Práticas Comerciais
Desleais? Ou Publicidade Enganosa?
Erro sobre as qualidades
da coisa?
(Portal do PROCON RS,
Brasil, 02 de Março de 2021)
A consumidora comprara um veículo híbrido (Honda
Civic) que consumiria, ao que da publicidade constava, 3,8 litros/100 Km, a uma
velocidade regular.
O facto é que o consumo se cifrava sempre da
ordem dos 6 ou mais litros, a velocidade constante de 120 Km.
A consumidora pretende exigir responsabilidades
ao concessionário ou à própria marca e não sabe por que meio fazê-lo. Nem sabe
se estes embustes cabem na margem de exagero que a publicidade naturalmente
comporta. Ou se, ainda assim, poderá anular o contrato.
Apreciando a vertente situação, cumpre emitir
opinião.
A situação em análise é, na verdade, susceptível
de configurar uma prática negocial desleal (enganosa), publicidade enganosa ou
contrato celebrado com base em erro sobre as qualidades da coisa.
Mas, em rigor, enquadra-se no âmbito das
hipóteses de não conformidade, de harmonia com o que prescreve a
alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei das Garantias dos Bens de Consumo, vigente
em Portugal e que corresponde à transposição de uma Directiva do Parlamento
Europeu e do Conselho:
“Presume-se que os bens de consumo não são
conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
…Não apresentarem as qualidades e o desempenho
habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar,
atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as
suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu
representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”
A ser assim, como parece, o consumidor teria 2
meses para denunciar a não conformidade, após detectar as diferenças de
consumo (o consumo publicitado e o consumo real), de acordo com o que
estabelece o n.º 2 do artigo 5.º - A da aludida lei:
“Para exercer os seus direitos, o consumidor
deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses,
caso se trate de bem móvel…”
E dentro dos 2 anos contados da entrega da
coisa, já que esse é o prazo de garantia dos bens móveis, consoante o n.º 3 do
enunciado artigo:
“Caso o consumidor tenha efectuado a
denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos
ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da
data da denúncia…”
E, de entre os remédios de que o comprador podia
lançar mão, o da extinção do contrato (a resolução do contrato, como diz
a lei) figura como adequado à circunstância: podia, pois, pôr termo ao
contrato, devolvendo o veículo e exigindo a restituição do montante pago ou o
cancelamento do crédito concedido. Uma vez que a reparação do automóvel não
parece satisfazer os interesses em presença. Tão pouco a sua substituição ou a
redução adequada do preço. Que são os mais remédios previstos na lei.
Independentemente da indemnização a que houver lugar pelos danos eventualmente
causados ao comprador.
Mas o consumidor só pode agir contra o
concessionário, que não contra o fabricante.
Com efeito, por se tratar de pôr termo ao
contrato, tal não é susceptível, por lei, de ser oposto ao fabricante, à marca.
Poderia eventualmente “voltar-se” contra o
fabricante, de harmonia com o n.º 1 do artigo 6.º da lei, mas nas hipóteses que
neste particular se enunciam:
“Sem prejuízo dos direitos que lhe
assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha
adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação
ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado
tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade,
a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser
concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.”
Só – e tão só - para exigir a
reparação ou a substituição da coisa. O que não é patentemente o caso!
O Direito do Consumo, na Europa,
no particular das garantias, é bem mais robusto que no Brasil, no âmbito do
Código de Defesa do Consumidor.
Já Flávio Citro Vieira de Mello,
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e Marcus da Costa Ferreira,
do Tribunal de Justiça de Goiás, o vêm afirmando sistematicamente, apelando
ao legislador brasileiro que siga o frutuoso exemplo da Europa, leia-se, da
União Europeia, que é mais pródigo e mais conforme com a realidade envolvente
e a necessidade de se pôr côbro à obsolescência programada.
Mário Frota
|
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra