terça-feira, 4 de abril de 2023

O primeiro-ministro António Costa confessa que não foi fácil “sentarmo-nos todos à mesa”

 


O primeiro-ministro António Costa confessa que não foi fácil “sentarmo-nos todos à mesa” mas, o acordo para baixar os preços dos alimentos entre o Governo, a produção e a distribuição acabou por se realizar e vai custar 600 milhões euros

27 MARÇO 2023

 

·        Quando for às compras ao supermercado a partir de meados de Abril, sensivelmente, não se esqueça de dedicar uma atenção redobrada aos preços dos alimentos. Supostamente ficarão mais baratos. Mas, o melhor, é mesmo fazer as contas. O Governo promete uma comissão de acompanhamento composta por oito entidades, entre as quais a ASAE, a Autoridade da Concorrência, representantes dos agricultores e da distribuição e até a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na apresentação do ‘cabaz’, António Costa recriou a sabedoria popular para rematar: “em casa onde há inflação, todos ralham e todos têm razão”. Portanto, “o melhor que tínhamos a fazer era conversarmos uns com os outros. Foi o que fizemos, para assim ajudarmos os portugueses”.

Quais são os produtos do cabaz?

O cabaz será constituído por 44 produtos alimentares básicos, com destaque para as frutas, legumes, massa, peixe e carne. A bastonária da Ordem dos Nutricionistas defendeu esta segunda-feira, ainda antes da apresentação do cabaz pelo primeiro-ministro, que o mesmo deve conter bens essenciais, deve ser diversificado e “assegurar uma alimentação saudável, atendendo às necessidades da globalidade da população”. Os alimentos processados e enchidos ficam fora da lista.

Esta é a lista dos alimentos cujo IVA vai ser reduzido para 0%:

- Cereais, Derivados e Tubérculos:

Pão;
Batata;
Massa;
Arroz.
- Hortícolas:

Cebola;
Tomate;
Couve-flor;
Alface;
Brócolos;
Cenoura;
Curgete;
Alho francês;
Abóbora;
Grelos;
Couve portuguesa;
Espinafres;
Nabo.

- Frutas:

Maçã;
Banana;
Laranja;
Pêra;
Melão.

- Leguminosas:

Feijão vermelho;
Feijão frade;
Grão-de-bico;
Ervilhas.

- Laticínios:

Leite de vaca;
Iogurtes;
Queijo.

- Carne, pescado e ovos:

Carne de porco;
Carne de Frango;
Carne de peru;
Carne de vaca;
Bacalhau;
Sardinha;
Pescada;
Carapau;
Atum em conserva;
Dourada;
Cavala;
Ovos de galinha.

- Gorduras e óleos:

Azeite;
Óleos vegetais;
margarina.

 

Qual o critério para seleccionar estes produtos?

A especificidade que esteve na base da escolha dos produtos a isentar de IVA foi da responsabilidade dos ministérios da Saúde e das Finanças. Curiosamente, ao que o Expresso apurou, o Ministério da Agricultura não foi considerado nesta equação. No entanto, a ministra desta pasta esteve presente na sessão de apresentação do cabaz de alimentos de IVA zero.

O que está em curso, segundo fonte próxima deste processo, é a assinatura de um documento/compromisso para que as várias associações representativas da cadeia de valor garantam que durante seis meses reduzem e mantém preços.

No entanto, o texto enviado às associações patronais mas foi recebido com reserva. Com efeito, ninguém consegue garantir que fixa preços e os mantém inalterados durante meses.

Qual é a poupança real a preços de hoje?

O exemplo do leite, mostra que o corte efectivo por produto pode ser reduzido: um litro de leite meio gordo UHT de marca da própria cadeia de distribuição está nos 86 cêntimos (custava 54 cêntimos há um ano) e, considerando o consumo médio per capita de 66 litros/ano, cada português gastará, em leite, 56,6 euros em 2023 (4,7 euros por mês). Anular o IVA de 0,05 cêntimos significa uma poupança anual de 3,30 euros (0,27 cêntimos por mês) caso o preço se mantenha.

Como é que está garantida a eficácia da medida e fica assegurado que os preços não sobem apesar do IVA zero?

Para já, o que se sabe é que já há quem defenda, para além do IVA zero nos bens alimentares essenciais, o Governo deve estabelecer também o preço a que esses produtos podem ser vendidos. Isso mesmo foi defendido pela coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins: “é preciso que se vá observando esses preços ao longo de um período, porque se não se fizer isso, vai acontecer em Portugal o mesmo que em Espanha: a descida do IVA vai ser incorporada rapidamente nos lucros da grande distribuição”. A mesma responsável lembra ainda que que em Espanha “demorou 15 dias para" acabar com a descida dos preços motivada pela redução do IVA.

Também o secretário-geral do PCP defendeu já esta segunda-feira que a medida que pode fazer frente à especulação e travar o aumento dos preços é a fixação destes, considerando que o resto “são paliativos que se perderão ao longo do tempo”. Já a distribuição, contrapõe que estabelecer tetos nos preços acabaria por esvaziar prateleiras, como disse Cláudia Azevedo, convicta de que os produtores vendem a quem paga mais e o risco dos produtos passarem a ser vendidos a compradores estrangeiros aumentaria.

Como se controla isso no caso dos produtos importados?

Portugal é um país fortemente dependente das importações para se alimentar. O País só é autossuficiente em leite, azeite, vinho, em alguns tipos de carne e no tomate. E, na verdade, não ficou claro como é que o Governo se propõe controlar a isenção do IVA junto da produção no caso das compras a países terceiros.

No momento em que vai às compras o consumidor vai ter forma de perceber que o valor do IVA foi efectivamente descontado no produto?

É uma pergunta que neste momento fica sem resposta. À partida os preços são fixados já pressupondo a redução do IVA.

Como vai ser feito o controlo de preços?

O Governo promete uma comissão de acompanhamento composta por oito entidades, entre as quais a ASAE, a Autoridade da Concorrência, representantes dos agricultores e da distribuição e até a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A hipótese de por os fiscais da ASAE a efectuar esse trabalho de fiscalização já foi apontada como viável. O problema é que ainda há poucos dias um representante sindical dos trabalhadores daquela entidade pública se queixava de falta de recursos humanos para conseguir atender a todas as situações. Quem conhece o sector defende que a ASAE devia de imediato, logo após a divulgação da lista de bens abrangidos, ir para o terreno ver e registar os preços atuais, para evitar eventuais subidas antes da entrada em vigor do IVA a taxa zero no cabaz.

Há margem negocial para descer o IVA em alimentos que pagam taxa de 23% como o fiambre ou as salsichas para 6% por exemplo?

António Costa foi claro sobre os produtos abrangidos pelo cabaz, deixando no ar apenas uma indicação da disponibilidade negocial para ir mais longe quando disse que o Governo continuará a trabalhar com distribuição e produção "para que a redução na descida do IVA seja acompanhada de outras reduções". Têm sido várias as vozes a defender a descida do IVA de alimentos que pagam taxas de 23% para os 6%, usando argumentos como o facto de que essa descida teria mais impacto no bolso do consumidor. Um exemplo é a APIC - Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes que veio recordar que actualmente, para fazer uma sande mista, o consumidor pagava o queijo a 6%, passando agora a ter IVA zero, mas paga o fiambre a 23%.

A reivindicação da restauração que diz que esta medida vai afastar ainda mais as pessoas dos restaurantes faz sentido?

Logo que o Governo anunciou a descida da taxa de IVA para 0% num cabaz de bens essenciais, houve reacções da restauração a reclamar, em simultâneo, a redução da taxa de IVA no sector. "A descida do IVA da Restauração, na componente das comidas, deveria ter sido considerada, em simultâneo, com a redução do IVA nos produtos alimentares;. O Governo, ao reduzir apenas o IVA dos produtos alimentares, provoca o efeito de desincentivar o consumo nos restaurantes. Esta opção será mais um contributo para a perda de competitividade da actividade e do sector do turismo em geral, o aumento de falências e o despedimento de milhares de trabalhadores", sustenta, por exemplo, a PRO.VAR . Associação Nacional de Restaurantes. A verdade é que a restauração, na compra dos artigos, vai beneficiar da taxa zero, tal como o consumidor, o que poderia permitir reduzir os preços em função do valor pago. Mas na fatura final, a taxa de IVA a pagar pelo cliente numa refeição continua a ser de 13% e a restauração aproveita para recordar a velha reivindicação da taxa de iva do sector descer para 6%.

Porque é que o Governo só decidiu avançar agora com esta medida?

O Governo avança com a redução da taxa de IVA no momento em que começa a haver alguns sinais de um possível abrandamento da subida de preços, o que, a confirmar-se, poderá evitar o que aconteceu em Espanha, onde o IVA desceu, mas na generalidade dos bens abrangidos isso não se traduziu em descida real dos preços. No caso do leite, por exemplo, à venda a 86 cêntimos na distribuição (pacote de leite meio gordo UHT de marca da distribuição), "já esteve a 88 cêntimos no início do ano", como nota a ANIL - Associação Nacional dos Industriais de Laticínios.

É verdade que nos produtos alimentares não transformados, a variação de preços foi de 20,1% em Fevereiro face ao mês homólogo do ano passado, uma percentagem acima dos 18,5% registados no mês anterior), mas de acordo com os últimos dados do INE a inflação em Portugal desceu em Fevereiro pelo quarto mês consecutivo, com a variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC), indicador que mede a inflação, a situar-se nos 8,2%, dois pontos percentuais abaixo de Janeiro.

Noutra nota sobre o mesmo tema da variação de preços, mas em Espanha, o presidente da Mercadona apresentou o exemplo do óleo de girassol: o preço de 1,60 euros, antes da guerra na Ucrânia, subiu até aos 3,20 euros, recuou para 2,40 e com a descida do IVA, em Dezembro, ficou nos 2,29 euros e, neste momento, está nos 1,95 euros, mais de 30 cêntimos acima do valor registado há um ano atrás, mas a mostrar uma tendência de baixa. O próprio António Costa não esqueceu uma referência ao facto de "nas últimas semanas os preços terem vindo a registar uma redução" e esperar que "a tendência se consolide e acelere".

Ao mesmo tempo, também pesaram os números divulgados sexta-feira, como a descida do défice das conta públicas para 0,4% do PIB em 2022 (2,5% em 2021), ou a projecção do Banco de Portugal de um crescimento da economia de 1,8%, acima da projecção de 1,5% em Dezembro último, apontando para uma taxa média anual de inflação de 5,5% em 2023, abaixo dos 5,8% projectados no final do ano passado.

Há garantia de que os preços, agora, não vão aumentar?

António Costa foi claro no que respeita a "não criar falsas ilusões", admitindo o receio do prolongamento da guerra , da tensão continua sobre os factores de produção continuar e dos custos poderem aumentar.

Obter uma garantia absoluta que os preços não sobem nos alimentos do cabaz, apesar do IVA zero, parece algo difícil. A convicção geral é de que a medida se traduz numa descida imediata dos preços que será para manter se os custos de produção se mantiveram estáveis. E os preços dos alimentos também dependem de factores que não têm apenas a ver com o bem em causa. No caso do leite, por exemplo, a embalagem subiu cerca de 2 cêntimos no último ano e, diz a APIC, que "numa lata de salsichas há casos em que a embalagem custa mais do que as próprias salsichas". Como disse ao Expresso uma das partes envolvidas neste acordo "tudo é mais no sentido de garantir que no momento da taxa zero, a descida do IVA é respeitada e os preços efectivamente descem".

Quando entra em vigor a medida?

É expectável que o IVA zero no cabaz de 44 produtos chegue às prateleiras dos supermercados em meados de abril. O Governo prometeu celeridade, garantindo que ainda esta noite será aprovada em Conselho de Ministros a proposta de lei que entrará terça-feira na Assembleia da República. Depois, espera celeridade de todas as forças políticas para os tramites do processo serem rápidos. Do lado da distribuição, tem a garantida de que 15 dias depois da publicação da lei, a taxa zero chegará às prateleiras dos supermercados.

Qual vai ser o impacto orçamental desta medida?

A aplicação de uma taxa zero de IVA num cabaz de produtos essenciais, anunciada na semana passada pelo Governo, será aplicada entre Abril e Outubro e terá um custo que o Governo avaliou inicialmente em 410 milhões de euros. No entanto, esta segunda-feira, António Costa falou de um impacto global (incluindo já os apoios à produção) de 600 milhões de euros

 

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