“RELAÇÕES CREDITÍCIAS E LITÍGIOS DELAS EMERGENTES NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS”
Mário Frota
FUNDADOR e primeiro presidente da AIDC /IACL – Associação Internacional de Direito do Consumo -
( in “REVISTA DE DIREITO BANCÁRIO E DO MERCADO DE CAPITAIS’ - ano 25 – 97 – Julho/Setembro 2022 –, São Paulo. págs. 237 – 286)
SÍNTESE CONCLUSIVA
As sucessivas crises que vêm surgindo no horizonte têm-se revelado propícias à eclosão de sérios desequilíbrios nos orçamentos das famílias, precipitando um avolumar de situações de crédito malparado e de insolvência no seio da unidade fundamental do tecido social, que é a das famílias, com o gravame daí emergente.
Como se previne no diploma conformador do Sistema Público de Conciliação, que a lume veio há meses, em plena crise pandémica, “a estratégia de redução da mobilidade e de apartamento social exigida pelo combate à emergência de saúde pública provocou uma retracção súbita, de largo espectro, da actividade económica, com a consequente redução do rendimento das famílias, seriamente comprometedora da sua solvabilidade e da capacidade de cumprimento das obrigações assumidas.”
Daí que se impusesse à ordem jurídica facultasse ao devedor, pessoa singular, e aos seus credores, um sistema susceptível de promover a justa composição de litígios emergentes da mora e do não cumprimento das obrigações pecuniárias. E isto com base na negociação de soluções mediante a intervenção de um conciliador e de molde a lograr-se um juízo ex aequo et bono. Como se não houvesse já outros e tão esparsos meios, como os que de modo breve se passaram em revista.
Aliás, já em plena crise de 2007/2008, houve necessidade de intervir criando novas figuras como o Plano de Acção de Regularização do Incumprimento (PARI) e o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e, em simultaneidade, o delineamento de uma RACE – Rede Extrajudicial de Apoio ao Consumidor Endividado, de molde a atenuar os efeitos catastróficos de uma conflitualidade exacerbada com repercussões no volume processual dos competentes órgãos de judicatura ante a inamovibilidade das instituições de crédito e das sociedades financeiras perante situações de incumprimento que se protraiam no tempo.
De par com a figura do Mediador do Crédito, que qual Credit Ombud, surgido de uma densa noite de nevoeiro com a crise do sub-prime, viu a luz do dia, desamparado do mais, mas acocorado perante o Banco de Portugal e das suas divisões de supervisão comportamental, a despeito da sua proclamada independência funcional, para acudir aos consumidores em pânico ante a escassez de recursos financeiros e o avolumar das suas responsabilidades perante os dadores de crédito.
E, enfim, mas sem que o figurino geral se esgotasse, o SIPACSE (o Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-Endividamento), que funciona, em paralelo, com os mais meios, de modo nem harmónico nem coordenado, mas a que acrescem ainda os Procedimentos RAL (Resolução Alternativa de Conflitos de Consumo) com as vertentes da Mediação, Conciliação e, no limite, a Arbitragem institucional, ao que parece, necessária, que a União Europeia, através das suas instâncias legiferantes, com tradução nos normativos pátrios, entende estender às controvérsias geradas no quadro das relações creditícias das instituições de crédito e sociedades financeiras com os consumidores por real desconfiança dos tribunais da jurisdição do Estado, morosos, ineficazes, onerosos e nada eficientes. Donde a aposta na desjudicialização que, como se acentuou, data do programa preliminar da então Comunidade Económica Europeia em matéria de política de consumidores que se desencadeou no recuado ano de 1975.
Ora, haverá como que uma sobreposição de meios, numa sorte de “tudo ao molho e fé em Deus”, que não serve nem os consumidores nem a coisa pública nem um qualquer propósito de se buscarem efectivas soluções para os emergentes problemas.
Em meio a tanta fartura, os consumidores o que ficam é entregues à sua sorte com a pluralidade de recursos que desprezivelmente se consomem e em permanente perturbação, à míngua de conveniente informação, a que órgãos recorrer ante o assédio da banca e sociedades financeiras e a indigência, a hipossuficiência de que padecem.
Do que se carece é que os responsáveis governamentais, os que na administração central se lhes subordinam, e os do Banco Central se sentem à mesa, racionalizem os meios, esbocem e edifiquem um sistema com cabeça, tronco e membros, e ofereçam à comunidade jurídica algo de enxuto e funcional para que os consumidores endividados algo aproveitem do que na realidade se entenda repropor, garantindo-se-lhes o acesso de modo simples e congruente.
A mais se não almeja!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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