(Artigo que
hoje, 21 de Setembro de 21, vem a lume no PORTAL do PROCON RS, Porto Alegre,
Rio Grande do Sul, Brasil, por deferência do Director da Escola Superior de
Defesa do Consumidor, Diego Ghiringhelli Azevedo)
A apDC –
DIREITO DE CONSUMO - instou a Provedora de Justiça ("Ombudswoman") a
suscitar a declaração de inconstitucionalidade das normas que suportam a
facturação por estimativa nos serviços públicos essenciais (serviços de
interesse económico geral), dados os reflexos na situação patrimonial dos
consumidores e nos correspondentes orçamentos domésticos. Por mor da
sobrefacturação, a tal título gerada, como da subfacturação com os inevitáveis
acertos perturbadores dos exigíveis equilíbrios orçamentais.
Entende-se
(entendemos nós de há muito com fundados argumentos) que há ofensa do princípio
da protecção dos interesses económicos, de base constitucional, na sua essência
e de forma brutal, como se intui naturalmente.
Do princípio
da protecção dos interesses económicos do consumidor decorre desde logo o
axioma: “o consumidor pagará só o que consome, na exacta medida do que e em que
consome”, sob pena de os equilíbrios orçamentais serem gravosamente afectados.
E o ordenamento enjeita fragorosamente uma tal hipótese!
Com a
habitual cortesia, os Serviços da Provedora de Justiça dirigiram-se-nos
recentemente, transmitindo a sua posição, mas frustrando de todo as mais
fundadas expectativas acalentadas.
Eis o teor
da missiva emanada dos Serviços da Provedora de Justiça, subscrita por uma das
suas adjuntas:
“....
Sobre a
pertinência de uma intervenção mais sistémica importa, todavia, ter presente
inúmeros aspectos e diferentes variáveis.
Desde logo,
e tomando como referência (por facilidade) apenas o sector eléctrico e do gás,
deve notar-se que o Regulamento das Relações Comerciais dispõe que na
facturação deve prevalecer a mais recente informação de consumos obtida por
leitura directa dos equipamentos de medição, seja esta realizada pelo
distribuidor ou comunicada pelo cliente.
Nesta
medida, o consumo para efeitos de facturação apenas pode ser estimado na
ausência de leitura directa dos equipamentos de medição.
Também é
relevante assinalar que a metodologia de estimativa a ser utilizada deve ser
seleccionada pelo cliente, de entre as opções disponibilizadas pelo operador, e
deve constar das condições particulares do contrato de fornecimento de energia
eléctrica celebrado entre o distribuidor e cada um dos seus clientes.
Aliás,
apesar de frequentes, as estimativas de consumo não devem ser o método
principal de apuramento do consumo.
Mais
relevante será verificar que os decisores, "maxime" os decisores
políticos, já assumiram publicamente que as estimativas de consumo têm
reconhecidas desvantagens para os consumidores e, ao mesmo tempo, manifestaram
a intenção, não só de reduzir a facturação por estimativa, como de eliminá-la,
num futuro próximo.
De facto, no
preâmbulo de diploma que trata da matéria de eficiência energética, defende-se
que os consumidores se tornem parte activa da transição energética e da
prioridade à eficiência energética, desenvolve-se a matéria da facturação,
medição, submedição e informação aos consumidores, dando maior relevo à digitalização
e à inteligência das redes como instrumento da transição energética e da acção
climática, e valoriza-se a transparência e conhecimento dos consumidores sobre
os seus consumos e custos.
Está já
previsto que os contadores instalados após 25 de Outubro de 2020 devem
assegurar a leitura à distância e que, aqueles que foram instalados
anteriormente e que não permitam a leitura remota, deverão ser substituídos até
1 de Janeiro de 2027.
Parece-nos
existir concordância generalizada com o fim das estimativas, ainda que a
respectiva implementação esteja dependente de sistemas tecnológicos que apenas
a médio prazo estarão à disposição da totalidade dos consumidores.
Por outras
palavras: não obstante o alargado consenso quanto à indesejabilidade das estimativas
de consumo, subsiste a questão da operacionalização do fim da facturação por
estimativa.
Esta questão
não é desprezível, na medida em que, não sendo devidamente acautelados os
aspectos práticos da alteração, é previsível que os custos indispensáveis à
instalação dos novos instrumentos de medição (que permitam a substituição das
estimativas de consumo por telecontagem) venham a ser repercutidos nos
consumidores, através da facturação.
Por tudo …,
entendemos não se justificar presentemente a tomada de posição pedida.”
Trata-se de
um rude golpe nos direitos e interesses dos consumidores.
Trata-se de
algo que releva de juízos próprios da administração “de oportunidade e
conveniência” que não do talhe dos princípios e regras sufragados pelo
ordenamento, da estrita legalidade e subjacente constitucionalidade ou
inconstitucionalidade das normas.
Não
entendemos a decisão da Provedora de Justiça e de quantos a assessoram, já que
o amparo que poderia constituir, de todo se dilui.
E isto
porque a legitimidade processual activa para as acções de declaração de
inconstitucionalidade não estão ao alcance de quem quer.
E a
Provedora de Justiça detém uma tal legitimidade: para a fiscalização abstracta
sucessiva da constitucionalidade das leis.
É restrito o
número de entidades para tanto legitimadas, a saber, o Presidente da República,
o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro–Ministro, o Provedor de
Justiça, o Procurador–Geral da República, um décimo dos Deputados à Assembleia
da República, entre outros, em conexão com a Regiões Autónomas e com processos
em concreto apreciados.
Daí o
recurso à Provedora de Justiça, pela singular posição que detém na arquitectura
constitucional.
Frustrante!
Triplamente frustrante! Porque não emitiu sequer um juízo de legalidade “in
casu”, antes algo fundado em considerações fácticas etéreas ou diferidas no
tempo, como se dos Objectivos faseados do Milénio se tratasse, afectadas por
circunstâncias anormais susceptíveis de recomendar as modificações cronológicas
delas decorrentes.
Lamentável,
profundamente lamentável que os consumidores estejam tão desassistidos em
Portugal, como ocorre actualmente!
“Não é por
muito madrugar que amanhece mais cedo!”
E nós já nos
cansámos de madrugar sem ver raiar o sol por entre as trevas como as que
acinzentam as perspectivas a que aspiram os consumidores em meio à
desorganização reinante e esmagados pelas posições de manifesta sobranceria das
majestáticas dos serviços públicos que nada nem ninguém fará sofrear!
Até quando,
Concidadãos, teremos de aguardar por uma decisão que de todo destrua tão
aberrantes métodos de facturação?
Até quando
os sacrossantos direitos dos consumidores terão por si a mão protectora a que
os textos atribuem o condão de deles curar?
Nestas
terras que outrora foram de Santa Maria, não há decerto que esperar por um
qualquer milagre!
De todo já
em tudo descremos!
Fique o
registo para a posteridade!
Mário Frota
apDC –
DIREITO DO CONSUMO - Coimbra