Os comparadores de preços
e as plataformas alternativas de compras também são já uma realidade para os portugueses,
que optam, cada vez mais, por cabazes de alimentos, com destaque para os que
vêm directamente do produtor.
Crise
leva a fazer escolhas no cabaz básico, voltar aos mercados e a reclamar
O aumento do custo de
vida está a levar os consumidores a fazerem escolhas dentro do cabaz de
alimentos, a voltar aos mercados, mas também a serem mais exigentes e a
reclamar face a práticas que consideram erradas.
"O que nós vamos
vendo é que essa é uma tendência que se tem vindo a recuperar. A seguir à
pandemia, lentamente, as pessoas foram voltando ao mercado, à venda directa e
aos cabazes. Tudo isso acaba por se estar a recuperar", apontou, em
declarações à Lusa, Pedro Santos, da direcção da Confederação Nacional da
Agricultura (CNA).
No entanto, a Confederação
notou que existe "uma pressão muito grande" para que os consumidores
façam as suas compras nas grandes superfícies, impulsionada pelas campanhas
promocionais e pelos incentivos dados pelo Governo.
Exemplo disso, segundo
Pedro Santos, é a isenção da tributação em sede de IRS no caso do subsídio de
alimentação, que é superior quando é paga em cartão de refeição, uma escolha
que impossibilita as compras na maior parte das bancas dos mercados e feiras.
"A forma como estes
incentivos são dados, canaliza para um determinado local, em detrimento de
outros. Tem sido feito algum investimento [na própria actividade dos mercados],
mas está longe do que seria necessário", acrescentou, lembrando que os
horários destes pontos de venda não permitem que sejam frequentados por um
grande número de pessoas.
Redução nos gastos na
alimentação. "Não é uma situação com a qual podemos continuar
indiferentes"
O consumidor, que já
optava por marcas próprias (vulgarmente conhecidas como marcas brancas) nos
supermercados, começa agora também a fazer escolhas dentro do cabaz básico de
alimentos.
Entre Janeiro e 21 de Março,
o Portal da Queixa recebeu 9.488 reclamações nas categorias água, electricidade
e gás, bancos, financeiras e pagamentos, gastronomia, alimentação e bebidas,
híper e supermercados, transportes públicos, aluguer e condução e tecnologia,
um aumento homólogo de 30%.
No caso da gastronomia,
alimentação e bebidas, foram recebidas 980 queixas, sobretudo, devido a
problemas com entregas ou pedidos (471) e mau atendimento (258), tendo-se
verificado uma taxa de resolução de 37,6%.
Já os híper e
supermercados foram alvo de 603 reclamações por, sobretudo, aumento de preço
dos produtos (222 reclamações), mau atendimento (178) e problemas com entregas
ou pedidos (144), com uma taxa de resolução de 78,5%.
Os comparadores de preços
e as plataformas alternativas de compras também são já uma realidade para os
portugueses, que optam, cada vez mais, por cabazes de alimentos, com destaque
para os que vêm diretamente do produtor, apesar de também terem sofrido alguns
aumentos.
Na Fruta Feia,
cooperativa que criou um mercado alternativo para frutas e hortaliças de
dimensões e aspecto não padronizados, que tem por objectivo combater o
desperdício alimentar e gerar valor para os agricultores, tem-se verificado um
aumento do número de inscrições e um maior compromisso quanto ao levantamento
dos cabazes.
"Na nossa
cooperativa, os cabazes que não são cancelados previamente e não são
levantados, são doados a instituições que os encaminham para pessoas que
precisam, mas os associados pagam na mesma esses cabazes. Se antes alguns
associados não iam levantar o cabaz, não se importando de o pagar na semana
seguinte, pois sabiam que o mesmo tinha sido doado, hoje em dia, dada a
diminuição do poder de compra do consumidor, isso já pouco se verifica",
adiantou, em resposta à Lusa, a equipa da Fruta Feia.
Para aumentar o preço
pago aos agricultores, a Fruta Feia optou por agravar o valor do cabaz aos
consumidores, mas, mesmo assim, tem-se verificado, em alguns pontos, uma subida
significativa das compras de cestas grandes (7,80 euros).
"O aumento de preços
a que assistimos nos supermercados não reflecte um aumento equitativo do valor
de compra aos agricultores, mas sim um aumento do lucro dos mesmos. Foi, contrariando
esta lógica, que a Fruta Feia decidiu aumentar o preço da cesta a partir de
Outubro de 2022", referiu.
Também na Too Good To Go, aplicação que liga os
utilizadores a lojas com excedentes alimentares, o número de clientes cresceu
42% no ano passado, evolução que acompanhou a inflação, uma vez que os
consumidores "procuram por alternativas mais económicas para cumprir com
as mesmas necessidades de compras dos cabazes de alimentos familiares".
Desde 2019, em Portugal,
já foram salvas mais de 2,6 milhões de 'surprise bags' (caixas com excedentes
alimentares, a um preço mais acessível), graças a 3.700 parceiros e 1,5 milhões
de utilizadores.
A nível global, a Too
Good To Go conta com 200 milhões de refeições salvas, sendo que, a cada
segundo, através da aplicação, são aproveitadas três 'surprise bags'.
Perante o actual contexto
económico, os consumidores recorrem, cada vez mais, a comparadores de preços de
produtos e créditos na hora de fazer as suas compras e, apesar de os bens
essenciais, regra geral, não fazerem parte dos produtos analisados, categorias
como a alimentação animal têm já alguma expressão.
Dados do KuantoKusta,
apontam que, em 2023, manteve-se uma "elevada procura" por
'smartphones' ou televisores, mas também se destacaram produtos de saúde,
beleza e alimentação animal.
"Categorias como
portáteis, ração seca para animais, produtos de cuidado de rosto e pequenos electrodomésticos,
nomeadamente 'airfryer', ganham mais expressão nas pesquisas. Por outro lado,
as categorias relacionadas à área de casa e decoração registaram um decréscimo
[...]. A tendência para comparar mais preços em produtos de valor menor e de
compra mais regular é algo que, no último ano se intensificou, principalmente,
após o início da guerra e com o aumento da inflação", explicou à Lusa o
director comercial do KuantoKusta, André Duarte.
Este responsável adiantou
ainda que os consumidores não têm optado pelos produtos mais baratos, mas feito
compras "informadas e ponderadas", principalmente as de maior valor.
"A nossa experiência
como 'marketplace' do KuantoKusta mostra-nos, por exemplo, que em produtos de
compra recorrente como ração para animais ou produtos de higiene pessoal, o
prazo de entrega é, por vezes, o fator com mais peso na decisão. O cliente não
se importa de pagar um preço ligeiramente acima do preço mais barato se receber
a encomenda com mais antecedência", acrescentou André Duarte.
Já o recurso a crédito
para fazer compras tem vindo a ser impactado, nomeadamente pela subida das
taxas de juro, sendo que, por exemplo, no caso do interesse pelo crédito à
habitação a quebra foi de quase 50% no primeiro trimestre deste ano, de acordo
com o ComparaJá.
"O crédito está cada
vez mais caro e, por isso, a solução adotada pela maior parte dos portugueses
tem passado por melhorar as condições dos créditos já contratados, transferindo
os mesmos para outros bancos", defendeu o 'managing director' do
ComparaJá, André Pedro.
Taxa de IVA de 0% em
cabaz de produtos alimentares essenciais
No mesmo sentido, a
procura também diminuiu no crédito pessoal (-1,16%), o que, "tendo em
conta a imprevisibilidade dos mercados, é normal que as pessoas se retraiam na
contratação de créditos".
A comparação de tarifas
de energia também evoluiu este ano, tendo, em média, entre Janeiro e Março,
mais do que duplicado.
Situação parecida
verificou-se com os seguros, cuja procura disparou quase 94% em comparação com
o período homólogo, destacando-se o seguro automóvel.
Para conter o impacto da
inflação na carteira dos portugueses, o Governo lançou um conjunto de medidas,
como a aplicação de uma taxa de IVA de 0% num cabaz de produtos alimentares
essenciais e o reforço dos apoios à produção, uma ajuda que vai custar cerca de
600 milhões de euros aos cofres do Estado.
A lista de produtos com
IVA a 0% inclui o atum em conserva, bacalhau, pão, batatas, massa, arroz,
cebola, brócolos, frango, carne de porco ou azeite.
O Pacto para a
Estabilização e Redução de Preços dos Bens Alimentares, que foi celebrado entre
o Governo, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e a
Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) prevê ainda um reforço de 140
milhões de euros nos apoios à produção.
O executivo
comprometeu-se igualmente a assegurar a renovação imediata do apoio
extraordinário ao gasóleo agrícola, bem como o apoio para mitigar os aumentos
dos custos com fertilizantes e adubos.
© PAULO
SPRANGER / Global Imagens