De um advogado do Porto:
“podem os advogados assumir o patrocínio da acções colectivas subvencionadas
por determinados Fundos que de todo os subordinam a suas ordens e instruções,
limitando a direcção do processo para que foram mandatados por instituição legitimada para as instaurar?”
Ponderando, cumpre
responder:
1. O
tema é actual e prende-se com o financiamento por terceiros das acções
colectivas indemnizatórias que ora pululam, entre nós, mormente no Tribunal da
Concorrência, em Santarém.
2.
Uma sociedade de advogados solicitara já parecer
ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados acerca da “compatibilidade do
exercício da advocacia e, em particular do patrocínio forense, quando o
financiamento de uma acção judicial e dos honorários do mandatário da entidade
que inicia a acção são exclusivamente assegurados por uma terceira entidade,
que não é parte na acção, gozando tal entidade de prerrogativas relativas à condução
do processo judicial, designadamente no que respeita ao acesso ao processo, ao
direito à informação, ao controlo da escolha dos mandatários, à possibilidade
de transigir quanto ao objecto da acção, à discussão prévia de certas decisões,
ao direito de estar presente em audiências e à derrogação do sigilo
profissional.”
3. A
apreciação do Conselho Geral não é nada lisonjeira para os advogados que
assumem, nessas condições, um tal patrocínio: “ressalta de imediato uma violação clara e inequívoca
do artigo 92 do Estatuto da Ordem dos Advogados. Na verdade a desvinculação ao
Sigilo Profissional não está na livre disposição do advogado e apenas pode ser
dispensado mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo,
com recurso para o Bastonário, …, e em condições muito excepcionais, nos termos
do artigo 4.º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional.
4. Ademais,
pondera o Conselho, a Cláusula 4.6, do “Acordo de Financiamento” viola o artigo
67, n° 2, do EOA quanto ao princípio da livre escolha do mandatário, na exacta
medida em que condiciona a escolha de mandatário pela Autora a uma entidade
terceira.
5. “É
igualmente violado o artigo 89 do EOA, no que respeita ao dever de
independência do advogado, quando nas Cláusulas 4.2; 4.3; 4.4 e 4.5, do “Acordo
de Financiamento” se impõem determinadas obrigações de gestão processual, que
deveriam estar exclusivamente na esfera processual do advogado que lidera o
processo, e que cerceiam e condicionam a sua autonomia técnica.”
6. “…Mais
se diga, e numa perspectiva jurídico-constitucional, que estes contratos,
porque comportam um exercício abusivo do direito de acesso aos tribunais,
nomeadamente do direito fundamental de acção popular, encerram um vínculo
contratual contrário à lei constitucional.”
7. “E
por isso, por serem violadores de lei, são nulos, sendo tal nulidade de
conhecimento oficioso.”
8. O
parecer cita um escrito de Paulo Otero [Da dimensão constitucional dos acordos
de financiamento … acções populares indemnizatórias um problema de abuso de direitos
fundamentais] em que o autor propugna a inconstitucionalidade de tais acordos.
9. A admissibilidade dos acordos de
financiamento por terceiros não é pacífica entre nós, como se infere de
sucessivas posições assumidas, nomeadamente por jurisconsultos nacionais em
acção pendente [Jus Omnibus versus Mastercard]
no Tribunal da Concorrência, da Regulação e Supervisão.
10. Propendem
para a admissibilidade de um tal pacto Carlos Blanco de Morais, Mariana Melo
Egídio, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo Reis, Paulo Paes Marques e Jorge Reis
Morais, conquanto Gomes Canotilho,
Jónatas Machado e Malheiro de Magalhães, de par com Paulo Otero, se situem na
trincheira oposta.
EM CONCLUSÃO
a. Os
acordos que os advogados vêm firmando com os Fundos de financiamento das acções
colectivas violam um sem número de regras do Estatuto da O.A. (art.ºs 67, n.º
2, 89 e 92)
b. A
Ordem tende a considerar que tais acordos são nulos porque feridos de
inconstitucionalidade.
c. A
doutrina divide-se, porém, sobre a matéria, aguardando-se que a Lei da Acção
Colectiva Europeia venha a lume para saber qual a posição do legislador
português a tal propósito, já que de modo expresso não há lei que a proíba,
como nada há que a autorize.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITODO CONSUMO -, Portugal