(28 de Junho de 2024)
Garantias ‘enferrujadas’
Direitos denegados…
“Comprei um forno branco IKEA Mattradition, que soube mais tarde ser da marca Whirlpool.
A porta do forno começou a enferrujar ao fim de 1 ano, sendo quase imperceptível. Agora, ao fim de 2 anos, já tem uma enorme mancha castanha.
Está colocado numa cozinha aberta para a sala o que dá um péssimo aspecto.
A empresa WHIRLPOOL diz que o defeito da ferrugem não está abrangido pela garantia.”
Apreciada a questão, cumpre oferecer a solução que se afigura conforme à lei:
1. A garantia, como o vimos afirmando desde sempre, “é da coisa toda e de toda a coisa” (Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo – LCVBC: art.º 5.º).
2. Ainda que a exclusão conste das condições gerais dos contratos ou da própria apólice da garantia, sobrevém a nulidade da cláusula (LCVBC: n.º 1 do art.º 51; Lei das Condições Gerais dos Contratos - LCGC: al. d) do art.º 21).
3. Ao consumidor compete accionar a garantia perante a empresa com a qual celebrou o contrato de compra e venda (LCVBC: n.º 1 do art.º 12).
4. A lei confere-lhe, porém, a faculdade de exigir o cumprimento da garantia ao fabricante, restrita, contudo, a dois dos remédios previstos: a reparação e a substituição, que não à redução adequada do preço ou à extinção do contrato por meio da resolução (LCVBC: n.º 1 do art.º 40)
5. A recusa tanto do fornecedor com o qual celebrou o contrato quanto, se for o caso, do fabricante em prover à garantia, constitui-os na obrigação de reparar os prejuízos causados, quer se trate de danos materiais quer de danos morais (Lei-Quadro de Defesa do Consumidor - LDC: n.º 1 do art.º 12).
6. A garantia legal tem hoje, i. é, desde o 1.º de Janeiro de 2022, a duração de três anos (LCVBC: n.º 1 do art.º 12).
7. De entre os remédios exigíveis, há hoje, em princípio, como que uma hierarquia, a saber, em primeiro lugar, como opção do consumidor, a reparação ou a substituição (LCVBC: n.º 1 do art.º 15).
8. Como a reparação não será, em princípio, de considerar, o consumidor pode exigir do fornecedor ou do fabricante, se for o caso, a substituição do bem (LCVBC: n.º 2 do art.º 15).
9. A substituição terá de ser concretizada, em princípio, em 30 dias, sob pena de contra-ordenação económica grave (LCVBC: n.º 3 do art.º 18; al. d) do n.º 1 do art.º 48).
10. Tratando-se de uma grande empresa (250 ou mais trabalhadores) a coima situar-se-á entre os 12 000 € e os 24 000 € (Regime Jurídico das Contra-Ordenações Económicas – RJCE – DL 09/2021: sub. v da al. b) do art.º 18 ).
11. Deve lavrar a reclamação devida no Livro respectivo, em qualquer dos suportes: físico ou electrónico (DL 156/2005: art.ºs 4.º e 5.º - C).
EM CONCLUSÃO
a. A recusa da garantia legal em coisa móvel duradoura, a pretexto de que a ferrugem nela se não inclui, ou está nas condições gerais e é, em termos singulares, nula a cláusula de pleno direito (LCGC: al. d) do art.º 21)
b. Ou resulta do accionamento dos remédios cabíveis na garantia legal e constitui contra-ordenação económica grave (LCVBC: al. d) do n.º 1 do art.º 48)
c. O remédio admissível, na circunstância, é o da substituição do bem, que há-de processar-se, em princípio, em 30 dias (LCVBC: n.º 2 do art.º 15; n.º 3 do art.º 18).
d. Os prejuízos materiais e morais causados ao consumidor pela recusa da garantia são susceptíveis de reparação (LDC - n.º 1 do art.º 12)
e. A recusa da garantia deve ser objecto de reclamação no Livro respectivo, em qualquer das suas versões (DL 156/2005: art.ºs 4.º e 5.º -C).
f. Tratando-se de grande empresa (250 ou mais) a coima oscilará entre os 12 000 e os 24 000 € (RJCE: sub. v da al. b) do art.º 18 ).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal
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