I
INTRÓITO
POR UMA POLÍTICA DE CONSUMIDORES
PARA PORTUGAL
VL
A propósito do Programa do Governo para os consumidores, como tema que se tratou nos últimos programas, quais seriam, então em seu parecer, os temas a privilegiar e que o não foram?
MF
Tão simples quanto isto:
Em primeiro lugar, o que se prende com a legislação. E aí o propósito de o Governo, que se quer para a legislatura, seria o de conceber algo do estilo, como a aprovação de um:
. Código de Contratos de Consumo, documento completo e susceptível de abarcar toda a legislação avulsa existente.
. Código Penal do Consumo em substituição do caduco decreto-lei de 1984, mais do que ultrapassado
. Código do Agro-Alimentar em que se coligissem todas as leis dispersas em vigor
. Código de Processo Colectivo, de molde a dar expressão às modalidades das acções populares, das acções inibitórias e das acções colectivas europeias
. Regulamento Uniforme dos Tribunais de Consumo / Meios Alternativos de resolução de Litígios
Em segundo lugar:
. Extinção da Direcção-Geral do Consumidor
E, depois, a criação de um
. Serviço do Provedor do Consumidor
. Serviço Municipal do Consumidor em cada uma das autarquias locais
. Conselho Municipal do Consumo
. A recriação do
. Conselho Nacional do Consumo
. e da Comissão das Cláusulas Abusivas (abrangente, sem deixar aos reguladores o que quer que fosse neste particular, porque sem sentido nem utilidade, antes pelo contrário)
. Em matéria de Formação (e de educação) para a Sociedade do Consumo, o cumprimento do artigo 6.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, a saber:
. Um Plano Nacional de Formação de Formadores
. Um Plano Nacional de Formação de Técnicos de Consumo para dotação dos Serviços Municipais do Consumidor e de estruturas outras, designadamente das empresas privadas
. Um Plano Nacional de Formação de Consumidores Adultos
. A concretização, no sistema educativo, em particular no ensino básico e secundário, de programas e atividades de educação para o consumo em termos curriculares e de modo transversal (disciplina a disciplina)
. Programas de Ensino à Distância para a Formação do Consumidor
No que toca à INFORMAÇÃO PARA A SOCIEDADE DE CONSUMO, o cumprimento do que dispõe o artigo 7.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, mormente:
. O cumprimento do artigo 7.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em particular:
. Criação de bases de dados e arquivos digitais acessíveis, de âmbito nacional, dirigidas às instituições;
- Criação de bases de dados e arquivos digitais acessíveis de modo incondicionado aos consumidores em geral.
. Criação de Programas modelares no serviço público de rádio e de televisão (pago consabidamente por consumidores na factura da energia e pelos contribuintes, nas indemnizações compensatórias que sobre si recaem, sem resultados, porém)
No que se refere à PROTECÇÃO DOS CONSUMIDORES:
. Cobertura geográfica pelos Tribunais de Consumo (dirimirem-se os litígios mediante meios alternativos ao arrepio da administração da justiça com o timbre do Estado) em todos os distritos do Continente (só 8 em 18 se acham dotados);
. Extensão da utilidade económica do pedido (ora nos 5 000 € para os tribunais arbitrais necessários) para os 15 000 € (tal como ocorre com os julgados de paz) ou mesmo para os 30 000 € (alçada dos tribunais de segunda instância);
. Conversão do Tribunal Nacional em órgão de resolução dos litígios de relações creditícias, de natureza especializada, ou de litígios com maiores índices estatísticos de ocorrência, como os que se pretendem com a qualidade das construções;
. Criação de um sistema recursal para as decisões vertidas pelos tribunais de consumo de base
. Maior cobertura e maior difusão de tais meios, o que hoje de todo falece.
Claro que se poderia dizer muito mais: o resto figurará nas entrelinhas.
Política de consumidores, precisa-se!
Consciência de banda do Governo de uma tal necessidade, urge!
II
CONSULTÓRIOS
VL
Sofia Santana- Vale da Pedra
Olá, Professor, gostava de saber a sua opinião sobre a ausência de fiscalização da ASAE. Já trabalhei num restaurante onde tinha visitas com frequência. Nos últimos dois anos, nomeadamente depois da pandemia, as visitas começaram a ser escassas. Após a saída, dá-me a entender, do anterior presidente, as visitas quase que deixaram de existir. E depois vemos exemplos deploráveis como aqueles do restaurante chines em Lisboa que toda a gente conhecia e onde a ASAE parece que nunca foi? Estaremos bem protegidos?
MF
É convicção nossa de que se vem conferindo cada vez mais atribuições e competências à entidade de regulação do mercado: à ASAE.
Mas que os efectivos bateram no fundo.
Aliás, de forma inconsequente, da pretensa política de consumidores do último Governo de Costa, uma das medidas de realce – quanto a nós deslocada e sem qualquer sentido – era a do reforço de quadros e efectivos da ASAE em vista de uma mais adequada protecção do consumidor.
O actual Governo, no seu esboço de política, de uma mediocridade confrangedora, como que reforça a idiea.
Repare no que diz a propósito da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica:
· “Promover a comunicação eficaz da Direção-Geral do Consumidor (DGC) bem como da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) junto dos consumidores, visando o maior reconhecimento da sua missão junto do seu público-alvo”
· Afirmar a actuação da ASAE no âmbito da prevenção e fiscalização do cumprimento das regras relativas ao exercício das atividades económicas, através do reforço dos meios humanos, logísticos, capacitação tecnológica e intervenção infraestrutural.
· A consagração constitucional dos direitos dos consumidores reclama, do mesmo modo, a actuação eficaz por parte do Estado na proteção desses direitos, no controlo fiscalizador dos mercados;
· Combater a economia paralela, a fraude, as práticas fraudulentas na área alimentar, no âmbito das práticas comerciais desleais e na segurança dos produtos;
· Reforçar a fiscalização e inspeção quanto à segurança dos alimentos e ao controlo do cumprimento das regras aplicáveis às atividades económicas dirigidas aos consumidores, em setores estruturantes da economia nacional como o turismo, a restauração, o retalho alimentar e não alimentar e, de forma transversal, o comércio eletrónico”
Para nós, estas são medidas de execução das missões que de todo incumbem aos órgãos da administração no dia-a-dia e que não têm de ser guindadas a medidas-chave de uma qualquer política de consumidores.
Com os efectivos esmagados é natural que tudo se degrade.
Razão por que as observações, as angústias e as conclusões da ouvinte são absolutamente legítimas como cidadã.
Os Governos de Costa deixaram os serviços públicos numa miséria autêntica (“contas certas”, já se vê…) e quem vier atrás… “que feche a porta”!
VL
Pedro Pimpão – Alverca
Salve, Professor! Gostava de saber, se é que sabe, quem é que nos defende das chamadas de SPAM que agora nem o telemóvel identifica como tal. Atendemos e do outro lado há uma gravação a dizer que tem uma oferta de trabalho.
Recebo em média uma por semana e da operadora, a NOS, dizem para bloquear o número. O problema é todos os dias às 9 em ponto, ligam sempre de um número diferente. O que diz a lei sobre isto?
MF
O que a Lei da Privacidade nas Comunicações Electrónicas de 18 de Agosto de 2004 diz no seu artigo 13-A, como vimos repetindo, neste espaço, é o que segue:
Artigo 13.º-A
Comunicações não solicitadas
1 - Está sujeito a consentimento prévio expresso do assinante que seja pessoa singular, ou do utilizador, o envio de comunicações não solicitadas para fins de marketing direto, designadamente através da utilização de sistemas automatizados de chamada e comunicação que não dependam da intervenção humana (aparelhos de chamada automática), de aparelhos de telecópia ou de correio eletrónico, incluindo SMS (serviços de mensagens curtas), EMS (serviços de mensagens melhoradas) MMS (serviços de mensagem multimédia) e outros tipos de aplicações similares.
2 - O disposto no número anterior não se aplica aos assinantes que sejam pessoas coletivas, sendo permitidas as comunicações não solicitadas para fins de marketing direto até que os assinantes recusem futuras comunicações e se inscrevam na lista prevista no n.º 2 do artigo 13.º-B.
3 - O disposto nos números anteriores não impede que o fornecedor de determinado produto ou serviço que tenha obtido dos seus clientes, nos termos da Lei de Proteção de Dados Pessoais, no contexto da venda de um produto ou serviço, as respectivas coordenadas eletrónicas de contacto, possa utilizá-las para fins de marketing direto dos seus próprios produtos ou serviços análogos aos transacionados, desde que garanta aos clientes em causa, clara e explicitamente, a possibilidade de recusarem, de forma gratuita e fácil, a utilização de tais coordenadas:
a) No momento da respetiva recolha; e
b) Por ocasião de cada mensagem, quando o cliente não tenha recusado inicialmente essa utilização.
4 - É proibido o envio de correio eletrónico para fins de marketing direto, ocultando ou dissimulando a identidade da pessoa em nome de quem é efetuada a comunicação, em violação do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de janeiro, sem a indicação de um meio de contacto válido para o qual o destinatário possa enviar um pedido para pôr termo a essas comunicações, ou que incentive os destinatários a visitar sítios na Internet que violem o disposto no referido artigo.
5 - Para tutela dos interesses dos seus clientes, como parte dos respetivos interesses comerciais, os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público têm legitimidade para propor ações judiciais contra o autor do incumprimento de qualquer das disposições constantes do presente artigo, bem como do artigo 13.º-B.”
A coima para tais chamadas orça entre os 5 000 e os 5 000 000 €, de harmonia com o artigo 14 da Lei da Privacidade das Comunicações de 2004.
E a entidade competente para o efeito, numa partilha entre o Regulador das Comunicações (a ANACOM), em certas matérias, e a CNPD (Comissão Nacional de Protecção de Dados) é esta última, à qual deve participar cada uma das violações, uma vez que fica com os números registados das chamadas feitas.
Sónia Oliveira – Setúbal
Olá professor, acompanho há anos os seus programas, encontrei-o aqui na Rádio e ainda bem. Gostava de lhe perguntar como faço para reclamar da Temu. Encomendei um tapete para a sala, calhou-me um tapete de rato. No site não está explicito e as fotos pareciam do tamanho real. Já enviei reclamação. Já lá vai um mês e nada.
MF
Se a Temu tiver um qualquer entreposto no espaço geográfico europeu, parece avisado recorrer ao Centro Europeu do Consumo, adstrito à Direcção-Geral do Consumidor, à Praça Duque de Saldanha, em Lisboa.
De todo o modo, convém participar o facto à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, pelos meios tradicionais.
As dificuldades, a não haver, como parece, qualquer entreposto na no EEE (vimo-lo em consulta breve com base em notícia do PÚBLICO que nos surgiu a propósito), terá naturalmente dificuldades em solucionar o diferendo.
Por mais que pareça risível, dirija-se ao adido comercial junto da Embaixada da China, em Lisboa, a ver se resulta…
Ana Sousa – Alverca
Boa tarde
Recentemente encomendei online alguns alimentos não perecíveis de uma empresa aqui perto. A transportadora nunca me chegou a entregar a encomenda. No dia que alega ter vindo, estava em casa em teletrabalho. Não sai por causa da entrega. O que é certo é que a encomenda nunca me chegou e foi devolvida e até já estava paga. Liguei para a empresa e disseram-me que iam devolver o dinheiro. No entanto a culpa é da transportadora, da qual não consigo reclamar. O site está sempre lento e a sede da mesma é em Lisboa. O site não tem livro de reclamações. Como faço para reclamar?
MF
A responsabilidade, de harmonia com a Lei da Compra e Venda de Consumo, é da empresa-
Eis o que diz a lei, no seu artigo 11, sob a epígrafe
“Entrega do bem ao consumidor”
“1 - O bem considera-se entregue ao consumidor quando este ou um terceiro por ele indicado, que não o transportador, adquire a posse física do bem.
2 - Nos casos em que o contrato de compra e venda preveja a instalação do bem por conta do profissional, o bem considera-se entregue quando a instalação se encontrar concluída.
3 - No caso de bens com elementos digitais, considera-se que o bem é entregue quando:
a) A componente física dos bens seja entregue e o ato único de fornecimento seja efetuado;
b) A componente física dos bens seja entregue e o fornecimento contínuo do conteúdo ou serviço digital seja iniciado.
4 - O profissional deve entregar os bens na data ou dentro do período especificado pelo consumidor, salvo convenção em contrário.
5 - Na falta de fixação de data para a entrega do bem, o profissional deve entregar o bem sem demora injustificada e até 30 dias após a celebração do contrato.
6 - Não sendo cumprida a obrigação de entrega dos bens na data acordada ou no prazo previsto no número anterior, o consumidor tem o direito de solicitar ao profissional a entrega num prazo adicional adequado às circunstâncias.
7 - Se o profissional não entregar os bens dentro do prazo adicional, o consumidor tem o direito de resolver o contrato.
8 - O consumidor tem o direito de resolver imediatamente o contrato, sem necessidade de indicação de prazo adicional nos termos do n.º 6, caso o profissional não entregue os bens na data acordada ou dentro do prazo fixado no n.º 5 e ocorra um dos seguintes casos:
a) No âmbito do contrato de compra e venda, o profissional se recuse a entregar os bens;
b) O prazo fixado para a entrega seja essencial atendendo a todas as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato; ou
c) O consumidor informe o profissional, antes da celebração do contrato, de que a entrega dentro de um determinado prazo ou em determinada data é essencial.
9 - Após a resolução do contrato, o profissional deve restituir ao consumidor a totalidade do montante pago até 14 dias após a referida resolução.
10 - Em caso de incumprimento do disposto no número anterior, o consumidor tem o direito à devolução em dobro do montante pago, sem prejuízo da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a que haja lugar.
11 - Incumbe ao profissional a prova do cumprimento das obrigações estabelecidas no presente artigo.
12 - Nos contratos em que o profissional envie os bens para o consumidor, o risco de perda ou dano dos bens transfere-se para o consumidor quando este ou um terceiro por ele indicado, que não o transportador, adquira a posse física dos bens.
13 - Se o consumidor confiar o transporte a pessoa diferente da proposta pelo profissional, o risco transfere-se para o consumidor com a entrega do bem ao transportador.”
Portanto, a responsabilidade neste caso é do fornecedor.
A devolução do preço, após notificação da resolução, far-se-á em 14 dias, sob pena de a restituição dever ser feita em dobro.

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