sexta-feira, 24 de setembro de 2021

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

Facturação por estimativa

É, pois, inconstitucional

Frustra não só a expectativa

Como “mete a mão” no bornal…

 “Apresentaram-me uma factura da luz anormalmente elevada. Fui verificar o contador e a estimativa – porque é de facturação por estimativa que se trata – está muito para além do consumo real. Telefonei, antes ainda de esgotado o prazo de pagamento, a referir o facto, mas – ao cabo de inúmeros telefonemas falhos – lá consegui que me atendessem, se bem que a resposta não me tivesse convencido nem adiantado nada: que pague que na factura seguinte terei o estorno. Ora, como é que eu vou pagar algo que não devo? Para, não sei quando, receber o que paguei em excesso, não por vontade própria, mas por exigência alheia?”

Analisados os factos, cumpre oferecer a solução que dos princípios e normas é possível extrair:

1.    A Constituição da República inscreve, no título dos direitos económicos, sociais e culturais, os direitos do consumidor como fundamentais.

 2.    E, no n.º 1 do seu artigo 60, proclama:

 “Os consumidores têm direito… à protecção dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.”

 3.    A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 31 de Julho de 1996 define, no n.º 1 do seu artigo 9.º, sob a epígrafe “direito à protecção dos interesses económicos”:

 “O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.”

 4.    Como corolário do princípio da protecção dos interesses económicos dos consumidores emerge o de que “o consumidor pagará só o que consome na exacta medida do que e em que consome”.

 5.    Por conseguinte, não é lícito que o consumidor pague o que excede o seu consumo real: essa exigência esbarra em princípio com assento constitucional.

 6.    Logo, a facturação por estimativa, conquanto haja eventualmente normativos a suportá-la, é inconstitucional: porque gera quer facturação por excesso – a sobrefacturação – quer facturação por defeito – a subfacturação; em qualquer das hipóteses, há uma afronta aos orçamentos domésticos e aos seus equilíbrios, quer por se pagar a mais, quer por se pagar a menos com os encontros de contas com números excessivos que “queimam” as mãos às famílias e aos consumidores.

 7.    Daí que, de posse dos dados do consumo real, cumpra ao consumidor formular a sua reclamação no Livro respectivo (em suporte físico como na versão digital), tão logo se lhe apresente a factura, indicando, com rigor, o que o contador regista e recusando-se a efectuar o pagamento no tempo e no lugar próprios.

 8.    Não tem, ao contrário do que se propala e, quantas vezes, aparece de forma sorrateira no clausulado dos contratos, de “pagar primeiro e reclamar depois”: estamos perante serviços público essenciais, é facto, mas é de contratos privados que se trata: e aí o consumidor pode recusar a sua prestação se a contraparte, o fornecedor, não apresentar, com rigor, a factura de que se trata.

 9.    E só lhe compete pagar, no tempo a tanto consignado, após resolução da reclamação que tiver formalmente deduzido.

 10. Ademais, não tem de temer eventuais represálias, como as do “corte”, porque até 31 de Dezembro, de harmonia com o Decreto-Lei n.º 56-B/21, de 07 de Julho (artigo 3.º) tal se achar vedado: Garantia de acesso aos serviços essenciais”

“1 - Até 31 de Dezembro de 2021 não pode ser suspenso o fornecimento dos seguintes serviços essenciais…:

a)      Serviço de fornecimento de água; b) Serviço de fornecimento de energia eléctrica; c) Serviço de fornecimento de gás natural; d) Serviço de comunicações electrónicas.”

11. Se, ainda assim, se permitirem efectuar o corte, assiste ao consumidor uma indemnização por danos materiais e morais causados pelo fornecedor, algo que pode reclamar nos tribunal arbitral de conflitos de consumo competente.

 EM CONCLUSÃO

a.    O consumidor não tem de pagar facturas dos serviços essenciais que excedam (ou contenham valores inferiores aos d)o consumo real.

b.    Cabe-lhe protestar do montante no Livro de Reclamações, indicando o que os instrumentos de medida apresentam de consumo tão logo a factura lhe seja presente.

c.    Conquanto se trate de serviços públicos essenciais, os contratos são privados e, nessa medida, não tem de “pagar primeiro e reclamar depois”, como por aí erroneamente se propala.

d.    Está vedado aos serviços efectuar o “corte” até 31 de Dezembro p.º f.º

 

Mário Frota

 

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

DIÁRIO “As Beiras”

Sexta-feira, amanhã, 24 de Setembro de 21

 

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