Os contratos de fornecimento de energia eléctrica, promovidos pelos denominados comercializadores [os que provêem ao fornecimento da energia] afinam pelo diapasão das leis quando celebrados no domicílio ou pelo recurso a meios de comunicação à distância, na disputa que parece haver-se travado entre os distintos comercializadores, numa desenfreada concorrência?
Há, com efeito, como dizia um alto dignitário da EDP, tergiversantes acções no mercado em ordem à captura de clientes e a transumância de consumidores de comercializador para comercializador, o que provoca enorme desvario na tentativa de contratos celebrados por meios de comunicação à distância como porta-a-porta. E sem a observância das mais elementares regras, desde logo a de uma informação séria, rigorosa, objectiva e adequada, como manda, com precisão, o artigo 8.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor.
Analisemos as diferentes modalidades de contratos e o modo como se celebram em vista da sua validade:
CONTRATO PRESENCIAL
Se o contrato for presencial, está sujeito a forma escrita e, afirmada a sua validade, é insusceptível de a ele se pôr termo, a não ser nas condições previstas no seu clausulado.
CONTRATOS FORA DE ESTABELECIMENTO
Se o contrato se celebrar fora de estabelecimento [ao domicílio ou em qualquer das hipóteses na lei previstas, em que tais contratos se consideram celebrados fora de estabelecimento], está também sujeito a forma escrita: o contrato é válido, mas está hoje, tratando-se de contrato ao domicílio, dependente de uma pausa, a saber, de um período de 30 dias para que o consumidor reflicta e exerça o seu direito de retractação – para que possa dar o dito por não dito, se o entender. A menos que prescinda de tal direito de forma expressa e inequívoca para que a ligação à rede se estabeleça imediatamente após a assinatura do contrato.
Nos mais casos de contratos fora de estabelecimento, o direito de retractação, a menos que se trate de contrato celebrado no decurso de uma excursão, o que não é de excluir, o período para dar o dito por não dito, para o exercício do direito de retractação é de 14 dias (consecutivos, que não úteis).
Se o contrato for celebrado no decurso de uma excursão promovida pelo comercializador [não é que estejamos a dar ideias aos que por aí já de si se mostram bastante criativos…], o prazo para o exercício do direito de desistência ou de retractação é também de 30 dias desde 28 de Maio p.º p.º
CONTRATOS POR MEIOS DE COMUNICAÇÃO À DISTÂNCIA
Se de contrato por telefone se tratar, as regras variam em razão da circunstância de saber a quem pertenceu a iniciativa da chamada.
COMUNICAÇÃO POR INICIATIVA DO COMERCIALIZADOR
Em primeiro lugar, se a iniciativa do telefonema couber à empresa, o consumidor só fica, em princípio, obrigado depois de assinar a oferta ou remeter o seu consentimento por escrito.
Disse-se “em princípio”.
E assim será: é que, mesmo depois da celebração de um contrato não presencial (à distância, por telefone), se o contrato for válido, o consumidor dispõe de 14 (catorze) dias consecutivos para se retractar, ou seja, para dar o dito por não dito, isto é, goza de um direito de desistência ou de retractação exactamente porque a lei lhe dá todo esse tempo para ponderar, para reflectir, para saber se o contrato lhe convém ou não, para ajuizar, pois, da conveniência ou do interesse em celebrar ou não o contrato.
Mas para tanto é necessário que do clausulado do contrato (que tem de ser presente ao consumidor por meio de qualquer suporte duradouro*) conste o tal direito de desistência ou de retractação.
(*Por suporte duradouro se entende “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução inalterada.”)
Se, porém, do clausulado não constar tal direito (o de desistência ou de retractação), o consumidor dispõe, não de 14 dias, mas de 12 meses para dar o dito por não dito. Doze meses que acrescem aos 14 dias. Sem quaisquer consequências para si. E como forma de penalizar o co-contratante que não observou os ditames da lei.
COMUNICAÇÃO POR INICIATIVA DO CONSUMIDOR
Em segundo lugar, se a iniciativa do telefonema for, no entanto, do consumidor, o contrato considera-se, em princípio, celebrado. Mas o fornecedor tem de o confirmar em 5 (cinco) dias mediante a remessa ao consumidor de todo o clausulado de onde constará o período de reflexão ou de ponderação de 14 (catorze) dias dentro dos quais se poderá verificar a desistência. Se não constar, observar-se-á o mesmo que na hipótese anterior: o período para o exercício do direito de desistência ou retractação será então de 12 meses contados dos 14 dias iniciais.
Reconduz-se, no entanto, à hipótese primeira [o telefonema por iniciativa do fornecedor] se, no decurso de uma chamada feita pelo consumidor com qualquer outro propósito, for abordado para a celebração de um contrato, qualquer que seja… A saber, o contrato só se considera celebrado, nestes casos, se acaso o consumidor der o seu consentimento por escrito ou depois de assinar a oferta. O que parece curial.
Mas contratos à revelia da lei são mato por esses comercializadores fora… em que parece que os seus “agentes” ou não estão habilitados ou. Se o estiverem, fazem por ignorar as regras mais elementares para obterem vantagem do desconhecimento mais do que patenteado pela generalidade dos consumidores.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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