O DIREITO DO
CONSUMO EM PORTUGAL
As Dívidas
dos Serviços Públicos Essenciais e seus Modos de Extinção
(Portal do
PROCON RS, Portalegre, Brasil, edição de 11 de Março de 2021)
A principal
obrigação do consumidor de serviços públicos essenciais é a de pagar o preço.
Porém, nem
sempre as facturas apresentadas pelos fornecedores correspondem fielmente (e
com rigor) aos consumos.
O CONSUMIDOR
TEM DE PAGAR SÓ O QUE CONSOME
NA EXACTA
MEDIDA DO QUE E EM QUE CONSOME
Há, em
geral, facturas que apresentam valores superiores aos consumidos. E um dos
princípios básicos é esse: PAGAR SÓ O QUE SE CONSOME. E tão só. Há, pode
dizer-se, nestes casos, sobrefacturação, ou seja, facturação em excesso. Como
pode haver, é facto, subfacturação, isto é, facturação por defeito, a factura
apresenta consumo inferior ao realmente efectuado. Com as consequências que
advêm, neste particular, meses mais tarde, com os acertos. Os acertos podem
queimar a bolsa dos consumidores.
Desequilibram,
não raro, os orçamentos domésticos. Se tal acontecer, isto é, se os valores não
corresponderem aos consumos registados, o consumidor deve exercer o seu direito
de reclamação no prazo estabelecido para o pagamento.
E não tem de
ceder às exigências dos fornecedores que, tantas vezes, ainda recorrem a uma
fórmula estafada, a saber: “PAGUE PRIMEIRO – RECLAME DEPOIS”.
Fórmula que
curiosamente vem já dos romanos.
Terá de
reclamar de forma apropriada, em especial no LIVRO DE RECLAMAÇÕES. Para que
dele conste o desvio à normalidade nas relações com os consumidores.
Se tiver
dificuldades em lavrar a reclamação, peça a ajuda de alguém que possa fazê-lo
por si.
E pagar só
após a decisão final sobre a reclamação.
Há, porém,
situações em que o consumidor se deve escusar de pagar: sempre que a dívida se
achar prescrita.
PRESCRIÇÃO
DE DÍVIDAS
As dívidas
prescrevem pela passagem do tempo. Há distintos prazos de prescrição, consoante
a natureza das dívidas.
Assim,
. o prazo
ordinário da prescrição é de vinte anos.
.
prescrevem, porém, entre outros, no prazo de cinco anos:
. as rendas
e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
. os juros
convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
. as quotas
de amortização do capital pagáveis com os juros;
. as pensões
alimentícias vencidas;
. quaisquer
outras prestações periodicamente renováveis.
A lei
apresenta ainda outras hipóteses, em particular no que se refere a prescrições
que se fundam na presunção de cumprimento, mas que ora não vêm ao caso.
Para as
dívidas dos serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás,
comunicações electrónicas …, …) o prazo de prescrição é de 6 meses.
A Lei dos
Serviços Públicos Essenciais estabelece-o no seu artigo 10.º:
“1 - O
direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis
meses após a sua prestação.
2 - Se, por
qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga
importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do
prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele
pagamento.
3 - A exigência
de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com
uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada
para efectuar o pagamento.
4 - O prazo
para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis
meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante
os casos.
5 - O
disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica
em alta tensão.”
Para que a
prescrição seja eficaz, ou seja, para que o consumidor da sua inexigibilidade
judicial se possa prevalecer, cabe invocá-la, uma vez interpelado pelo credor
para pagar.
Em regra e
em geral, se o consumidor não invocar em seu benefício a prescrição, a dívida
subsistirá, cabendo-lhe efectuar o pagamento se para tanto nisso for condenado.
Mas há no
domínio dos serviços públicos essenciais uma excepção de ponderar: é que o
direito vem assistido da denominada caducidade do direito de acção que fulmina,
por assim dizer, a própria prescrição não invocada no tempo, no lugar e na peça
processual ou procedimental próprios.
Há, pois,
uma nuance que se analisará noutro passo, a saber, quando se contemplar o
instituto da CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
O fornecedor
poderá exigir o pagamento quer por carta, quer por meio de qualquer acção
judicial (ou injunção). Se o fizer por carta, o consumidor, na resposta, terá
de dizer exactamente que a dívida reclamada já prescreveu.
Se se tratar
de um qualquer meio judicial (acção ou injunção…) é na contestação ou na
oposição, respectivamente, que o consumidor invocará, em seu favor, a
prescrição.
O tribunal
não pode conhecer oficiosamente, por sua iniciativa, pois, da prescrição.
É o que diz
o Código Civil, no seu artigo 303:
“O tribunal
não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de
ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo
seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.
É ao
consumidor ou seu representante que cabe invocar a prescrição.
Não pode
esperar que outrem o faça por si. Menos ainda o juiz conheça da prescrição se o
caso for parar à barra dos tribunais.
O Código
Civil diz, por outras palavras, que, vencido o tempo da prescrição, tem o
consumidor o direito de não pagar.
Eis como o
diz no seu
Artigo 304:
(Efeitos da
prescrição)
“1.
Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o
cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do
direito prescrito.
2. Não pode,
contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de
uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este
regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem
como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.
3. No caso
de venda com reserva de propriedade até ao pagamento do preço, se prescrever o
crédito do preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a
restituição da coisa quando o preço não seja pago”.
No entanto,
se pagar, por ignorância, distracção ou por qualquer outra circunstância, não
pode o consumidor, por força de lei, exigir a devolução do montante que tiver
pago (a lei chama-lhe “a repetição do indevido”: “não pode ser repetida a
prestação”; “não pode voltar a ser pedido o que pagou “indevidamente”…).
Há como que
uma ideia de justiça aqui, contraposta à de segurança jurídica: se pagou,
embora não o devesse fazer por razões de segurança do direito, pagou bem. É
justo que tenha pago. E, por isso, nada pode pedir de volta. Não poderá pedir
que se lhe restitua o que indevidamente pagou.
A CADUCIDADE
DO RECEBIMENTO DA DIFERENÇA DO PREÇO
O mesmo
sucede quando o fornecedor factura a menos e, depois, pretende acertar contas.
Imaginemos a
seguinte situação: o consumidor teve um consumo real de 100, mas só lhe foi
debitado 10.
A diferença,
que é de 90, tem de ser reclamada pelo credor (fornecedor) em seis meses.
Veja-se o
que diz a Lei dos Serviços Públicos Essenciais no n.º 2 do artigo 10.º, já
transcrito noutro passo:
“Se, por
qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga
importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do
prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele
pagamento.”
Observar-se-á
a este respeito quanto se disse a propósito da prescrição de dívidas. O
pagamento da diferença, se exigido para além de seis meses, caduca, cai, não
sendo, pois, exigível ao consumidor que o faça. E valem aqui as mesmas
considerações feitas em relação à prescrição: é ao consumidor que cabe invocar
a caducidade
. ou por
carta se por carta lho exigirem
. ou na
resposta (contestação da acção ou oposição à injunção) ao meio judicial contra
si usado
. se o não
fizer, só não será condenado a pagar se na acção ou injunção o juiz tomar
conhecimento de que o meio processual usado (proposta a acção ou requerida a
injunção) o foi fora de tempo: e aqui suscita-se o fenómeno da caducidade do
direito de acção
. o tribunal
não pode substituir-se ao consumidor: está vedado ao juiz, nestes casos,
conhecer oficiosamente da caducidade do direito de recebimento da diferença do
preço, por tal se equiparar, neste passo, à prescrição.
Se bem que
haja quem interprete, de modo favorável ao consumidor, na conjunção de dois dos
artigos da Lei dos Serviços Públicos Essenciais (10.º e 13.º), os dispositivos
em vigor para concluir pela oficiosidade do conhecimento caducidade da
diferença do preço, em aplicação do que estabelece o Código Civil, no seu
artigo 333, sob a epígrafe “apreciação oficiosa da caducidade”, a saber:
“1. A
caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em
qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da
disponibilidade das partes.
2. Se for
estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável
à caducidade o disposto no artigo 303 [invocação provocada].”
E o facto é
que o n.º 1 do artigo 13 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais refere
claramente que
“É nula
qualquer convenção ou disposição que exclua ou limite os direitos atribuídos
aos utentes pela presente lei.”
Conquanto
estabeleça também, no seu n.º 2, que a nulidade só é susceptível de ser
invocada pelo consumidor.
Diferente do
instituto de que se curou é o da CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO,
que noutro
passo se analisará.
A IGNORÂNCIA
DO DIREITO E
A NATUREZA
DA PRESCRIÇÃO E DA CADUCIDADE
Os
consumidores ignoram, em geral, os direitos que lhes assistem.
E só
consequentes acções de informação nos meios de comunicação (jornais, revistas,
rádio, televisão…) permitirão que os direitos se assimilem e os consumidores os
retenham e exerçam quando postos em causa.
Mas se o
consumidor, como é de seu direito, se recusar a pagar, porque prescrita a
dívida ou por haver caducado o direito à diferença do preço, daí não poderão
advir quaisquer consequências nefastas ou desvantagens, como nalguns casos
sucede, com hipóteses como as que a seguir se perfilam:
. a
suspensão do serviço;
. a extinção
do contrato;
. a
exigência de caução ou outras garantias para poder continuar a processar-se o
fornecimento ou a prestação de serviço;
. a recusa
de celebração de um outro contrato…
CADUCIDADE
DO DIREITO DE ACÇÃO
A Lei
estabelece ainda que a acção tem de ser proposta em seis meses sob pena da
caducidade do direito de acção:
“O prazo
para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis
meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante
os casos.” (n.º 4 do artigo 10.º da Lei 23/96, de 26 de Julho).
Ora,
Não se ignore
que a caducidade do direito de acção é também de 6 meses, o que significa que
acção ou injunção proposta para além de tal prazo cai, caduca, nem sequer é
apreciada.
E a
caducidade é, neste passo, ao que parece, de conhecimento oficioso, isto é,
deve o tribunal conhecê-la sem necessidade de invocação da excepção pelo
interessado, no caso, pelo consumidor.
Aliás, o
Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 03 de Novembro de 2009, pelo punho
de Paulo de Sá, definiu-o com meridiana clareza numa decisão tirada, ao que se
nos afigura, ponderada:
I - A
interpretação conjugada dos arts. 10.º e 13.º da Lei n.º 23/96, de 26-07,
aponta no sentido de que a caducidade é, aqui, de conhecimento oficioso.
II - A
caducidade extingue os efeitos jurídicos do direito em virtude de um facto
jurídico stricto sensu, independentemente de qualquer manifestação de vontade.
…”
Sendo , em
bom rigor, de conhecimento oficioso, a CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO como que
absorve a prescrição.
Ainda que
não seja invocada pelo interessado, a prescrição não produzirá os seus efeitos,
deixando, pois, a dívida de ser judicialmente exigível, limpando-a de todo, a
não ser no estrito plano das obrigações naturais, a que noutro passo se aludiu.
Os efeitos
da prescrição não invocada não relevam perante a caducidade do direito de
acção: a acção é intempestiva se for instaurada para além dos seus meses que a
lei estabelece de prazo necessário para o efeito, para que possa prosseguir e
seus termos apreciados; se não for observado o prazo e o demandante o exceder,
instaurá-la-á fora de tempo, a acção atingida pela caducidade cai por si só,
naufraga por razões meramente formais, cabendo ao juiz conhecer do facto por via
das obrigações a que se adscreve, isto é, oficiosamente, pois. E, nisso, como
que se consome a prescrição, que deixa de produzir os efeitos da sua não
invocação, ou seja, os da condenação no pagamento.
TRIBUNAIS
ARBITRAIS NECESSÁRIOS
Sempre que
os consumidores se vejam envolvidos em litígios no domínio dos serviços
públicos essenciais, recomenda-se que recorram aos tribunais arbitrais de
conflitos de consumo, que desde 2011 funcionam como tribunais necessários, não
podendo, como até então sucedia, em tantos casos, os demandados, os prestadores
de serviço furtar-se, eximir-se, escapar à acção de tais órgãos de
administração extrajudicial da justiça.
Os tribunais
arbitrais de conflitos de consumo, em sentido estrito, situam-se em Guimarães,
Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Faro e Funchal e, para as zonas do País não
servidas por tais órgãos, é competente em razão do território o Tribunal
Arbitral de Conflitos de Consumo Nacional, situado em Braga, nas instalações do
CIAB – Centro de Informação e Arbitragem de Braga.
Eis, para
cabal informação, a lista dos centros em laboração no País:
Em geral
Centro
Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo (CNIACC)
Centro de
Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região de Coimbra (CACRC)
Centro de
Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa (CACCL)
Centro de
Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região Autónoma da Madeira (CACC RAM)
Centro de
Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (CICAP)
Centro de
Arbitragem de Conflitos de Consumo do Ave, Tâmega e Sousa (TRIAVE)
Centro de
Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo (Tribunal Arbitral de Consumo)
(CIAB)
Centro de
Informação, Mediação e Arbitragem do Algarve (CIMAAL)
Em especial
Centro de
Arbitragem do Sector Automóvel (CASA)
Centro de
Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS)
Provedor do
Cliente das Agências de Viagens e Turismo (Provedor da APAVT)
De assinalar
que o processo nestes tribunais (ou equiparados) é rápido, seguro e gratuito
(ou tendencialmente gratuito).
Não
consideramos aqui, por razões óbvias, o Centro de Arbitragem da Universidade
Autónoma de Lisboa (CAUAL), que também se ocupa de litígios de consumo.
Os
consumidores nada terão de pagar, em princípio (tudo dependendo dos centros de
arbitragem em que se situe o tribunal arbitral competente), para se socorrerem
de tais tribunais, o que é uma vantagem considerável, se se atender ainda ao
facto de a justiça ser muito rápida (90 dias, em geral, do início até ao fim de
um pleito, é o tempo prescrito pela lei para o efeito).
Justiça pronta
é justiça de ouro…
Justiça que
tarda tem sempre o amargo sabor da injustiça!
Mário Frota
apDC –
DIREITO DO CONSUMO - Coimbra