“Um toque suave, um indivíduo
bem apessoado, de cativante linguagem e com uma proposta para reduzir a minha
factura de energia eléctrica.
Uma prosa prolongada. Nem
sempre fáceis de digerir os termos.
Quando concluiu, pedi-lhe
naturalmente que me deixasse o escrito com as cláusulas do contrato para
ponderar e que passasse noutro dia para saber se, afinal, eu aceitava tais
termos e condições.
Um não peremptório! Que o
contrato só me viria a parar às mãos uma vez assinado pela responsável
sectorial da Goldenergy.
Ainda tentei argumentar sem
resultado. Pior para ele: não assinei o contrato.
Não tenho de conhecer
previamente as cláusulas de um contrato em que nada posso mudar porque de
antemão redigido?”
Com efeito, é algo que parece
normal segundo a sã razão das coisas.
E as leis vão nesse sentido.
A dos Contratos de Adesão (A
Lei das Condições Gerais dos Contratos) diz expressamente no seu artigo 5.º:
§ As cláusulas… devem ser comunicadas na íntegra
aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.
§ A comunicação far-se-á:
o de modo adequado e
o com a antecedência necessária
para
que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das
cláusulas, se torne possível o seu conhecimento
o
completo e
o
efectivo
por quem use de comum
diligência.
Por
conseguinte, tem toda a razão a consumidora ao exigir do comissionista da
empresa que deixasse o clausulado do contrato para o estudar ou pedir conselhos
a quem “saiba da poda” porque tais contratos vêm, quantas vezes, numa linguagem
inacessível – o “juridiquês” – que tem de ser inteiramente descodificado e
acautelados os termos a que quem quer se vincule.
No
entanto, a atitude do comissionista não faz qualquer sentido e revela notória
deficiência formativa.
No
entanto, importa dizer que os contratos ao domicílio ou porta-a-porta estão
minuciosamente regulados pela Lei dos Contratos à Distância e Fora do
Estabelecimento de 2014.
Para
além da informação pré-contratual exigida, os contratos têm de ser reduzidos a
escrito sob pena de nulidade, os consumidores têm de ficar com um exemplar do
contrato em seu poder e dispõem, para ponderação ou reflexão, de 30 dias de
calendário (seguidos), dentro dos quais podem “dar o dito por não dito”.
Na
generalidade, em contratos do jaez destes (à distância ou fora de estabelecimento)
o período de ponderação ou reflexão é de 14 dias. Com excepção dos contratos ao
domicílio ou celebrados no decurso de uma excursão organizada pelo fornecedor.
Mas
não é tudo.
A
lei reza ainda:
“Se
o fornecedor… não cumprir o dever de informação [atinente ao período de
ponderação ou reflexão de 30 dias], o prazo para o exercício do direito de [retractação]
é de 12 meses a contar da data do termo do prazo inicial [de 30 dias].”
Se,
no decurso dos 12 meses, o fornecedor cumprir o dever de informação, o
consumidor disporá de 30 dias para se retractar [‘dar o dito por não dito’] a
partir da data de recepção de tal informação.
Portanto,
para o exercício dos direitos é indispensável que haja informação séria,
rigorosa, objectiva e adequada. Sob pena de a ignorância triunfar e os direitos
irem cano abaixo…
Os
consumidores precisam, em geral, de informação como de “pão para a boca” e de
contratos cujo clausulado não omita criminosamente direitos para que os possam
exercer sem reservas nem restrições.
Esperemos
que deste modo os leitores possam, enfim, saber o que de todo o modo lhes é
amiúde cerceado. Para que, em circunstâncias tais, possam exercer livremente os
seus direitos, sobretudo nestes contratos de adesão.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal