TEXTO
Decreto-Lei n.º 52/2022
de 4 de agosto
Sumário: Aprova o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde.
Em Portugal, o direito à proteção da saúde constitui, desde 1976, um direito fundamental constitucionalmente consagrado no âmbito dos direitos e deveres sociais que incumbe ao Estado assegurar, nomeadamente através da criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS), que foi aprovado pela Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, e que é uma das mais relevantes realizações da democracia portuguesa.
A nova Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, ao revogar a Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, assumiu o propósito de clarificar o papel e a relação entre os vários atores do sistema de saúde, reafirmando a centralidade do SNS, pautado pelos princípios da universalidade, generalidade, tendencial gratuitidade e dotado de estatuto próprio. Assim, importa agora proceder à aprovação de um novo Estatuto do SNS e revogar o Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro, na sua redação atual, que aprovou o Estatuto do SNS, não só porque a nova Lei de Bases da Saúde carece de densificação em aspetos específicos, mas também porque decorreram quase 30 anos desde a publicação do anterior Estatuto do SNS, em 1993, e muitas foram as transformações ocorridas no SNS que conduziram a que várias das suas disposições tenham sido, entretanto, objeto de alterações dispersas que dificultam a desejável visão global.
Neste contexto, o novo Estatuto do SNS começa por precisar a definição de SNS, o catálogo dos seus estabelecimentos e serviços - sublinhando-se a articulação com os demais serviços e organismos do Ministério da Saúde: a Direção-Geral da Saúde, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, a Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., e o INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. -, bem como os direitos e deveres dos seus beneficiários.
O Estatuto do SNS dispõe, seguidamente, sobre a organização territorial e funcional do SNS, baseada em regiões de saúde e em níveis de cuidados, e sobre o seu funcionamento, focado na proximidade da prestação, na integração de cuidados e na articulação inter-regional dos serviços, promovendo as respostas domiciliárias e os sistemas de informação que acompanham o utente no seu percurso.
É ainda no capítulo sobre organização e funcionamento que o Estatuto do SNS introduz uma das suas principais inovações, ao prever a criação de uma Direção Executiva do SNS. Esta entidade assume a coordenação da resposta assistencial das unidades de saúde do SNS, bem como daquelas que integram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP), assegurando o seu funcionamento em rede - papel que se revelou particularmente necessário no combate à pandemia da doença COVID-19 e que se considera essencial reforçar. Adicionalmente, esta entidade assume competências antes cometidas a outras instituições, em especial, a gestão do acesso a cuidados de saúde, da RNCCI e da RNCP, cabendo-lhe ainda propor a designação dos membros dos órgãos de gestão das unidades de saúde. A função da Direção Executiva do SNS distingue-se, naturalmente, da do Ministério da Saúde, ao qual competem, para além da condução da política nacional de saúde, responsabilidades específicas relativas ao SNS, mas não a coordenação operacional das suas respostas. Distingue-se, ainda, da função da Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.), - cuja missão se centra no planeamento e gestão de recursos financeiros, no planeamento de recursos humanos e da rede de instalações e equipamentos e na contratação da prestação de cuidados, numa ótica de sistema de saúde - e da função das administrações regionais de saúde, I. P. (ARS, I. P.) - cuja missão deixa de incluir a prestação de cuidados e foca-se no planeamento regional dos recursos, numa ótica de coordenação intersetorial, promovendo a coesão territorial na área da saúde.
Ao elencar as unidades prestadoras de cuidados de saúde que integram o SNS - os agrupamentos de centros de saúde (ACES), os hospitais, os centros hospitalares, os institutos portugueses de oncologia e as unidades locais de saúde (ULS), integrados no setor empresarial do Estado ou no setor público administrativo -, o Estatuto do SNS aproveita para rever os seus regimes de criação, organização e funcionamento e respetivos estatutos, atualizando-os. Destaca-se a alteração da natureza jurídica dos ACES, que são considerados institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, com responsabilidades de contratualização da prestação de cuidados de saúde primários com a ACSS, I. P., à semelhança do que acontece com as unidades hospitalares.
Por fim, o normativo sobre a caracterização da organização e funcionamento do SNS reitera a prioridade relativa à gestão pública das unidades de saúde e à constituição de sistemas locais de saúde, enquanto estruturas de participação e desenvolvimento da colaboração das instituições que, numa determinada área geográfica, desenvolvem atividades que contribuem para a melhoria da saúde das populações.
No desenvolvimento da nova Lei de Bases da Saúde, o Estatuto do SNS dispõe sobre os recursos humanos do SNS e sobre o seu planeamento plurianual. O aspeto central desta secção é a definição do regime da dedicação plena, instrumento de contratualização individual e valorização do desempenho, que visa contribuir para a melhoria do acesso dos utentes e da retenção e motivação dos profissionais de saúde no SNS. Trata-se de um regime de aplicação progressiva que se inicia pelos trabalhadores médicos do SNS, numa base voluntária, exceto para os novos diretores de serviço ou de departamento, e de compromisso assistencial. A matéria dos recursos humanos do SNS não se encerra sem que o Estatuto do SNS defina, igualmente, um regime excecional de contratação, de realização de trabalho suplementar e de mobilidade no SNS, instrumentos de uma gestão mais flexível num setor fortemente dependente de uma força de trabalho diferenciada que se pretende organizada em carreiras. Por um lado, os órgãos máximos de gestão dos estabelecimentos e serviços do SNS reforçam a autonomia para a contratação de trabalhadores, independentemente da modalidade de contrato, no âmbito dos respetivos instrumentos de gestão. Além disso, aqueles estabelecimentos e serviços passam a dispor de um regime de trabalho suplementar que enquadra quer a sua prestação em entidade distinta daquela a que o trabalhador se encontra vinculado quer a sua remuneração majorada quando seja ultrapassado o limite anual fixado.
Ainda em linha com as preocupações da nova Lei de Bases da Saúde, o presente Estatuto do SNS dispõe sobre os recursos financeiros do SNS, assegurados por verbas do Orçamento do Estado e com uma dotação que garante que lhe são afetos os recursos necessários a um funcionamento eficiente e sustentável, ao mesmo tempo que reafirma a isenção de pagamento de taxas moderadoras, nomeadamente em função da condição de recursos, de doença ou de especial vulnerabilidade, a existência de limites ao montante total a cobrar e a progressiva dispensa da sua cobrança, cuja sistematização se encontra prevista no Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na sua redação atual.
A participação, em especial dos utentes e dos municípios, e a articulação com outras entidades são os temas que as duas últimas secções do Estatuto do SNS enquadram, antes de abordar o regime jurídico dos ACES e os estatutos das unidades hospitalares, revelando a escolha de uma política de construção democrática dos serviços públicos de saúde, onde todos têm um papel a desempenhar, e, simultaneamente, de uma abordagem multissetorial da efetivação do direito à saúde.
Considerando que, ao longo dos últimos 40 anos, o SNS cresceu e ganhou a confiança dos portugueses e é a garantia do direito fundamental de todos os cidadãos à proteção da saúde, independentemente da condição social, da situação económica ou da localização geográfica de cada um, a revisão do seu Estatuto é, portanto, um passo fundamental para o reforço da construção de um SNS mais justo e inclusivo, que responda melhor às necessidades da população mediante as necessárias reformas estruturais.
Foram ouvidos o Conselho Nacional de Saúde, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Médicos Dentistas, a Ordem dos Enfermeiros, a Ordem dos Farmacêuticos, a Ordem dos Psicólogos Portugueses, a Ordem dos Nutricionistas, a Comissão Instaladora da Ordem dos Fisioterapeutas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Foram observados os procedimentos previstos na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, e observado o procedimento fixado no artigo 470.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual.
O presente decreto-lei foi submetido a consulta pública.
ANEXO I
(a que se refere o n.º 3 do artigo 63.º)
(ver documento original)
ANEXO II
(a que se refere o n.º 5 do artigo 63.º)
(ver documento original)