quarta-feira, 18 de setembro de 2024

‘COVEIROS’ DO DINHEIRO COM CURSO LEGAL?


Cenário

§  Local: Leroy Merlin em Oeiras (Oeiras Parque).

§  Dia/Hora: Domingo, à tarde, cerca  das 16.00h

§  Havia habitualmente 3 ou 4 caixas com atendimento presencial  onde se podia pagar com dinheiro e com cartão. Adicionalmente, havia 3 ou 4 pontos de pagamento em regime self service e só com base no cartão.

§  No dia indicado, havia apenas 2 caixas com atendimento pessoal sem que estivessem a funcionar.

§  Havia também 7 ou 8 caixas self service, e apenas numa delas se permitia o pagamento em dinheiro.

§  Nesse momento,  3 ou 4 trabalhadores que em vez de se acharem  nas caixas com atendimento presencial, andavam a pressionar os clientes de forma bastante insistente, diria até demasiado e inaceitavelmente insistente, para pagar com cartão.”

Confrangedor!

Quando  as políticas de empresa e os que nelas “embarcam” adoptam um tal figurino, perguntamo-nos se os seus ‘executores’ já se deram conta de que, não tarda, serão removidos dos seus postos de trabalho porque de todo dispensáveis?

As máquinas farão o que lhes competiria…

A pretensa substituição do dinheiro com curso legal pelo digital (pelos cartões de pagamento) redundará decerto em apreciável redução dos quadros de pessoal com reflexo na situação dos que protagonizam tais estratégias.

Os trabalhadores que “enxotam” os clientes para o digital (como que embargando o passo a quantos pretendam usar as suas prerrogativas de pagar em  dinheiro…) estarão, isso sim, a “cavar a própria sepultura” e a servir de instrumento a que se não cumpra a lei: e podem, a esse título, tornar-se responsáveis à luz dos preceitos em vigor…

Um tal comportamento subsume-se, desde logo, na moldura das práticas comerciais desleais. Pelo assédio que lhe subjaz, é qualificada como agressiva:

“É agressiva a prática comercial que, devido a assédio, coacção ou influência indevida, limite ou seja susceptível de limitar significativamente a liberdade de escolha ou o comportamento do consumidor em relação a um bem ou serviço e, por conseguinte, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.”

Tais práticas encaixam-se nas contra-ordenações económicas graves: as coimas oscilam entre 12 000 e 24 000 € (grandes empresas).

Inequívocas as directrizes da Comissão Europeia;

1. Havendo obrigação de pagamento, o curso legal das notas e moedas em euros deve implicar:

a) Aceitação obrigatória: O credor de uma obrigação de pagamento não pode recusar notas e moedas em euros, a menos que as partes acordem entre si em outros meios de pagamento.

b) Aceitação ao valor nominal total: O valor monetário das notas e moedas em euros é igual ao montante [nominal] nelas indicado.

c) Poder para cumprir obrigações de pagamento: Um devedor pode cumprir uma obrigação de pagamento mediante a entrega ao credor de notas e moedas em euros.

2. Aceitação de pagamentos em notas e moedas em euros nas transacções no comércio retalhista

Deve ser a regra – a regra, que não a excepção - nas transacções no comércio retalhista.

3. Aceitação de notas de valor elevado em transacções no comércio retalhista

As notas de banco de valor elevado devem ser aceites como meio de pagamento nas transacções no comércio retalhista.

Recusa só possível quando fundamentada em razões ligadas ao «princípio de boa fé» (p. e., o valor nominal da nota apresentada é desproporcionado ante o montante devido ao credor).

4. Ausência de sobretaxas impostas à utilização de notas e moedas em euros

Não devem ser impostas sobretaxas aos pagamentos com notas e moedas em euros.

Regras tão elementares não podem ser afastadas do tráfego jurídico corrente.

Há, por razões de outra ordem, limitações ao pagamento de montantes superiores a 3 000 €.

Procedimentos que redundem na recusa ou na pressão para que se pague mediante cartão são ilícitos e devem ser objecto de reprovação geral.

Este registo tem de merecer do Banco de Portugal uma tomada de posição em afirmação dos princípios que, face à lei, tem obviamente de sufragar.

Vai mal a coisa quando tudo se deixa ao livre alvedrio das empresas que descolam da lei, vá-se lá saber em obediência a que desígnios…

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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