O consultório das sextas, regularmente publicado no diário 'As Beiras', por razões que nos escapam, não foi dado hoje a lume.
Moeda com curso legal: de Espanha bons ventos, em Portugal só lamentos?
“A Espanha, na sua Lei de
Consumidores y Usuários, tem desde 2022
uma norma segundo a qual “son
infracciones en materia de defensa de los consumidores y usuarios las
siguientes: … ñ) la negativa a
aceptar el pago en efectivo como medio de pago dentro de los límites
establecidos por la normativa tributaria y de prevención y lucha contra el
fraude fiscal.”
Portugal, disse-o agora o
Banco de Portugal, a crer na reportagem publicada a semana passada num diário
da capital, não tem norma que preveja qualquer sanção em caso de recusa de
dinheiro com curso legal para pagamento de uma transacção corrente no comércio
em geral.
Situações destas ficam
então impunes, entre nós?”
Apreciada a questão,
cumpre oferecer o que segue:
1.
A Espanha forrou o seu ordenamento de uma
norma que protege convenientemente o consumidor, no seu instrumento de eleição
– Ley General para la Defensa de Consumidores y Usuarios -, cominando para o
efeito uma sanção em caso de recusa da moeda com curso legal para pagamento de
transacções correntes, dentro dos limites da lei.
2.
Em Portugal, o Banco de Portugal tem uma
forma de acautelar a recusa de aceitação da moeda com curso legal, ao que se
nos afigura, notificando os infractores a que adeqúem a sua conduta aos termos
da lei, sob pena de desobediência.
3.
Se persistirem, ignorando a notificação, o
BdP participará o facto ao Ministério Público para a instauração do devido
processo-crime: o Código Penal comina com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias a desobediência simples
(Cód. Penal: n.º 1 do art.º 348).
4.
No entanto, desde 28 de Maio de 2022 que o
próprio BdP tem ao seu alcance, por força da Lei das Condições Gerais dos
Contratos (DL 446/85), uma moldura – a mais gravosa – para afrontar quantos se
predisponham a infringir a lei (n.º 1 do art.º 34 - A e n.º 1 do art.º 34-C).
5.
A coima, no limite, tratando-se de uma
grande empresa, atingirá os 90 000 €, a
menos que o facto se reporte a infracções generalizadas a se ou ao nível da União Europeia em que o montante das coimas
corresponderá a 4% do volume anual de negócios ou, se inexistirem elementos, até
2 000 000 €.
6.
Competente para a instrução dos autos e a
inflicção das coimas é o regulador, i. é, o Banco de Portugal (DL 446/85: n.º 1 do art.º 34 – C).
CONCLUSÃO
a. Ao
contrato do que se afirma, aliás, sem fundamento, em Portugal, a recusa de
aceitação da moeda com curso legal, nas transacções correntes e dentro dos
limites da lei, não se acha privada de uma qualquer sanção.
b. Tratando-se
de crime de desobediência, após a determinação inobservada de que o infractor
se afeiçoe aos termos da lei, a pena de multa pode ir até aos 120 dias (ou até
1 ano de prisão): Código Penal: n.º 1 do artigo 348.
c. No
entanto, desde 28 de Maio de 2022, constitui contra-ordenação económica muito grave a inserção de cláusulas de
exclusão da moeda com curso legal, em qualquer suporte, porque absolutamente
proibida (DL 446/85: al. a) do n,º 1 do art.º 21, n.º 1 do art.º 34 – A).
d. A
coima, em se tratando de grande empresa, é susceptível de atingir 90 000 €:
se corresponder a infracções generalizadas ou ao nível da União Europeia, cifrar-se-á
em 4% do volume anual de negócios; a inexistirem dados, não ultrapassará os 2
000 000 € (DL 446/85: n.º1 do art.º 34 –A; DL 9/2021: al. c) do art.º 18).
Tal
é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO
DO CNSUMO - Portugal