Troca de brindes: direito ou favor?
Nem o “deslindes”… ao consumidor!
“A Deco-Proteste, L.da, braço armado de uma
empresa multinacional que se faz passar fraudulentamente, entre nós, por
associação de consumidores (e, na sua esteira, outros “intérpretes”),
considera, estranha e erroneamente, mero favor dos comerciantes a
troca de brindes, já que – garante – não há na lei nada que consigne
qualquer direito, neste particular, ao consumidor.
Os disparates
repetem-se em vários “sites”, sendo que um deles é o do Banco Santander… e
outros de análogo parecer!
Pergunta-se se
concorda com esta opinião, que favorece, com efeito, o comércio em detrimento,
afinal, do consumidor.”
Apreciada a questão,
urge desmistificar tendenciosas ‘interpretações jurídicas’, denunciar promiscuidades,
repor as coisas no são, segundo o nosso entendimento:
1. Na ausência de regra
expressa no ordenamento jurídico de consumo, há que recorrer supletivamente ao
Código Civil: nele se disciplina quer a venda a contento quer
a venda sujeita a prova.
2. A ‘venda a contento’ é feita sob reserva de a coisa agradar
ao consumidor; a ‘venda sujeita a prova’ sob condição de a coisa
ser idónea para o fim a que se destina e ter as qualidades pelo vendedor
asseguradas.
3. A venda a
contento [Cód. Civil: art.º 923 s] reveste duas modalidades:
3.1. a primeira, mera proposta
de venda: a proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao
consumidor, este se não pronunciar dentro do prazo da aceitação (8, 10 dias, o
que se fixar); neste caso, não haverá pagamento porque não há contrato, mas uma
mera entrega de um valor, a título de caução.
3.2. a segunda, como contrato:
há já um contrato a que se porá termo se a coisa não agradar ao consumidor;
devolvida a coisa, restituir-se-á, na íntegra, o preço.
4. Em caso de dúvida,
presume-se que se trata de mera proposta contratual.
5. A ‘venda sujeita a
prova’ [Cód. Civil: art.º 925] depende, em princípio,
de uma condição suspensiva: i., é, aquela segundo a
qual as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos
efeitos do negócio; se a coisa servir ao consumidor, se for idónea ao fim a que
se destina, o negócio produz os seus efeitos normais; se, pelo contrário, o não
for, o contrato extingue-se.
6. Prova feita dentro do
prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos.
7. Mas poderá haver ainda
o recurso ao ‘princípio da autonomia da vontade’ [Cód. Civil: art.º
406], em cujo n.º 2, sob a epígrafe “liberdade contratual”, se diz:
“As partes podem ainda reunir
no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente
regulados na lei.”
8. E o facto é que os
contratos celebrados nestas circunstâncias (e é essa tanto a vontade de uns e
de outros, fundidas em negócio jurídico que - se assim não fora - nem os
consumidores comprariam nem os comerciantes venderiam) são-no com a faculdade
de troca em um dado período de tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso
paralelo ao prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto,
constava das notas emitidas pelos estabelecimentos).
9. Contrato que é um
híbrido de venda a contento ou sujeita a prova com consequências
menos gravosas para o comerciante que os verdadeiros e
próprios contratos típicos, nominados, como aliás se
definem, com a faculdade de troca do bem, já que se pactua a substituição da
coisa que não a sua devolução pura e simples com a restituição do preço.
10. Não se fale, pois, em favor ou
em mera cortesia nem se diga que os fornecedores não estão
obrigados a efectuar as trocas com as consequências daí emergentes: porque, em
tais termos, a isso se obrigam, sem quaisquer reservas.
EM CONCLUSÃO
a. As trocas de brindes,
de prendas, não são meros favores, antes algo regrado no Código Civil ou em
resultado do acordo das partes: ou vendas a contento ou sujeitas a prova [Cód.
Civil: artigos 923 e ss].
b. No limite, tratar-se-á
de um contrato híbrido de venda a contento ou sujeita a prova com a faculdade
não de devolução, mas de substituição do bem [Cód. Civil: artigo 406].
c. Estão no cerne das
negociações comerciais, estão previstas na lei, são por tal disciplinadas,
decorrem da livre negociação entre as partes, resultam de usos comerciais
consolidados: não se deturpe, pois, a coisa com gravame para o consumidor.
Eis, salvo melhor juízo, o nosso
parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Portugal