A obsolescência programada
Ardilosamente estabelecida
É uma “trama” bem arquitectada
Pelos tratantes desta “vida”!
“Aparelhos auditivos
adquiridos há 5 anos. Por 5.000 €. Um
deles está avariado. A casa que os vendeu
recusa a assistência porque os aparelhos são irreparáveis. Há novos
modelos. Mais avançados tecnologicamente. Mas mais caros: 6.000€. Quanto ao preço, não há problemas… Nada que o
recurso a um crédito por 5 anos,
promovido pela firma, não resolva.”
Situações, aliás, do
dia-a-dia…
O princípio da protecção dos interesses
económicos do consumidor, que figura emblematicamente na Constituição, visa
garantir o consumidor contra os artifícios, as sugestões e embustes que pululam
no mercado.
A Lei de
Defesa do Consumidor [LDC], no seu artigo 9.º, em múltiplos aspectos da
vida corrente no mercado de consumo, esmiúça
um tal princípio.
Eis três das
hipóteses aplicáveis à descrita situação:
“n.º 5 - O
consumidor tem direito à assistência
pós-venda, com incidência no fornecimento de peças e acessórios, pelo
período de duração média normal dos produtos fornecidos.
“n.º 6 - É vedado ao
fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou
a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros
[como no caso do financiamento encavalitado na venda dos aparelhos]
“n.º 7 - É
vedado ao profissional a adopção de quaisquer técnicas através das quais o
mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo
a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens.”
Este último
dispositivo prende-se com a denominada obsolescência
programada.
A Nova Lei das Garantias dos Bens de
Consumo de 2021, conquanto se aplique só aos actos de consumo posteriores a 1
de Janeiro de 2022, tem um artigo que é interpretativo do que a LDC diz no que
toca à assistência pós-venda:
É o artigo 21.º, sob
a epígrafe “Serviço pós-venda e disponibilização de peças”, reza o seguinte:
1 — Sem prejuízo do cumprimento
dos deveres inerentes à responsabilidade do profissional ou do produtor pela
falta de conformidade dos bens, o produtor é obrigado a disponibilizar as peças
necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor, durante o prazo de
10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respectivo bem.
…
4 — No momento da
celebração do contrato, o fornecedor deve informar o consumidor da existência e
duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável e, no caso dos bens
móveis sujeitos a registo, da existência e duração do dever de garantia de
assistência pós-venda.”
Aliás, os 10 anos,
em geral, como tempo útil de vida dos produtos, emergem já quer do Regime da
Responsabilidade do Produtor por Produtos Defeituosos de 6 de Novembro de 1989,
quer da Lei Antiga das Garantias de 2003.
Se não, vejamos:
Responsabilidade
do Produtor por Produtos Defeituosos de 1989
“Artigo
12.º
Caducidade
Decorridos 10 anos
sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano,
caduca o direito ao ressarcimento, salvo se estiver pendente acção intentada
pelo lesado.”
Lei
das Garantias dos Bens de Consumo de 2003:
“Artigo
6.º
Responsabilidade
directa do produtor
2 - O produtor pode
opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor verificando-se qualquer dos
seguintes factos:
…
e) Terem decorrido
mais de 10 anos sobre a colocação da coisa em circulação.”
Se a denegação da
assistência técnica persistir, há sempre lugar à indemnização pelos danos
materiais e morais, de harmonia com o n.º 1 do artigo 12 da LDC, cujo
ressarcimento se impõe para que o consumidor não fique desprovido dos seus
direitos e dos montantes avultados que despendeu num produto sem fiabilidade.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal