a continuidade da
prestação é, porque não solicitada,
“oferta gratuita”…
“Celebrei um
contrato com a duração de 24
meses. Chegou ao seu termo em Novembro de 2020.
Ainda discuti a renovação, mas não cheguei a
acordo.
O operador continua a cobrar-me como se o
contrato se renovasse automaticamente.
O operador continuou a fornecer, insensível, o
serviço.
Esse direito assiste-lhe?”
Em
termos precisos perante a interrogação:
§ O
contrato caduca; ao chegar ao seu termo, o contrato cai, como o fruto maduro
cai da árvore;
§ e
pelo facto de o operador não fazer cessar os serviços, tal não significa que o
consumidor deva estar adstrito ao pagamento de uma qualquer prestação por
serviço cuja continuidade não solicitou;
§ tal
deve ser considerado, nos termos da aplicação dos princípios gerais e de normas
especiais que quadram ao ordenamento normativo dos consumidores, como serviços não solicitados e, nessa
medida, nenhuma contraprestação será devida;
§ nem
sequer se diga que há enriquecimento sem causa por parte do consumidor.
A Lei
das Comunicações Electrónicas, de 10 de Fevereiro de 2004, reza que:
“No decurso do período de fidelização ou no seu termo não pode, em
princípio, ser estabelecida nova fidelização.
Só poderá, porém, sê-lo por vontade do consumidor validamente expressa e nos termos previstos para o contrato se lhe forem
facultados novos equipamentos terminais subsidiados ou oferecidas condições
promocionais devidamente identificadas e quantificadas.
Em caso algum, tais condições poderão abranger
vantagens cujos custos hajam sido já recuperados em anterior período de
fidelização.”
E, noutro domínio (n.º 14 do art.º 48),
prescreve:
“Finda a
fidelização e na ausência de acordo de uma nova fidelização, o valor a
estabelecer como contrapartida pelo contrato não pode ser superior aos preços
normais devidos àquela data, abrangendo, apenas, os encargos relativos ao
acesso, utilização e manutenção.”
Ora, tal pressuporia que a relação contratual
subsistisse, o que não é patentemente o caso: o contrato cessa. E a sua
hipotética manutenção pressuporia “contrato forçado”, “serviço não solicitado”,
fenómeno para o qual a lei oferece uma solução em conformidade com o que é a
traça do sistema.
Aliás, em um cenário anterior, e na pressuposição de que o contrato se renovaria, o Supremo Tribunal
de Justiça de 14 de Novembro de 2013, pelo punho do Conselheiro João Trindade
e a anuência dos seus pares, decretara:
“…
V
- Alegando a predisponente (demandada)
que a fixação da cláusula de permanência mínima (cláusula penal de fidelização) é justificada pelos
custos incorridos com as infra-estruturas para prestação do serviço e com os
equipamentos entregues ao cliente, é a mesma desproporcionada se abarca, não
apenas o período de fidelização
inicial, em que tais custos foram recuperados, mas também o período de
renovação automática subsequente.”
Só
que, no quadro actual, o contrato não se
renova automaticamente. Cessa. E não há uma renovação nem de facto e menos
ainda de direito (se tal dicotomia se consentir neste particular).
Uma
renovação forçada contraria a prescrição que a Lei dos Contratos à Distância e Fora de Estabelecimento, de 14 de
Fevereiro de 2014, define imperativamente, so a epígrafe:
“Fornecimento
de bens não solicitados
1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento
relativo a fornecimento não solicitado de bens, água, gás, electricidade,
aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…
2 - Para
efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na
sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como
consentimento.” (artigo 28)
Daí que não seja devido qualquer montante pela
continuidade de um serviço que deveria ter sido subtraído ao consumidor pelo
operador: operadores tão ágeis a “cortar” quando lhes convém e, neste
particular, vão “fazendo render o peixe”… porque o “mealheiro” está sempre a
pingar… sem eventual esforço suplementar!
Ora, tal não o admite o sistema que enforma o
ordenamento dos consumidores.
E da negligência ou subtil esperteza do
operador não poderá ele mesmo avantajar-se, daí colhendo benefícios que se não
têm por lícitos.
Cessando o contrato, a continuidade da
prestação não poderá de nenhum modo envolver quaisquer encargos para o
consumidor.
Este é o entendimento que deve, ao que se nos
afigura, prevalecer na circunstância.
Este é, segundo o nosso juízo, o correcto
sentido das normas, na sua interligação funcional.
Se acaso se pretender subverter o sistema,
entendendo que a continuidade do serviço, assim imposto, deve importar uma
contrapartida, um pagamento, estaremos a avantajar o fornecedor e a prejudicar
o consumidor e a estabelecer relações contratuais onde as não há. Nem sequer se
consente que haja uma qualquer compensação porque essa seria a forma de violar
o sentido e alcance da norma segundo a qual os serviços (ou produtos) não
solicitados são gratuitos.
Donde, montante nenhum ser devido: nem se
justificando a exigência de um qualquer pagamento e menos ainda, se for o caso,
o débito directo por conta (se instruções nesse sentido tiverem sido emitidas
para a instituição de crédito a que o consumidor estiver ligado) que tem um
começo e um fim, coincidente com a data em que o contrato expira.
É preciso retirar do direito tudo o que nos
pode oferecer, com um sentido lógico e teleológico que não pode ser ofuscado
pelos interesses em presença.
CONCLUSÃO:
Se, findo o contrato, o operador continuar a
oferecer o acesso aos serviços, o consumidor nada terá de pagar porque tal
oferta é considerada forçada e, por isso, nada é devido por lei, tendo-se por
gratuita.
Mário Frota
apDC – DIREITO
DO CONSUMO - Coimbra
Projecto com o apoio do Fundo do Consumidor