quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Consultório

 

De coisas menores (?) se ‘desimportam’ os consumidores… e disso tiram vantagem os fornecedores!

 

 “Uma avaria no fecho das portas de um automóvel, uma deslocação à oficina, a reparação efectuada e a factura apresentada no acto.

Volvidos 7 meses, repete-se a avaria. Exactamente no fecho das portas  reparado. O regresso à oficina. A exigência de reparação. E, na recolha do veículo, nova factura. Ora toma lá: “cento e noventa euros”!

O consumidor pagou. Mas ficou a ruminar na ideia. Então não se tratou da  mesma avaria? E as reparações estão fora das garantias?”

 

Cumpre opinar:

 

É que a reparação

Também tem garantia

São 3 anos, sem excepção,

E sem qualquer ‘amnistia’…

 

1.         A Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021, em que de novo se disciplina a garantia de coisas móveis e imóveis, diz de modo expresso na al. b) do n.º 1 do seu art.º 3.º:

“O presente [regime] aplica-se aos bens [reparados] no âmbito de um contrato de prestação de serviços”.

2.         Ora, de harmonia com o n.º 1 do seu art.º 12.º, sob a epígrafe “responsabilidade do profissional em caso de [não] conformidade”, se prescreve que

“o [fornecedor ou prestador de serviços] é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.”

3.         Logo, o consumidor, após a reparação, beneficia de uma garantia de 3 anos sobre os pontos específicos objecto da intervenção do prestador de serviços, no caso da oficina.

4.         Não terá, por conseguinte, de efectuar qualquer pagamento como se fosse uma nova e distinta reparação, quando, afinal, da mesma avaria se tratou.

5.         A cobrança do montante a que se alude – 190 € - é susceptível de configurar um crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo de 1984, no seu art.º 35.

6.         A moldura penal da especulação comina com prisão e multa: prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias, sendo que cada um dos dias, no limite, pode atingir 500 €.

7.         Até se acredita que seja por ignorância do responsável pela oficina que a factura do serviço prestado haja sido apresentada.

8.         No entanto, a ignorância, neste passo não escusa.

9.         Claro que há para aí umas ‘histórias’ mal contadas quando, em estudo recente, encomendado pela Direcção-Geral do Consumidor, se afirma que cerca de 90% dos agentes económicos conhecem os direitos dos consumidores. O que é redondamente falso porque a informação, nem sequer a mais elementar, como no caso, lhes chega… por incumprimento do Estado da sua missão de informar por mor do art.º 4.º da Lei 34/2004 e do art.º 50 do DL 84/2021!

 

EM CONCLUSÃO

a.         A Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo não se restringe simplesmente, como o nome sugere, à compra e venda, antes se aplica também à empreitada, a outras prestações de serviços e à locação de bens móveis e imóveis (DL 84/2021: art.º 3.º)

b.         Aplica-se, por conseguinte a qualquer reparação de um bem móvel, como no caso (DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do art.º 3.º)

c.         O prestador de serviço é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem, ou seja, uma qualquer reparação tem também uma garantia de três anos (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12)

d.         Pretendendo o prestador cobrar por um serviço coberto pela garantia, comete, ao que parece, um crime de especulação (DL 28/84: art.º 35)

e.         A moldura penal do crime de especulação é de prisão e multa: seis meses a três anos de prisão e multa não inferior a 100 dias (Dl28/84: idem).

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -  Portugal

1 comentário: