Os dicionários
registam:
“Expressão de
desprezo que indica que para alguém sem importância, qualquer coisa serve.”
O princípio da protecção dos interesses
económicos do consumidor, com consagração constitucional e tradução na
Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, define-se de forma breve como:
“igualdade
material dos intervenientes, lealdade e boa-fé, tanto nos preliminares, como na
formação e ainda na vigência dos contratos, no âmbito das relações jurídicas de
consumo.”
E é de
bacalhau que se trata, neste passo.
Quando se
reduz a quantidade do bem e se mantém a embalagem, dando-se a impressão de que
tudo se processa como dantes, mantendo-se ou aumentando-se o preço [a tão
decantada “reduflação”], há patente deslealdade
no processo, fere-se de morte o princípio da boa-fé…
Quando se oferece uma dada qualidade e,
em concreto, se entrega algo de padrão inferior, é de prática fraudulenta que
se trata.
Eis o que nos
transmite um consumidor, surpreendido num hipermercado de nomeada, em Peniche,
ao comprar embalagens com a denominação “badanas de bacalhau”:
“Ao comprar os géneros da semana, numa das
insígnias da distribuição alimentar de origem portuguesa, levei duas
embalagens, 700 gr, peso líquido, de badanas de bacalhau.
Qual não foi o meu espanto quando, em
casa, verifico que por cima estava uma badana, e, por baixo, rabos e outras
partes menos nobres que escapavam à nomenclatura adoptada…”
A menção
“badanas” é o critério aferidor do produto: “as badanas ou asas são as partes que se seguem imediatamente à “cara do bacalhau” curado da
espécie Gadus morhua”, diz-se nos glossários.
Se a
indicação é de badanas e o que se oferece ao público, por baixo da superfície
visível da embalagem, é algo de menos nobre (rabos e quejandos), há uma não conformidade
entre o anunciado e o exposto para
venda.
Claro que se
pode estar perante uma prática desleal.
E a Lei das Práticas Comerciais, ao conceituar a deslealdade, diz algo como:
“É
desleal qualquer prática comercial [não] conforme à diligência profissional,
que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o
comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que o afecte relativamente
a dado bem ou serviço.”
A deslealdade
tanto pode consistir em acção como em omissão e, a prática, enganosa ou
agressiva.
“Enganosa é a prática que assenta em informações
falsas ou que, ainda que factualmente correctas, por qualquer razão,
nomeadamente a sua apresentação geral, induz ou é susceptível de induzir em erro
o consumidor … e , em ambos os casos, conduz ou é susceptível de o conduzir a uma
decisão negocial que de outro modo não tomaria…”
Tais práticas configuram ilícitos de mera ordenação
social sujeitos a coima, graduada segundo a dimensão da empresa (DL 57/2008:
art.º 21).
Mas também podem constituir crime: crime de fraude
sobre mercadorias (DL 28/84: art.º 23), atento o enunciado:
“Quem, com
intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, …, tiver
em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo
mercadorias:…
b) De natureza diferente ou de qualidade ou quantidade inferior às que
afirmar possuírem ou aparentarem,
será punido
com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto estiver previsto em
tipo legal de crime que comine para mais grave.”
Os consumidores
não podem ser alvo de práticas enganosas como as que se ensaiam e tendem - sempre
e só - a infligir-lhes desvantagens, deixando-os em situação menos confortável.
É que não há,
que se saiba, quem se deleite por andar a ser ludibriado.
Ninguém sente
prazer em ser vítima de qualquer artifício, sugestão ou embuste.
As pessoas
são ciosas de si e da sua dignidade. Os consumidores merecem, de todo, respeito.
Haja modos! Haja,
no mínimo, a ponderação de que
“Para quem é, bacalhau não basta” (e
menos ainda se dispensam todos estes ardis… que têm como fito vender, afinal, gato por lebre)!
Mário Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal