e legislativa das instâncias legiferantes da União Europeia.
O facto é que a dispersão de diplomas no particular dos contratos típicos de consumo (e tantos são, e disso nem sempre o vulgo se apercebe), ampliados superlativamente, conduz hoje em dia a que obtemperemos.
Ainda há tempos, mais um diploma veio a lume – o de certos aspectos da compra e venda (e da empreitada e de outras prestações de serviços, como da locação), para além dos conteúdos e serviços digitais e das plataformas digitais, a engrossar a fileira da legislação avulsa que por aí grassa: quando se poderia entrever o ensejo como o da disciplina, em extensão e profundidade, do contrato de compra e venda de consumo.
Proposta que carreámos, mas a que se não deu qualquer importância nas esferas do poder.
Para além de inúmeras alterações decorrentes da denominada “Directiva Omnibus” de 2019… que surgiram em inúmeros diplomas internos, cuja disciplina entrou em vigor a 28 de Maio pretérito.
A ruinosa experiência havida, entre nós, com um anteprojecto bizarro, que marinou durante mais de uma década à mercê de comissão de pretensos “experts” que soçobrou perante um dilúvio de críticas, remeteu fragorosamente ao silêncio Parlamento, Governo (com o providencial ‘veto de gaveta’ de Fernando Serrasqueiro, ao tempo secretário de Estado da Defesa do Consumidor) e jurisconsultos de nomeada, como se a solução vigente (a do cúmulo de diplomas legais que recrudesce, que exponencia a “obesidade” do sistema a cada dia) fosse a mais curial…
Na Europa, o exemplo da França, o de um código-compilação, que não de um código de raiz, mercê de dificuldades formais que tendiam a tornar ciclópica a tarefa, é, a todas as luzes, de uma grandeza plena de significações.
Um código-compilação `”à droit constant”, susceptível, pois, de actualização permanente, um código aberto, apto a recolher todas as inovações, como ora se observa.
Que, entre nós, não tarde um Código-compilação do estilo, mas em que se expurguem as excrescências e se sistematize uma parte geral que discipline a mancheia de contratos típicos e, depois, se ocupe autonomamente das especificidades de cada um quanto à constituição, modificações e extinção, é algo de que carecemos instantemente em Portugal em obediência à máxima: “menos leis, melhor lei”!
Um código do jaez destes cumpriria, entre nós, um papel de largo alcance em termos de inteligibilidade das leis, da sua acessibilidade, da sua efectiva vigência, da sua observância em todos os estratos do cosmos jurídico.
Também neste particular Portugal carece de ordem e disciplina para que os direitos se sustentem e efectivem e o direito triunfe!
Direito que se não conhece é direito que se não aplica!
Inclinamo-nos ora, por conseguinte, mais por um Código-compilação de Contratos de Consumo do que por um código de raiz de Direito do Consumo ou de Direitos do Consumidor. Mas com uma estrutura singular, como já o propusemos noutro momento e com maior detalhe.
A menos que os detentores do poder entendam que preferível será enveredar pela tipologia de um código de raiz, conquanto se não adultere nem subverta a essência dos instrumentos normativos da União Europeia que lhes servem de suporte, mormente quando se trata de directivas-quadro, a saber, de normas maximalistas de protecção, insusceptíveis de flutuações com a outorga de níveis de tutela tanto inferiores como superiores.
É uma tarefa exaltante que o CEDC - Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra, adstrito à apDC, estará em condições de empreender se uma tal missão lhe for cometida.
Dos contratos de fornecimento de serviços de interesse económico geral aos de serviços fúnebres sociais há um largo espectro a regular de forma consequente, que o quadro actual (mal) oferece de modo avulso, incongruente, desconexo… e a que há que pôr cobro instantemente!
Em Portugal, porém, poder-se-ia encetar o passo primeiro, longe dos corredores que “eternizam” o labor e servem de freio aos mais nobres propósitos.
Apostem na “expertise” do CEDC e os resultados não tardarão!
Mário Frota
presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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