Comunicações electrónicas | pasto de fartos
embustes| alvo de violações crónicas |sem ninguém pelos ajustes
“Não
cessam os logros em matéria de contratos de telecomunicações.
Entre
outros preocupantes desvios, comissionistas há que no afã de ampliarem o rol de
clientes angariados, para justificarem comissões mais favoráveis, falsificam as respectivas assinaturas, atraem-nos
com ofertas que não correspondem à carta de serviços realmente prestados, veiculam
informação errónea sobre os períodos de duração dos contratos, a possibilidade
de os consumidores iniciarem novos períodos de fidelização, nas empresas para
que trabalham, que eles mesmos se encarregarão de desobrigar os seus
interlocutores dos contratos a que se acham ainda vinculados perante outras
operadoras, para além de afirmarem que os consumidores ou celebram contratos
com múltiplos serviços (pacote de serviços) ou não têm hipóteses de contratar
só, p. e., o telefone fixo ou a
internet.
E
isto sucede nas barbas de todos e, em particular, das entidades que têm como
missão defender os consumidores.
Podem
as empresas recusar-se a celebrar um
contrato só do serviço fixo de telefone? Ou só de acesso à internet?”
Extensa
a narrativa, cumpre emitir opinião de forma sintética:
1. O Regulador das Comunicações (ANACOM), com efeito, parece ter
despertado para o fenómeno e emitiu nesse sentido um comunicado exactamente
sobre tais aspectos a 25 de Fevereiro de 2022.
2. Há, nas situações descritas,
patentes casos de polícia que a cada um e a todos cumpre denunciar formalmente
no tempo e no lugar próprios sempre que tais ocorrências se lhes deparem ou
delas tenham notícia.
3. O logro da oferta dos pacotes - e
só deles – como se de um contrato em singelo se tratasse (e esteve em voga no
período que se seguiu aos incêndios florestais de 2017 e se mantém decerto
pelas vantagens que daí advêm para os comissionistas) levou a que recentemente
a ANACOM divulgasse as condenações
em que incorrera a MEO por tais práticas em
notório prejuízo dos consumidores das regiões afectadas.
4. Com efeito, o que os consumidores
de regiões deprimidas pretendiam, no caso, era o acesso ao serviço fixo de telefone e foram coagidos a contratar o pacote (do
serviço móvel à televisão por cabo) ou, ante o preço apresentado,
deixando de o fazer, privando-se de telefone e do contacto com o mundo
exterior.
5. A LDC – Lei de Defesa do Consumidor
– proíbe, no n.º 6 do artigo 9.º, “as vendas ligadas”, nestes termos:
“É
vedado ao prestador de serviços fazer depender a prestação de um serviço da
prestação de um outro ou outros.”
6.
Tal constitui prática comercial enganosa, se não mesmo
agressiva, proibida pelo respectivo diploma legal – o DL 57/2008, de 26 de
Março [alínea l) do art.º 8.º e art.º 11.º ].
7.
O Regulador, na fundamentação, considera que “as práticas adoptadas pela MEO são especialmente gravosas,
tendo em conta a vulnerabilidade (a hipervulnerabilidade) dos
consumidores, que ficaram privados dos serviços de comunicações electrónicas
durante meses, na sequência de uma catástrofe que culminou na destruição de
vidas, de bens materiais, de uma apreciável extensão de floresta e de áreas
verdes, que eram o sustento de grande parte da população residente nas zonas
afectadas pelos fogos de Junho e Outubro de 2017.”
8.
A MEO fora condenada em 329 000€,
conquanto o cúmulo jurídico permitido por lei obrigasse o Regulador a
reduzir as coimas a 48 000€,
uma bagatela ante a gravidade das infracções perpetradas pela empresa.
9.
O montante inexpressivo das coimas por 16 violações dolosas,
como pondera a ANACOM, exigiria que, em obediência aos ditames da União Europeia, os Estados-membros assegurassem a aplicação de sanções “…efectivas,
proporcionadas e dissuasivas…”, e tal valor não é suficientemente
dissuasor da adopção desse tipo de práticas no sector das comunicações.”
10. Donde, tais práticas se acharem vedadas pelo
ordenamento jurídico, tanto da União Europeia, quanto o português.
EM CONCLUSÃO
a.
As situações a que o consulente em geral se refere
constituem, as mais das vezes, autênticos casos de polícia que, como tal, têm
de ser efectivamente considerados.
b.
No que tange ao concreto caso suscitado – o da imposição de
pacotes de serviços, que não o serviço singular, autonomizado, de telefone fixo
-, os factos violam flagrantemente quer a Lei de Defesa do Consumidor (art.º 9.º
n.º 6) quer a Lei das Práticas Comerciais Desleais [art.ºs 8.º, alínea l),
11.º]
c.
As condenações infligidas à MEO pelo Regulador e que se
computariam em 329 000€, no caso dos consumidores enganadas das regiões
afectadas pelos fogos florestais de 2017, tiveram de se reduzir, por virtude do
cúmulo jurídico, a 48 000€.
d.
O próprio Regulador, alinhado com a Comissão Europeia, clama
por sanções “…efectivas,
proporcionadas e dissuasivas”, como
convém e ora não ocorre por censurável brandura do legislador pátrio.
Eis o que se nos
oferece dizer a tal propósito.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal