A
ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e
Económica, a despeito da escassez de quadros e efectivos, desdobra-se e faz
o que pode na missão de ver como se passam as coisas nos diferentes segmentos
do mercado em que opera.
Do comunicado
oportunamente emitido, sem grande relevância nos tradicionais órgãos de
comunicação social, já que, como se não ignora, a nutrida publicidade das
grandes cadeias de distribuição é grossa fatia nas receitas sobretudo das
televisões, cumpre destacar:
“Dos 16
processos-crime instaurados pela prática do crime de especulação (delito
antieconómico), um diz respeito a um pequeno retalhista, outro
a um hipermercado e os restantes a supermercados de grandes insígnias da cadeia
alimentar. Dos produtos detectados, cerca de 88%
são inerentes à área alimentar – leite, ovos, carne, massas, salsichas,
batatas, cebolas, cereais, manteiga e bebidas.
Durante a operação foi ainda verificado
que, dos produtos detectados em preço de caixa na área
alimentar, existiam variações de 1,16
% a 69,5 % (para cereais e massas)
sobre o preço tabelado. Para os produtos detectados em preço de caixa na área
não alimentar, as variações oscilavam entre 6,5 %
a 27 % (para pensos
higiénicos e papel higiénico) sobre o preço
tabelado.”
“E se mais sachadelas dera, mais minhocas encontrara”!
No período estival, no ‘rei da
publicidade em pequeno ecrã e das grandes feiras e festividades’, em Peniche, por
exemplo, em letras garrafais: CAMARÃO:
7,99. No produto e na caixa: 8,99. Um
simples exemplo do muito que por aí se passa…
Claro que nem sempre os
consumidores detectam situações do jaez destas ou porque confiam cegamente ou
porque entendem, como um certo jornalista, que com advento das grandes
superfícies se teria cobro às ‘artimanhas’ dos merceeiros da esquina… em
matéria de preços!
De nossa boca a defesa
intransigente dos merceeiros que eram o
sustentáculo das fragilidades das famílias com o célebre “aponte”… e pela
relação de proximidade personificante com todos e cada um.
O facto é que supúnhamos que
“esse tempo” [o do preço menor na
gôndola e maior na caixa] já havia passado.
Recordamo-nos de um advogado, com
quem nos cruzámos nos Gerais, em Coimbra, ainda estudantes de Direito, que
queria à viva força convencer-nos de que a ”função social das grandes
superfícies” seria a de acolher os ‘velhinhos’ que se passeavam por entre
corredores de mercadoria e, vejam lá, de entre as “actividades lúdicas” a que ali
se dedicavam, avultava necessariamente a de mudarem, nas prateleiras, as
etiquetas de preços dos produtos, razão por que as diferenças não poderiam ser
assacadas às insígnias, às empresas da grande distribuição… mas aos perversos
anciãos!
Como dizia o Jô, “contaram só p’ra você”!|
O facto é que julgávamos que
esses truques mesquinhos já haviam desaparecido, mas infelizmente persistem…
A especulação é uma forma de corrução
e de desrespeito por quem, das suas
míseras pensões e magros vencimentos, lhes enche a “mula”, passe a expressão…
“Quem paga os salários dos trabalhadores não são as empresas,
são os consumidores”!
O crime de especulação consta de um dos dispositivos da Lei Penal do
Consumo de 1984, de todo mais que ultrapassada e que conviria rever com a
urgência requerida:
“1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e
multa não inferior a 100 dias quem:
a) Vender
bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes
legais a que os mesmos estejam submetidos;
b) Alterar,
sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro
ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os
bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da
regulamentação legal em vigor;
c) Vender bens ou prestar serviços por preço
superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados
pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
d) Vender
bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam
inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes
cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.
…”
Como dizem
advertidamente os franceses, “o vendedor
pode ser cego, o consumidor tem de ter mil olhos”!
Os tais lucros “que caem do céu”, numa situação de
aperto para as famílias, também se acumulam de forma fraudulenta como na que a especulação
de preços propicia…
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO
- Portugal