sexta-feira, 16 de junho de 2023

CONSULTÓRIO CONSUMIDOR


 (consultório que deveria ter vindo a lume hoje, na edição de 16 de Junho de 2023 do diário ‘as Beiras’ e, por razões que se desconhecem, não veio…)

QUEM CALA JÁ NÃO CONSENTE, DIZ A LEI COM TAL FRAGOR…

 Quem  cala já não consente

Diz a lei com tal fragor

Que só nisso é que dissente

Quem “confunde” o consumidor…

 

“A Deco-Proteste, Lda. (uma sociedade mercantil que alardeia ostensivamente, entre nós, o estatuto de  associação de consumidores, que, aliás, jamais possuiu, sem que as autoridades, “maxime o Ministério Público, reprimam um tal embuste de que lhe advêm acrescidas vantagens) tem para aí a circular, em distintos restaurantes, “informação” havida como veraz, a propósito do “couvert” (é assim que a lei o designa), em que, afinal e de forma resumida, assevera, não se crê que convictamente:

quem cala, consente, quem trinca, consente mais, e não poderá reclamar, quando detetar na conta, as entradas que não pediu.”

Pergunta-se: será assim?

 Ponderando, cumpre responder:

1.    Da lei:

Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou [se] por este for inutilizado.” (DL 10/2015: n.º 3 do ar.º 135).

2.    E di-lo especificamente, aliás, em decorrência de princípio plasmado na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor em sede de “protecção dos interesses económicos do consumidor” (Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º):

“ O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

3.    E, na sequência, de um outro preceito e correspondentes cominações em termos de ilícito de mera ordenação social (DL 24/2014: art.º 28):

 “1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens… ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…

2 - … a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.”

 4.    “Constitui contra-ordenação económica muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), a violação ao disposto … no n.º 1 do artigo 28.º” (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 31)

 

5.    Eis a grelha das contra-ordenações económicas muito graves, segundo a natureza e a classificação das empresas:

 §  Microempresa (menos de 10 trabalhadores) - de 3 000,00 a 11 500,00 €

 §  Pequena empresa (de 10 a 49 ) - de 8 000,00 a 30 000,00€

 §  Média empresa (de 50 a 249) - de 16 000,00 a 60 000,00 €;

 §  Grande empresa (250 ou mais trabalhadores) - de 24 000,00 a 90 000,00 €.

 6.    A cobrança do indevida configura ainda um crime de especulação (DL 28/84: al. b) do n.º 1 do art.º 35):

 “1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:

b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;

…”

 

EM CONCLUSÃO

 

a.     Quem cala não consente (e, por conseguinte, quem trinca não consente mais…) (Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º; DL 24/2014: n.º 2 do art.º 28);

b.    Não haverá cobrança de ‘couvert’ (vulgo, “entradas”) se não tiver sido solicitado (DL 10/2015: n.º 3 do artigo 135);

c.     A cobrança de bem ou serviço não solicitado é vedada ao fornecedor (DL 24/2014: n.º 1 do artigo 28);

d.    A cobrança de qualquer bem ou serviço não solicitado constitui contra-ordenação económica muito grave, passível de coima consoante a dimensão da empresa, de 3.000 € a 90 000 €  (DL 24/2014: n. º 1 do art.º 31);

e.    Mas constitui também crime de especulação passível de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: al. b) do n.º 1 do art.º 35).

Eis o que se me oferece dizer a tal propósito.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDCDIREITO DO CONSUMO - Portugal

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