quinta-feira, 6 de outubro de 2022

OFÍCIO OU DEVOÇÃO: O ARTIFÍCIO DA ESPECULAÇÃO NA CULTURA DOS GRANDES GRUPOS… SEM LISURA NEM APUPOS!

 


A ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, a despeito da escassez de quadros e efectivos, desdobra-se e faz o que pode na missão de ver como se passam as coisas nos diferentes segmentos do mercado em que opera.

Do comunicado oportunamente emitido, sem grande relevância nos tradicionais órgãos de comunicação social, já que, como se não ignora, a nutrida publicidade das grandes cadeias de distribuição é grossa fatia nas receitas sobretudo das televisões, cumpre destacar:

“Dos 16 processos-crime instaurados pela prática do crime de especulação (delito antieconómico), um diz respeito a um pequeno retalhista, outro a um hipermercado e os restantes a supermercados de grandes insígnias da cadeia alimentar. Dos produtos detectados, cerca de 88% são inerentes à área alimentar – leite, ovos, carne, massas, salsichas, batatas, cebolas, cereais, manteiga e bebidas.

Durante a operação foi ainda verificado que, dos produtos detectados em preço de caixa na área alimentar, existiam variações de 1,16 % a 69,5 % (para cereais e massas) sobre o preço tabelado. Para os produtos detectados em preço de caixa na área não alimentar, as variações oscilavam entre 6,5 % a 27 % (para pensos higiénicos e papel higiénico) sobre o preço tabelado.”

 

“E se mais sachadelas dera, mais minhocas encontrara”!

 

No período estival, no ‘rei da publicidade em pequeno ecrã e das grandes feiras e festividades’, em Peniche, por exemplo, em letras garrafais: CAMARÃO: 7,99. No produto e na caixa: 8,99. Um simples exemplo do muito que por aí se passa…

 

Claro que nem sempre os consumidores detectam situações do jaez destas ou porque confiam cegamente ou porque entendem, como um certo jornalista, que com advento das grandes superfícies se teria cobro às ‘artimanhas’ dos merceeiros da esquina… em matéria de preços!

De nossa boca a defesa intransigente dos merceeiros  que eram o sustentáculo das fragilidades das famílias com o célebre “aponte”… e pela relação de proximidade personificante com todos e cada um.

 

O facto é que supúnhamos que “esse tempo” [o do preço menor na gôndola e maior na caixa] já havia passado.

 

Recordamo-nos de um advogado, com quem nos cruzámos nos Gerais, em Coimbra, ainda estudantes de Direito, que queria à viva força convencer-nos de que a ”função social das grandes superfícies” seria a de acolher os ‘velhinhos’ que se passeavam por entre corredores de mercadoria e, vejam lá, de entre as “actividades lúdicas” a que ali se dedicavam, avultava necessariamente a de mudarem, nas prateleiras, as etiquetas de preços dos produtos, razão por que as diferenças não poderiam ser assacadas às insígnias, às empresas da grande distribuição… mas aos perversos anciãos!

 

Como dizia o Jô, “contaram só p’ra você”!|

 

O facto é que julgávamos que esses truques mesquinhos já haviam desaparecido, mas infelizmente persistem…

 

A especulação é uma forma de corrução e de desrespeito por quem, das suas míseras pensões e magros vencimentos, lhes enche a “mula”, passe a expressão…

 

“Quem paga os salários dos trabalhadores não são as empresas, são os consumidores”!

 

O crime de especulação consta de um dos dispositivos da Lei Penal do Consumo de 1984, de todo mais que ultrapassada e que conviria rever com a urgência requerida:

 

1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:

a) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;

b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;

c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;

d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.

…”

Como dizem advertidamente os franceses, “o vendedor pode ser cego, o consumidor tem de ter mil olhos”!

Os tais lucros “que caem do céu”, numa situação de aperto para as famílias, também se acumulam de forma fraudulenta como na que a especulação de preços propicia…

 

Mário Frota

Presidente emérito da apDCDIREITO DO CONSUMO - Portugal

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